Acórdão nº 330/21.8PBFUN.L1-5 de Tribunal da Relação de Lisboa, 2023-07-13

Ano2023
Número Acordão330/21.8PBFUN.L1-5
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordaram, em conferência, na 5ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa:

I - RELATÓRIO
I.1 No âmbito do processo comum singular n.º 330/21.8PBFUN que corre termos pelo Juízo Local Criminal do Funchal - Juiz 2, do Tribunal Judicial da Comarca da Madeira, a 06 de fevereiro de 2023, foi proferida sentença, no que agora interessa, com o seguinte dispositivo [transcrição]:
“Por tudo o exposto, julga-se a acusação totalmente procedente, condenando-se o arguido AA, pela autoria do crime de violência doméstica agravada, p. e p. pelo art.º 152º, nºs 1, al. a) e 2, al. a) do C. Penal, na pena de 3 (três) anos e 8 (oito) meses de prisão, suspensa na sua execução, pelo período de 5 (cinco) anos, com sujeição a regime de prova, onde se incluirão entrevistas regulares de técnico de reinserção social com o arguido, destinadas a sensibilizá-lo para o sofrimento das vítimas de violência doméstica e a contactos regulares do técnico com a actual ou futuras companheiras ou cônjuges do arguido e uma avaliação permanente da respectiva dinâmica familiar, ficando a suspensão ainda subordinada ao dever de o arguido se sujeitar ao imediato tratamento do alcoolismo, bem como a retomá-lo, sempre que o técnico de reinserção social entenda, em face da conduta que constatar do arguido, que assim se justifica.”.

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I.2 Recurso da decisão
Inconformado com tal decisão, dela interpôs recurso o MP para este Tribunal da Relação, com os fundamentos expressos na respetiva motivação, da qual extraiu as seguintes conclusões [transcrição]:
“1- Por sentença de 06-02-2023, o Tribunal a quo decidiu suspender por 5 anos, com sujeição a regime de prova, a pena de prisão de três anos e oito meses de prisão, aplicada ao arguido AA, pela prática de um crime de violência doméstica agravada, p. e p. pelo artigo 152. º, n.º 1, al. a), e n.º 2, al. a), do Código Penal.
2- O Ministério Público discorda da decisão de suspender a execução da referida pena de prisão por se considerar que não foram provados quaisquer elementos que nos permitam concluir que se mostram verificados os pressupostos previstos no artigo 50.º, n.º 1, do Código Penal.
3- Como é consabido, é pressuposto da suspensão da execução da pena de prisão a formulação, pelo julgador, de um juízo de prognose favorável relativamente ao comportamento futuro do arguido, no sentido de, quanto a ele, a simples censura e ameaça da pena de prisão serem suficientemente dissuasoras da prática de futuros crimes.
4- Cumpre, pois, considerar os seguintes fatores:
a) O arguido praticou os factos descritos na acusação durante cerca de 30 anos;
b) Os factos praticados foram gravíssimos, denotando um desmesurado desrespeito pela dignidade humana da vítima e de humilhação. Veja-se que o arguido agrediu, por várias vezes, a vítima com socos, pontapé e puxões de cabelo até a mesma ficar inanimada no chão, sujeitando os filhos a ouvir os gritos da mãe;
c) O arguido não apresenta o mínimo sentido crítico, nem arrependimento face aos factos pelos quais, em concreto, foi condenado, negando, inclusive, todos os factos imputados e “queixando-se” de ser ele a “vítima” da relação, tecendo sobre a vítima comentários depreciativos;
d) O arguido não reconhece que tenha qualquer problema de alcoolismo, pelo que mal se compreende que o Tribunal considere que o arguido irá cumprir com o zelo devido um tratamento à sua dependência do álcool, quando, na verdade, a sua “aceitação” foi antecedida de uma negação perentória do problema que se pretende obliterar. A “aceitação” do arguido mais não foi do que uma forma de evitar a inviabilização imediata da suspensão da execução da pena de prisão, e, por via disso, o cumprimento de prisão efetiva.
5- Importa, ainda, considerar que, as exigências preventivas gerais são elevadíssimas neste tipo de crime. Seria, a nosso ver, um péssimo sinal que a justiça enviaria à sociedade que, no presente caso, um arguido que praticou os factos provados descritos na sentença, durante longos anos, que não revela qualquer arrependimento e que não reconhece o seu prolema de alcoolismo possa ver a sua pena ser suspensa na sua execução.
6- O Tribunal a quo fundamentou a sua decisão de suspensão da execução da pena de prisão no facto de o arguido não ter contacto com a vítima há cerca de 2 anos, não ter antecedentes criminais e ter pouca instrução, pertencendo a um meio social que não lhe permitiu interiorizar o desvalor dos seus comportamentos, mais precisamente a problemática da violência doméstica.
7- Quanto ao primeiro argumento aduzido pelo Tribunal, importa fazer notar que, de facto, o arguido cessou as suas condutas violentas para com a vítima, porém fê-lo quando logrou um dos seus intentos, que era expulsar a vítima da residência comum.
8- Mas, como se tal não bastasse, durante quase dois meses, após a vítima ter saído, de forma forçada, da sua residência, o arguido ainda lhe telefonou e fez-lhe ameaças de morte, ao ponto de a vítima ter que mudar de telefone para cortar definitivamente os contactos com o arguido.
9- Com efeito, a simples separação do arguido e da ofendida, nas circunstâncias específicas do presente caso, nada revela, a nosso ver, acerca da capacidade daquele de manter, no futuro, um comportamento normativamente adequado.
10- Por outro lado, não se desconhece que a aplicação de pena de prisão efetiva a arguido sem antecedentes criminais pela prática de crime da mesma natureza é sempre muito excecional, e de evitar, quando possível.
11- Porém, no presente caso, se é certo que o arguido não possui antecedentes criminais, não é menos verdade que nenhum outro facto dado como provado permite um juízo de prognose positivo sobre o comportamento futuro do arguido, mesmo com sujeição a regime de prova.
12- Por fim, o contexto social e económico do arguido serve para fundamentar o seu nível de culpa, à data da prática dos factos, e, consequentemente, influenciar a medida da pena, mas não pode justificar a sua conduta posterior manifestada em audiência de discussão e julgamento de completa falta de arrependimento sobre a gravidade dos seus comportamentos.
13- Convém fazer notar que, o arguido decidiu prestar declarações já depois de ter ouvido o relato da vítima e dos filhos, que, conforme bem referiu o Tribunal, foram depoimentos bastante emotivos e, mesmo assim, demonstrou uma total frieza e desconsideração perante todo o sofrimento relatado.
14- O juízo de prognose favorável reporta-se ao momento em que a decisão é tomada e pressupõe a valoração conjunta de todos os elementos que tornam possível uma conclusão sobre a conduta futura do arguido, no sentido de que irá sentir a condenação como uma solene advertência, ficando o eventual cometimento de novos crimes prevenido com a ameaça da prisão.
15- A comunidade dificilmente compreenderia que alguém que pratica factos da natureza e gravidade dos que o arguido praticou, de forma reiterada e ao longo de cerca de 30 anos, revelando uma personalidade violenta e avessa à observância das normas jurídico-penais fosse punido com uma pena diversa da pena de prisão.
16- Como se tal não bastasse, o mesmo arguido não demonstrou qualquer arrependimento pela prática dos factos que resultaram provados, revelador que ainda não interiorizou o desvalor, a gravidade e censurabilidade da sua conduta.
17- Tendo decidido como decidiu, a douta sentença incumpriu os artigos 40.º, nº 1 e 2, e 71. º, n.º 1 e 2, e violou o disposto no artigo 50. º, todos do Código Penal.

