Acórdão nº 332/20.1YHLSB-D.L1-PICRS de Tribunal da Relação de Lisboa, 10-03-2022

Data de Julgamento10 Março 2022
Ano2022
Número Acordão332/20.1YHLSB-D.L1-PICRS
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam no tribunal da Relação de Lisboa

I. RELATÓRIO
1. TEVA PHARMACEUTICAL INDUSTRIES LTD., TEVA PHARMA - PRODUTOS FARMACÊUTICOS, LDA., YEDA RESEARCH AND DEVELOPMENT CO., LTD., e TEVA GMBH instauraram procedimento cautelar contra MYLAN, LDA., requerendo que:
a) A requerida seja condenada a abster-se de introduzir no mercado português o produto farmacêutico actualmente designado por Clift 40 mg e abrangido pelo número de registo 5752829 no Infarmed I.P., bem como quaisquer outros produtos com a mesma composição, enquanto qualquer das Patentes se mantiver em vigor em Portugal;
b) A requerida seja condenada a abster-se de fabricar, oferecer, armazenar, importar, possuir ou utilizar em Portugal os produtos farmacêuticos referidos no parágrafo anterior, bem como de os promover ou divulgar, enquanto qualquer uma das Patentes se mantiver em vigor em Portugal;
c) A requerida seja condenada a retirar do mercado qualquer dos produtos farmacêuticos acima referidos que a requerida já tenha introduzido no mercado português;
d) A requerida seja condenada a abster-se de transferir a AIM relativa ao Clift 40 mg enquanto qualquer uma das Patentes estiver em vigor em Portugal;
e) Seja fixada uma sanção pecuniária compulsória num montante não inferior a €22.000,00, a pagar pela requerida por cada dia de incumprimento das providências que
venham a ser decretadas nos termos acima referidos.
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2. Foi proferida decisão em 3/1/2020, que julgando totalmente improcedente o procedimento cautelar, indeferiu as requeridas providências.
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3. Inconformadas, as requerentes da providência interpuseram recurso daquela decisão para este Tribunal da Relação, que por acórdão proferido em 7/7/2020, julgou provido o recurso, revogando a decisão recorrida e substituindo-a por outra, que julgou parcialmente procedente o pedido e assim:
(i) Condenou a recorrida a abster-se de introduzir no mercado português o produto farmacêutico actualmente designado por Clift® 40 mg e abrangido pelo número de registo 5752829 no Infarmed I.P., bem como quaisquer outros produtos com a mesma composição, enquanto qualquer das Patentes se mantiver em vigor em Portugal;
(ii) Condenou a recorrida a abster-se de fabricar, oferecer, armazenar, importar, possuir ou utilizar em Portugal os produtos farmacêuticos referidos no parágrafo anterior, bem como de os promover ou divulgar, enquanto qualquer uma das patentes se mantiver em vigor em Portugal;
(iii) Condenou a requerida a retirar do mercado qualquer dos produtos farmacêuticos acima referidos que a requerida já tenha introduzido no mercado português;
(iv) Condenou a requerida a abster-se de transferir a AIM relativa ao Clift 40 mg enquanto qualquer uma das patentes estiver em vigor em Portugal;
(v) Fixou uma sanção pecuniária compulsória no montante de 10.000 € (dez mil euros), a pagar pela recorrida por cada dia de incumprimento das providências atrás decretadas.
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4. Na sequência do pedido de rectificação e reforma do referido acórdão, foi proferido novo acórdão em 5/8/2020, que indeferiu o peticionado, mantendo as medidas decretadas.
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5. No âmbito do recurso que deu origem ao apenso B foi decidido, por acórdão de 16/4/2021, manter a decisão de não levantamento da providência cautelar e revogar a decisão recorrida (despacho refª citius nº 419657 proferido em 30/12/2020) na parte em que não apreciou o pedido formulado pela requerida de substituição das providências decretadas por caução.
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6. Em cumprimento de tal acórdão, foi proferida decisão no apenso C em 1/6/2021 (ref. citius nº 442770), cujo decreto judicial foi o seguinte:
“Pelo exposto, julga-se procedente este incidente de caução e, em consequência, autoriza-se a aqui requerente, requerida do procedimento Cautelar, Mylan, SA, a prestar caução, no valor de 667.208,56 euros, em substituição das providências decretadas.
Registe e notifique, devendo a requerente, em dez dias, indicar a forma de prestação de caução.
Custas pelas requeridas – artigo 527.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil”.
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7. Inconformadas com tal decisão, vieram então as requerentes da providência (requeridas nos autos de caução) interpôr o presente recurso de apelação, formulando as seguintes conclusões [transcrição]:
§ 1. A Mylan deveria ter requerido a substituição por caução das providências cautelares decretadas nestes autos no prazo de10 dias, previsto no artigo 149.º, n.º 1, do CPC, a contar da notificação do decretamento das referidas providências.
§ 2. Não o tendo feito, é forçoso concluir que o seu pedido é extemporâneo, tendo ficado precludido o seu direito a requerer tal substituição ao abrigo do disposto nos artigos 368.º, n.º 3, do CPC e 345.º, n.º 6, do CPI, nos termos do artigo 139.º, n.º 3, do CPC.
