Acórdão nº 326/20.7T8BGC.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 2024-04-11

Data de Julgamento11 Abril 2024
Ano2024
Número Acordão326/20.7T8BGC.G1
ÓrgãoTribunal da Relação de Guimarães

Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

I. Relatório

AA e mulher BB, ambos residentes na Estrada ..., ..., ..., ..., ..., vieram intentar ação de processo comum contra EMP01..., S.A., com sede na Avenida ..., ... (que, por fusão/incorporação, passou a denominar-se EMP01..., ..., SA – SUCURSAL EM PORTUGAL) pedindo que se condene a Ré a pagar a quantia global de €224.292,92 a título de indemnização pelos danos patrimoniais e não patrimoniais decorrentes do sinistro, a quantia a liquidar em ampliação do pedido ou em execução de sentença e melhor descrita nos artigos 97) e 98) da petição inicial e os juros moratórios calculados ao dobro da taxa legal e contados desde a citação até efetivo e integral pagamento, atento o disposto no artigo 40.º, n.º 2 do Dec. Lei n.º 291/2007 de 21-8.
Para tanto e em síntese, alegam que o seu filho, CC, à data com 16 anos, solteiro e sem descendentes, no dia 30/12/2018, pelas 16 h, quando se encontrava na EN n.º ...5, ao quilómetro 236,900 (vulgarmente denominada de “...”, localidade e freguesia ..., concelho ...), foi mortalmente atropelado pelo veículo ligeiro de passageiros, de matrícula ..-..-PL, segurado pela Ré, conduzido por DD e propriedade de EE.
Que no local a EN tem um traçado reto com uma extensão superior a oitocentos metros de comprimento, com 6,10 m de largura e composta por duas hemi-faixas de sentidos opostos, com uma velocidade limitada a 90 km/h no sentido seguido pelo PL e ladeada por diversas casas de habitação, as quais pertencem à localidade de ..., sem qualquer passadeira para peões; que não existiam obstáculos na via, nem mais nenhum veículo circulava mas, atenta a posição do sol, existia encadeamento solar para quem circulasse no sentido de marcha do PL não permitindo ao seu condutor ter uma visibilidade superior a 25 metros.
Mais alegam que, quando o malogrado CC iniciou a travessia da faixa de rodagem, no sentido direita/esquerda, atento o sentido de marcha do PL, este último encontrava-se, nesse momento, a mais de 80/90 metros, seguindo a pelo menos 100 km/h e que o CC, quando tinha percorrido apenas 2/3 passos na faixa, foi violenta e mortalmente embatido pela frente esquerda do PL e projetado, vindo a cair prostrado no pavimento.
Alegam ainda que a culpa pelo atropelamento foi, única e exclusivamente, do condutor do PL que seguia a velocidade excessiva, quer face ao limite geral de velocidade, quer face às condições de visibilidade, indo distraído.
A Ré apresentou contestação impugnando a versão do acidente e alegando, ao invés, e em suma, que o condutor do PL seguia a velocidade moderada, com o sol a incidir frontalmente sobre o condutor, o que dificultava a sua tarefa de condução, ao contrário do malogrado peão, que, se olhasse para a sua esquerda, donde vinha o PL, não teria qualquer perturbação decorrente da incidência da luz solar e teria verificado a presença do PL na EN ...5 a 296 m.
Mais alega que o peão, sem olhar para a sua esquerda, iniciou a travessia da EN quando o PL já se encontrava a 20 m, cortando-lhe, pois, subitamente, a trajetória, de tal forma que o condutor do PL não pode evitar o embate, que ocorreu em plena faixa da estrada, a 1 m da berma direita, atento o sentido de marcha do PL, e com o lado frontal direito do PL.
No mais, a Ré impugna os danos e invoca que teve de aguardar o desfecho do inquérito criminal para poder decidir sobre a assunção de responsabilidade e que face ao arquivamento pelo Ministério Público, declinou-a, então.
Citado o ISS para deduzir pedido de reembolso, nada deduziu.
Foi realizada a audiência prévia, e proferido despacho saneador, bem como despacho a identificar o objeto do litígio e a enunciar os temas da prova.

Veio a efetivar-se a audiência de discussão e julgamento com a prolação de sentença nos seguintes termos, no que concerne à parte dispositiva:

“Pelo exposto, julgo a presente ação parcialmente procedente, nos termos sobreditos. Consequentemente:
1. Condeno a Ré a pagar aos AA, a título de danos não patrimoniais e a repartir em partes iguais por estes, a quantia global de 134.000€ (cento e trinta e quatro mil euros) a que acrescem juros de mora a contar da presente sentença, á taxa legal de 4%, até integral pagamento.
2. Condeno a Ré a pagar aos AA a quantia global de 1039,57€ (mil e trinta e nove euros e cinquenta e sete cêntimos) a título de danos patrimoniais, a que acrescem juros de mora á taxa de 4%, a contar da citação e até integral pagamento.
3. No mais peticionado, absolve a Ré.
*
Custas por AA e Ré, na proporção de decaimento.
*
Registe e notifique”.

