Acórdão nº 335/21.9T8STC.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 05-04-2022

Data de Julgamento05 Abril 2022
Ano2022
Número Acordão335/21.9T8STC.E1
ÓrgãoTribunal da Relação de Évora

Acordam os juízes da Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:

A - Relatório:
No âmbito do processo de contra-ordenação n.º 31/DAJ/2018 a CCDR (…) condenou o Município de (…), pela prática de uma contra-ordenação ambiental prevista e punível nos termos do artigo 18º, n. 2, alínea a) do Decreto-Lei nº. 46/2008, de 2 de março, na redacção do Decreto-Lei nº. 73/2011, de 17 de junho, e do artigo 22.°, n. 3, alínea b) da Lei nº. 50/2006, de 29 de agosto, na redação atualizada das Leis n. 89/2009, de 31 de agosto, e nº. 114/2015, de 28 de agosto, por infração ao disposto no artigo 3.°, n. 1 e n. 3 do Decreto-Lei n. 46/2008, de 12 de março, na redação do Decreto-Lei n. 73/2011, de 17 de junho, que impõe que, em caso de impossibilidade de determinação do produtor dos resíduos, a responsabilidade pela respetiva gestão recai sobre o seu detentor, podendo ainda ser aplicadas as sanções acessórias previstas no artigo 30.° da referida lei.
Considerando que a infração foi praticada por negligência e entendendo-se ser de se atenuar especialmente a coima nos termos dos artigos 23º-A e 23-°B da Lei nº. 50/2006, de 29/08, aplicou-se ao arguido Município uma coima no valor de € 6 000, suspensa em 75% pelo período de dois anos, nos termos do artigo 20º-A da Lei n. 50/2006, sem aplicação de sanção acessória.
O auto de notícia é de 18-01-2016 e a decisão da entidade administrativa é de 11-02-2021.
Inconformada com esta decisão, a recorrente impugnou judicialmente a decisão administrativa, vindo o Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal (…), por despacho de 04-11-2021 a decidir por despacho pela procedência da impugnação por entender que o Município estava excluído da acção criminal e contra-ordenacional por ser parte do Estado e este não se punir a si próprio.
*
Inconformada com uma tal decisão, dela interpôs a Digna magistrada do Ministério Público o presente recurso, com as seguintes conclusões:
A. Não obstante a sentença recorrida ser absolutamente omissa na identificação da concreta norma jurídica aplicada, da interpretação da mesma pode-se, contudo, retirar que o Tribunal a quo aplicou a norma constante do artigo 11.º do C.P..
B. Porém, ao invés do conjecturado na douta sentença, não é convocável o art. 11.º CP porque as pessoas colectivas públicas são passíveis de responsabilidade contraordenacional em matéria de Direito do Ambiente.
C. O fundamento dogmático do ilícito de mera ordenação social encontra-se, quer na ideia de subsidiariedade do Direito Penal, quer no alargamento da actuação conformadora e reguladora da Administração Pública, que tem de estar associada à possibilidade de aplicação de sanções e à maior especialização das entidades que aplicam essas sanções.
D. São razões de ordem substancial que impõem a distinção entre crimes e contra-ordenações, entre as quais avulta a natureza do ilícito e da sanção: o culminar do processo de ilícito de mera ordenação social é a aplicação de uma coima, sanção pecuniária que é destituída de qualquer ressonância ética e que, ao contrário da pena criminal, não se liga, à personalidade do agente e à sua atitude interna – consequência da diferente natureza e da diferente função da culpa na responsabilidade pela contra-ordenação.
E. Estas diferenças não são nada despiciendas e deverão obstar a qualquer tentação de exportação imponderada dos princípios constitucionais penais em matéria de penas criminais para a área do ilícito de mera ordenação social.
F. Retirando fundamento às considerações da douta sentença por serem fundamentalmente diferentes a natureza do crime e do ilícito de mera ordenação social: direito contra-ordenacional ou de mera ordenação social encontra-se no nosso ordenamento jurídico autonomizado em relação ao direito penal – especificamente em matéria de ambiente –, sem necessidade de recorrer à importação pura e simples das soluções do Direito penal.
G. A imputação de responsabilidade ás pessoas colectivas já é tradição no direito contraordenacional, sendo um princípio fundamental do direito das contraordenações, ao contrário do que acontece no Direito Penal, no âmbito do qual apenas alguns tipos penais são susceptíveis de incriminação das pessoas colectivas.
