Acórdão nº 331/13.0JALRA-A.C1 de Tribunal da Relação de Coimbra, 21-02-2024

Data de Julgamento21 Fevereiro 2024
Ano2024
Número Acordão331/13.0JALRA-A.C1
ÓrgãoTribunal da Relação de Coimbra - (LEIRIA (JUÍZO CENTRAL CRIMINAL DE LEIRIA – JUIZ 1))
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ACÓRDÃO


Acordam, em conferência, os juízes da 5.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra:

I – Relatório

1. Por acórdão proferido nos autos a 30/06/2017 e transitado em julgado a 15/09/2017, procedeu-se ao cúmulo jurídico, com a imposta destes autos, de penas diversas que em outros processos tinham sido aplicadas ao condenado,

AA, solteiro, trabalhador da construção civil, natural de ..., ..., nascido a ../../1977, filho de BB e de CC, actualmente recluso no estabelecimento prisional ... e antes com residência na Av. ..., ..., ...,

sendo as quatro seguintes penas únicas as que actualmente cumpre:

a) dois anos e três meses de prisão;

b) um ano e um mês de prisão;

c) um ano de prisão; e

d) sete anos e seis meses de prisão.

2. Por despacho de 14/10/2023, e a respeito da eventualidade da aplicação do perdão ou amnistia previstos na Lei 38-A/2023, de 02/08, foi determinado que nos termos respectivos deles não beneficiasse o condenado, na medida em que à data da prática dos factos que valeram as referidas condenações tinha já mais de 30 anos de idade.

3. É desse despacho que recorre o condenado, sob argumento de que por ser violadora do princípio da igualdade, previsto no art. 13.º/1/2, da Constituição da República Portuguesa (CR), a norma do art. 2.º/1, daquela lei, que exclui das medidas de graça tomadas quem à data dos factos criminosos tivesse mais de 30 anos de idade, se faz materialmente inconstitucional, devendo ser desaplicada, com isso beneficiando ele afinal do perdão, a incidir em cada uma daquelas penas únicas. Das motivações de recurso extrai as seguintes conclusões:

« I – O arguido insurge-se contra a decisão sob recurso por referência à inconstitucionalidade parcial da Lei 38-A/2023, de 02/08, que estabelece o perdão de penas e amnistia de infracções.

II – Decidiu o tribunal a quo que o regime do perdão e da amnistia previsto na Lei 38-A/2023, de 02/08, não tem aplicação ao caso do arguido, nos termos do art. 2.º/1, pelo facto de o mesmo, à data dos factos pelos quais se encontra condenado, ter já 36 anos de idade.

III – Estaria o recorrente em condições de beneficiar dos perdões de um ano de prisão em cada uma das penas únicas determinadas nos quatro cúmulos que lhe foram determinados, não fosse o tribunal a quo ter aplicado o art. 2.º/1, da Lei 38-A/2023, de 02/08.

IV – Sucede que, ao impor um limite de idade fixado nos 31 anos de idade menos 1 dia, o art. 2.º/1, da Lei 38-A/2023, de 02/08 (bem como a decisão de que se recorre e que o aplicou), incorre em clara discriminação, sem fundamento razoável, relativamente a outros cidadãos com idade superior àquela, motivo pelo qual se encontra ferido de inconstitucionalidade material.

V – Conforme se decidiu na douta sentença proferida no processo 29/23...., do Tribunal Judicial da Comarca de Leiria – Juízo de Competência Genérica ... (J...), que amnistiou, ao abrigo da Lei 38-A/2023, de 02/08, um arguido cuja idade ultrapassa o limite definido no art. 2./1, por entender que a imposição de um limite etário à amnistia se encontra ferida de inconstitucionalidade material, “por violação do núcleo fundamental do princípio da igualdade, na modalidade de proibição do arbítrio, previsto no art. 13.º/2, da CR”, também no despacho sob recurso se deveria ter declarado a inconstitucionalidade do limite etário estabelecido.

VI – O art. 13.º/1, da CR, consagra que todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei, estabelecendo o n.º 2 que ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, condição social ou orientação sexual.

VII – No âmbito de aplicação da norma, a ideia de igualdade recusa o arbítrio, as soluções materialmente infundadas ou irrazoáveis (Ac. TC n.º 42/95, relator Messias Bento), devendo a condicionalidade ser de carácter geral quanto aos destinatários e objectiva no seu fundamento – apud a sentença proferida no 29/23...., do Tribunal Judicial da Comarca de Leiria – Juízo de Competência Genérica ... (J...).