§ 3. O pedido da Mylan de substituição por caução consubstancia, materialmente, um pedido de alteração das medidas cautelares decretadas, uma vez que, se o pedido da Mylan tiver provimento, ao invés de vigorarem as medidas decretadas pelo Tribunal, estas são substituídas pela prestação de caução.
§ 4. A Mylan apresentou o seu pedido de substituição por caução das providências cautelares decretadas depois de o Tribunal da Relação de Lisboa já se ter pronunciado, com trânsito em julgado, sobre as concretas medidas cautelares a aplicar, pretendendo, assim, que o Tribunal altere o sentido de uma decisão que proferiu e que já transitou em julgado.
§ 5. Esta pretensão não é, contudo, admissível porque, por um lado, se encontra extinto o poder jurisdicional, nos termos do artigo 613.º, n.º 1, do CPC, e, por outro lado, a reapreciação e alteração do sentido da decisão que decretou a providência cautelar consubstanciariam uma violação do caso julgado e, como tal, seriam manifestamente ilegais, uma vez que a presente situação não se enquadra naquelas em que, excepcionalmente, a lei admite a mutabilidade das decisões judiciais que decretam providências cautelares já transitadas em julgado.
§ 6. Por estes motivos, por ter apreciado este pedido inadmissível, o despacho recorrido é ilegal e, como tal, deve ser revogado.
§ 7. Além disso, o despacho recorrido é inconstitucional por violação dos princípios constitucionais do processo equitativo, previsto no artigo 20.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa (“CRP”), da igualdade das partes, decorrência do princípio do processo equitativo, da segurança jurídica e da proteção da confiança, decorrências do princípio do Estado de Direito Democrático previsto no artigo 2.º da CRP, inconstitucionalidade que se deixa arguida para todos os efeitos legais.
§ 8. Para sustentar o seu pedido de substituição por caução das providências cautelares decretadas, a Mylan invoca um facto superveniente (no caso, a revogação da EP 335 pelo IEP).
§ 9. Porém, quer da letra dos artigos 368.º, n.º 3, do CPC e 345.º, n.º 6, do CPI, quer da teleologia destas normas, resulta que o legislador não pretendeu dar ao requerido a oportunidade de, após o decurso do prazo de 10 dias, vir requerer, mesmo que com fundamento em factos supervenientes, a substituição por caução das providências decretadas. Nada nos mencionados artigos aponta nesse sentido.
§ 10. Como tal, não podia o Tribunal a quo ter apreciado o pedido da Mylan de substituição por caução das providências cautelares decretadas porquanto o mesmo não é admissível, uma vez que não existe nenhuma norma no ordenamento jurídico português que permita à Mylan, com fundamento em circunstâncias supervenientes, requerer a substituição por caução das providências cautelares decretadas depois de decorrido o prazo de 10 dias previsto no artigo 149.º, n.º 1, do CPC.
Sem prescindir,
§ 11. Mesmo que se admitisse tal possibilidade – no que não se concede –, as circunstâncias supervenientes invocadas teriam de ter a virtualidade de tornar pertinente, adequada ou admissível nos termos legais uma substituição por caução que anteriormente não o era e que por isso não foi requerida no prazo de 10 dias para o efeito.
§ 12. Ora, o facto superveniente invocado pela Mylan foi a revogação pelo IEP da EP 335, o qual, como notou o Tribunal a quo (nessa parte, bem), não respeita à caução, sua pertinência, adequação ou valor, mas antes respeita ao fumus boni iuris que justificou o decretamento da providência, pelo que tal facto superveniente não assume qualquer relevância para a avaliação da admissibilidade da prestação de caução.
§ 13. Por conseguinte, uma vez que o facto superveniente invocado pela Mylan não tem qualquer relação com a concreta caução requerida, antes respeitando ao fumus boni iuris (sendo que, como em sede própria se afirmou, o facto em causa não belisca esse fumus), o mesmo não pode legitimar o pedido de substituição por caução das providências decretadas apresentado em momento posterior ao término doprazo de10 dias de que o requerente dispõe para o efeito.
§ 14. Conclui-se, assim, que o despacho recorrido deveria ter indeferido o pedido da Mylan de substituição por caução das providências cautelares decretadas, porquanto o mesmo é extemporâneo – circunstância que é de conhecimento oficioso –, tendo-se extinguindo o direito da Mylan a requerera referida substituição, nos termos do artigo 139.º, n.º 3, do CPC.
Sem prescindir,
§ 15. A prestação de caução é processada por apenso ao procedimento cautelar e, como tal, está sujeita a formalidades próprias, nomeadamente as previstas no artigo 913.º do CPC, aplicável por força do artigo 915.º do CPC, que estipula que o requerido deve indicar os fundamentos, o valor a caucionar e o modo de prestação da caução.
§ 16. A Mylan não cumpriu os requisitos formais do pedido de substituição por caução, porquanto não indicou o valor concreto da caução que se propôs prestar (aludindo apenas genericamente ao valor dos presentes autos), não indicou a modalidade que a caução iria revestir, nem tão pouco liquidou a taxa de justiça devida pela dedução do incidente em
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