H. Até porque, em certas áreas, como, por exemplo, o Direito do Ambiente – como é o caso dos autos –, os sujeitos das infracções são maioritariamente pessoas colectivas, sendo que a sua responsabilização é mais fácil no quadro do ilícito de mera ordenação social do que no âmbito do Direito Penal; além de que, a coima relativamente a estas pessoas colectivas permite um tratamento sancionatório igualitário relativamente às pessoas físicas, no sentido de evitar resultados injustos.
I. Aliás, em sede de contraordenações em matéria ambiental, de acordo com a respectiva Lei-Quadro, o regime da responsabilidade das pessoas colectivas, inclusivamente derroga o R.G.C.O., mas ampliando o círculo de pessoas cuja actuação pode dar azo a responsabilidade contraordenacional da respectiva pessoa colectiva, por ser um sector particularmente sensível e em que a possibilidade de efectivar a responsabilidade das pessoas colectivas é essencial, sob pena de inutilidade da própria previsão de contraordenações ambientais.
J. Acresce que a regra geral das contra-ordenações, como se alcança do artigo 7.º do R.G.C.O., é pois, a aplicação de coimas às pessoas colectivas, sem qualquer tipo de destrinça entre elas em função da sua natureza, isto é, independentemente de serem pessoas colectivas públicas ou privadas ou de utilidade administrativa.
K. Pois, ao contrário do que acontece no artigo 11.º do C.P., no R.G.C.O., as pessoas colectivas e as pessoas singulares são colocadas em posição de igualdade: ambas são indiferenciadamente destinatárias das normas que tipificam contraordenações e das coimas nelas cominadas.
L. Pelo que, o artigo 8.º da L.Q.C.O.A., quando define o âmbito de sujeitos da contra-ordenação, não deve ser objecto de uma interpretação literal à luz do artigo 11.º do C.P., mas antes de uma leitura integrada à luz do direito geral das contra-ordenações, devendo ser convocado o artigo 7.º do R.G.C.O..
M. Mal andou o Tribunal recorrido ao julgar integralmente procedente a impugnação judicial e absolver o Município de (…) da contraordenação de que vem acusado, determinando o consequente arquivamento dos autos.
N. Com o que violou o preceituado nos artigos 11.º, n.º 1 do C.P., 7.º do R.G.C.O. e 8.º, n.º 1 e 22.º, n.º, 3 al. b) da L.Q.C.O.A..
O. Pelo que a decisão recorrida deve ser revogada e substituída por outra que, a final, julgue improcedente a impugnação judicial e condene o Município de (…) como vem acusado, pela prática de uma contraordenação ambiental grave, prevista no artigo 18.º, n.º 2, al. a) do D.L. n.º 46/2008, de 12 de Março, por referência ao disposto no n.º l e 3 do artigo 3.º do mesmo diploma legal, alterado pelo D.L. n.º 73/2011, de 17 de Junho, punível nos termos do disposto no artigo 22.º, n.º 3, al. b) da Lei n.º 50/2006, de 29 de Agosto, numa coima no montante de EUR 6.000,00, suspendendo a respectiva execução em 75% pelo período de dois anos, acrescida de custas no montante de EUR 51,00.
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A arguida pugnando pela improcedência do recurso, concluindo:
A) O Recurso interposto pela digna Magistrada do Ministério Público deve ser julgado improcedente e deve ser mantida a douta decisão recorrida, proferida pelo Tribunal “a quo”, a qual não merece qualquer reparo e que deve ser mantida na ordem jurídica, sendo válida, lícita e legal.
B) Ao contrário do que afirma a digna Magistrada do Ministério Público, no corpo das suas alegações, a Impugnação Judicial contém as Alegações e as respetivas Conclusões, conforme melhor resulta dos autos, de onde consta (Citius) com a data de 31/05/2021, sob a referência 5789995, o ficheiro em formato pdf denominado “Ofício”, que corresponde ao envio do respetivo processo contraordenacional pela CCDRA, a fls. 11-50 [e bem ainda consta de fls.53-91; 95-133; 135-209; 216-290] e que é constituída por 16 páginas a que acresce o DUC, o comprovativo do pagamento da taxa de justiça [em que em sede do respetivo articulado remete-se para os 16 documentos juntos com a defesa oportunamente apresentada em sede da CCDRA antes da decisão final adotada por esta entidade, e sobre a qual incide a Impugnação Judicial, os quais constam de fls. 375-390; 391-425, tendo a procuração forense sido junta, também, nessa sede].
C) Ao decidir como decidiu, o Tribunal “a quo”, efetuou uma correta interpretação e aplicação do direito aplicável, designadamente, do disposto no nº 1 e nº 3 do artº 3º do DL nº 46/2008, de 12/03, bem como do artº 18º do citado diploma e do artº 22º da Lei nº
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