Inconformados, apelaram os Autores da sentença concluindo as suas alegações da seguinte forma:
“(i) O presente recurso vai interposto contra a douta sentença, que julgou a presente ação de processo comum parcialmente procedente, considerando o facto de, no entendimento do tribunal a quo, ter existido um comportamento do peão que veio a concorrer para a verificação do atropelamento de que o mesmo foi vítima;
(ii) Salvo o devido respeito, a decisão recorrida incorreu em manifesto erro de julgamento, já que, o acidente de viação em apreço nos presentes autos ficou a dever-se exclusivamente à responsabilidade do condutor do veículo automóvel de matrícula PL, seguro na Ré;
(iii) Causa adequada na produção do acidente é a condição sem a qual o mesmo não se teria verificado, é a condição com relevo especial no concreto acidente;
(iv) Por isso, para impor a alguém a obrigação de reparar o dano sofrido por outrem, não basta que o facto praticado pelo agente tenha sido, no caso concreto, condição (sine qua non) do dano; é necessário ainda que, em abstrato ou em geral, o facto seja uma causa adequada do dano. Há que escolher, entre os antecedentes históricos do dano, aquele que, segundo o curso normal das coisas, se pode considerar apto para o produzir, afastando aqueles que só por virtude de circunstâncias extraordinárias o possam ter determinado;
(v) Para apurar se o facto é causa abstrata do evento, e segundo um juízo abstrato de adequação, deve atender-se apenas às circunstâncias reconhecíveis à data do facto por um observador experiente;
(vi) Mais, e para além dessas, devem ser ainda incluídas as circunstâncias efetivamente conhecidas do lesante na mesma data, posto que ignoradas das outras pessoas;
(vii) Em princípio, um facto só deve considerarse causa adequada dos danos que constituem uma consequência normal, típica, provável dele;
(viii) A causalidade adequada não se refere ao facto e ao dano isoladamente considerados, mas ao processo factual que, em concreto, conduziu ao dano. É esse processo concreto que há-de caber na aptidão geral ou abstrata do facto para produzir o dano;
(ix) No caso da responsabilidade extracontratual tem de se atender ainda ao fim da norma legal;
(x) O artigo 101.º, n.º 4 do Código da Estrada visa garantir a segurança e boa circulação dos veículos que transitem pela faixa de rodagem;
(xi) A ratio da norma pretende assim evitar que um peão durante a realização da travessia de uma faixa de rodagem efetue qualquer manobra imprevista (como parar, mudar de sentido, recuar, etc.), por forma a que os condutores dos veículos automóveis saibam sempre com o que contar.
(xii) É certo que no caso dos autos, podermos afirmar que, pelo menos em tese, poderia estar em causa a segurança do veículo de matrícula PL, quando o peão, durante a realização da travessia, parou na faixa de rodagem, mas, na prática, essa segurança só seria posta em causa se o condutor do veículo de matrícula PL tivesse ficado surpreendido pela súbita realização daquele movimento (parar) por parte do peão;
(xiii) Tal como veio a ficar demonstrado nos autos, o condutor do veículo automóvel apenas se terá apercebido da presença do peão quando se encontrava a cerca de 25 metros, em face do encadeamento solar a que esteve sujeito desde que passou a circular na “...”;
(xiv) Ou seja, ainda que o peão não tivesse parado o certo é que, o condutor do veículo automóvel teria ficado sempre surpreendido com a presença do peão a realizar a travessia da faixa de rodagem; (xv) Como o condutor do veículo de matrícula PL transitava a uma velocidade superior a 90 km/h e como o mesmo não tinha qualquer visibilidade para a sua frente, designadamente para uma distância superior a 25 metros, pelo que foi apenas esse o comportamento que contribuiu de forma necessária, adequada e exclusiva para a eclosão do trágico atropelamento;
(xvi) Tanto assim foi, que o tribunal recorrido considerou provado que foi pelo facto de não existirem condições de visibilidade que o condutor do veículo de matrícula PL ficou surpreendido pela presença do peão CC na faixa de rodagem;
(xvii) Destarte, não foi pelo facto de o peão estar parado na faixa de rodagem que o condutor do veículo de matrícula PL foi surpreendido, mas antes foi devido ao facto de o mesmo não se ter apercebido da presença do peão na faixa de rodagem (parado ou a transitar);
(xviii) Se o malogrado peão não tivesse parado teria sido igualmente colhido, já não com o canto direito do veículo de matrícula PL, mas antes com a sua frente ou com o seu canto esquerdo;
(xix) Apesar do condutor do veículo de matrícula PL não ter visibilidade para uma distância superior a 25 metros, o certo é que o condutor do veículo automóvel não se coibiu de circular a uma velocidade nunca inferior a 92 km/h, mesmo que tal implicasse não ter visibilidade para a estrada, a qual se descrevia em reta com mais de 800 metros de extensão, a qual se encontrava ladeada por diversas casas de habitação, as quais pertenciam à localidade de ... e cujas vias de acesso permitem aceder à faixa de rodagem, não existindo em toda essa reta, qualquer passadeira para peões;
(xx) Se em vez do peão CC estivesse naquele local um qualquer outro obstáculo, ainda que devidamente sinalizado, o veículo de matrícula PL sempre iria...

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