Nestes termos, deverá o presente recurso ser julgado procedente,
devendo Vªs. Exªs. revogar a decisão recorrida e substituí-la por outra que
condene o arguido numa pena de prisão efetiva entre os três e quatro anos.”

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O recurso foi admitido, nos termos do despacho proferido a 09-03-2023.

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I.3 Resposta ao recurso
Efetuada a legal notificação, veio o arguido responder ao recurso interposto pelo Ministério Público, pugnando pela sua improcedência, apresentando as seguintes conclusões [transcrição].
a) O recurso interposto pelo Ministério Público, ora recorrente, está centrado na impugnação da matéria de direito, relativamente à decisão do douto tribunal a quo de suspender a pena de prisão efectiva que foi aplicada ao arguido pelo período de 3 anos e 8 meses, suspensa na sua execução pelo período de 5 anos sujeito a regime de prova;
b) Entende o recorrente que deve ser revogada a execução da suspensão da pena de prisão, devendo ser proferido acórdão que condene o arguido numa pena situada entre os 3 e 4 anos de prisão efetiva;
c) Ora, salvo devido respeito, não pode o arguido concordar com o recorrente porquanto a decisão do douto tribunal a quo foi integralmente acertada;
d) Segundo o recorrente não foram provados elementos que permitam concluir que se mostram verificados os pressupostos do artigo 50.º, n.º 1 do Código Penal, enunciando os seguintes fundamentos pelos quais não se deverá suspender a pena ao arguido:
e) “a) O arguido praticou factos gravíssimos, que incluem um desmesurado desrespeito pela dignidade humana da vítima e de humilhação, como seja agredir, por várias vezes, a vítima com socos, pontapé e puxões de cabelo até a mesma ficar inanimada no chão, sujeitando os filhos a ouvir os gritos da mãe, impotentes face ao comportamento do arguido;
f) b) Os factos perpetuaram-se durantes muitos e longos anos (30 anos) sem que o arguido tivesse emendado, ainda que minimamente, a sua conduta, ou sequer tivesse atendido aos apelos dos filhos para tratar a sua dependência do álcool;
g) c) O arguido não apresenta o mínimo sentido crítico, nem arrependimento face aos factos pelos quais, em concreto, foi condenado, negando, inclusive, todos os factos imputados e “queixando-se” de ser ele a “vítima” da relação. Convém fazer notar que, o arguido decidiu prestar declarações já depois de ter ouvido o relato da vítima e dos filhos, que, conforme bem referiu o
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