VIII – Ao ter definido como um dos critérios de distinção para aplicação da lei 38-A/2023, de 02/08, uma determinada idade, o legislador não oferece um critério penalístico para aquele limite, sendo que o estabelecimento do limite etário é compreendido como uma anomalia e soa comunitariamente como injustiça, uma vez que o Estado não oferece qualquer fundamento objectivo para a diferenciação – vide sentença proferida no processo 29/23...., do Tribunal Judicial da Comarca de Leiria – Juízo de Competência Genérica ... (J...).

IX – Fere os mais elementares étimos republicanos de um Estado de direito, que além de democrático, é laico, vir o legislador, por ocasião e sob pretexto de um evento de relevo mundial organizado pela Igreja Católica dentro das suas fronteiras, e como que comemorando a visita do Papa ao nosso país, criar uma amnistia de crimes e um perdão de penas, pois tal produção legislativa transparece a existência de uma simbiose anacrónica entre a República Portuguesa e a Igreja Católica sem que, contudo, tenha tido a coragem de a verter claramente na letra da Lei, uma vez que justificou o decretamento da amnistia e perdão de penas somente com a realização em Portugal da Jornada Mundial da Juventude – vide art. 1.º da Lei 38-A/2023, de 02/08.

X – Porém, se, e na verdade, embora sem o reconhecer, o legislador consagrou uma amnistia de crimes e perdão de penas imbuído por princípios de doutrina cristã e católica (pois de outra forma não se justificaria o decretamento da amnistia e perdão de penas no contexto em que o foi), devia não ter olvidado que a discriminação entre pessoas, ainda mais em função estritamente da idade, atenta contra a basilar matriz cristã que serviu de pretexto para a amnistia e perdão de penas legislada.

XI – A fixação da idade de 30 anos (31 anos menos um dia), como limite à aplicação da amnistia, descrita na norma do art. 2.º/1, da Lei 38-A/2023, de 02/08, é materialmente inconstitucional, por ofensa à norma do art. 13./2, da CR, o que desde já se argúi e que deve ser declarado com todas as consequências legais.

XII – Em face da inconstitucionalidade parcial quantitativa do segmento da norma “30 anos” ínsito no art. 2.º/1, da Lei 38-A/2023, de 02/08, deveria o despacho sob recurso ter decidido aplicar a restante norma, expurgada da inconstitucionalidade que a contamina, declarando perdoados ao arguido um ano de prisão na pena determinada em cada um dos cúmulos jurídicos elaborados e que o mesmo se encontra a cumprir ou que tem ainda para cumprir, nos termos do disposto nos n.º 1 e 4, da lei 38-A/2023, de 02/08.

XIII – Violadas foram, entre outras, as normas dos art. 13.º e 202.º, da CR. »

4. Admitido o recurso, respondeu-lhe o MP pugnando por ser-lhe negado provimento, para tanto argumentando com a total correcção da decisão recorrida, cujo sentido é imposto pela norma do art. 2.º/1 da Lei 38-A/2023, de 02/08, a qual por seu lado não padece de inconstitucionalidade alguma, designadamente em nada brigando com o princípio da igualdade, segundo previsto no art. 13.º/1/2, da CR. Dessa resposta extrai igualmente conclusões, que são as seguintes:

« I – Nos autos foi decidido não aplicar o perdão de um ano aprovado pela Lei 38-A/2023, de 02/08, à pena única em que o recorrente foi condenado, na medida em que na data da prática dos factos, aquele contava com mais de 30 anos de idade.

II – Os factos pelos quais o recorrente foi condenado foram praticados em 9, 18 e 28 de Novembro de 2013. O recorrente nasceu no dia ../../1977, pelo que na data da prática dos factos contava com 36 anos de idade.

III – Insurge-se o recorrente contra o art. 2.º/1, da Lei 38-A/2023, de 02/08, entendendo que o limite de idade é uma violação do art. 13.º, da CR, e como tal inconstitucional.

IV – No caso em apreço, motivado pela juventude dos condenados na data da prática dos factos, decidiu o legislador conceder e aprovar uma medida de clemência e estabeleceu o limite da idade.

V –a lei reveste carácter geral e abstracto, pois aplica-se a todos os arguidos que se encontrem na situação por si descrita, portanto em número indeterminado, a delimitação do seu âmbito de aplicação está devidamente justificado e não se mostra arbitrária, nem irrazoável, pelo que não padece de inconstitucionalidade a limitação constante do n.º 1 do artigo 2.º”.

VI – O despacho que decidiu pela não aplicação da Lei 38-A/2023, de 02/08, deverá manter-se, uma vez que o art. 2...

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