Acórdão nº 3214/21.6T8FAR.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 2024-01-25

Ano2024
Número Acordão3214/21.6T8FAR.E1
ÓrgãoTribunal da Relação de Évora

P. 3214/21.6T8FAR.E1

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora

I. Relatório
AA instaurou contra A..., Unipessoal, Lda., ação declarativa emergente de contrato de trabalho, sob a forma de processo comum, pedindo a condenação da Ré a pagar-lhe:
a) A quantia de € 13.038,14, a título de diferenças salariais (devidas desde a admissão até julho de 2020), retribuição do mês de agosto de 2020 (retribuição base + subsídio de alimentação), retribuição de férias e subsídio de férias vencidos em 01-01-2020 e proporcionais de férias e subsídios de férias e de Natal referentes ao trabalho prestado em 2020.
b) Juros de mora sobre as quantias peticionadas, calculados á taxa legalmente aplicada às dividas civis (4%), desde a data de vencimento de cada uma das prestações em dívida até efetivo e integral pagamento.
Alegou, para o que ora releva, que foi admitido ao serviço da Ré em 1 de junho de 2018, para, por tempo indeterminado e com horário completo, exercer, sob a autoridade, direção e fiscalização daquela, as funções de Contabilista Certificado e Diretor Técnico, mediante retribuição. A relação laboral cessou em 31-08-2020, por denúncia do contrato por si apresentada. Ao longo da vigência do contrato de trabalho sempre auferiu a retribuição base mensal no valor de € 800, quando, de acordo com o CCT aplicável, deveria ter auferido a retribuição base mensal de € 1.060.
Realizada a audiência de partes, na mesma não foi possível obter solução conciliatória para o litígio.
A Ré contestou, alegando, com relevância para o que agora importa, que o Autor foi admitido para exercer as suas funções a tempo parcial, sendo o seu período normal de trabalho semanal de 20 horas, de segunda a sexta-feira. Na sequência, concluiu, o mesmo não tem direito a auferir a retribuição base mensal de € 1.060, que se mostra prevista para um trabalhador que preste trabalho a tempo inteiro (40 horas semanais).
A ação prosseguiu a tramitação que consta dos autos e que é do conhecimento das partes processuais.
Destaca-se que no “despacho saneador” o objeto do litígio foi assim identificado:
«Com o presente litígio visa-se saber se o A. em decorrência da realização de trabalho 40h semana tem direito às diferenças salariais que peticiona, bem assim à retribuição e subsídio de alimentação de agosto de 2020, à remuneração de férias e subsídio de férias vencidos em janeiro de 2020 e proporcionais de férias, subsídio de férias e de natal pelo trabalho prestado em 2020.».
E enunciaram-se os seguintes temas de prova:
«- horário normal de trabalho do A;
- dias trabalhados em julho e agosto de 2020;
- férias gozadas;
- pagamentos realizados pela R. a título de subsídio de férias;
- pagamentos realizados pela R. a título de férias vencidas em 01 de janeiro de 2020.»[2].
Em momento próprio, deu-se início à audiência final.
Depois de terem decorrido os debates previstos no n.º 3 do artigo 72.º do Código de Processo do Trabalho, a 1.ª instância proferiu o seguinte despacho, datado de 05-01-2023 (ref.ª ...21):
«Após estudo dos autos tendo em vista a prolação de sentença afigura-se-nos conveniente, antes de mais, chamar à colação o disposto no art.3º nº3 do Código de Processo Civil por força do qual “O Juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o principio do contraditório, não se lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem.”
No caso vertente peticiona o A., além do mais, diferenças retributivas alegando que, tendo sido admitido pela R. por contrato verbal e horário completo, recebeu apenas €800,00/mês (o acordado) quando devia ter recebido €1060,00 ( por força de tabela de CCT aplicável à relação). Contesta a R. alegando que o contratado e executado foram 20 horas semanais (e não as 40h subjacentes à alegação de horário completo).
Ora, não se olvidando que a omissão da forma escrita tem associada a consequência prevista no art.153º nº3 do Código de Trabalho, o supra mencionado pode conduzir a que se questione eventual existência de abuso de direito, instituto que constituindo exceção perentória é, no entanto, de conhecimento oficioso.
Assim, sem prejuízo do que a final se vier a decidir a tal respeito, por forma a que o Tribunal na sentença que proferirá esteja habilitado a equacionar todas as soluções plausíveis da questão de direito, sem surpresas para as partes, notifique as mesmas para, em dez dias, sobre tal questão, querendo, se pronunciarem.».
Ambas as partes ofereceram resposta.
Em 20-03-2023 foi proferida sentença, com o seguinte dispositivo:
«Em face do exposto julgo a ação parcialmente procedente e a reconvenção improcedente e, consequência:
a) condeno a R. A..., Unipessoal, Lda. a pagar ao A. AA a quantia de €1 466,67 (mil quatrocentos e sessenta e seis euros e sessenta e sete cêntimos), acrescida de juros de mora, à taxa legal atualmente de 4%, desde a data da cessação do contrato e até efetivo e integral pagamento;
b) absolvo a R. do demais peticionado;
c) absolvo o A. do pedido reconvencional.
d) Custas por A. e R. na proporção do respetivo decaimento (cfr. art.527º do CPC ex vi art.1º nº 2 al. a) do CPT).
e) Notifique e registe.».
-
Inconformado, veio o Autor interpor recurso da sentença, finalizando as suas alegações com as conclusões que, seguidamente, se transcrevem:
«A-) Discorda o Recorrente do tribunal a quo relativamente à sentença aqui recorrida que determinou “b) absolvo a R. do demais peticionado; (…)”;
B-) Entende o Recorrente que a decisão recorrida avaliou erradamente a prova documental produzida em audiência de julgamento, tendo ignorado documentos emitidos pela própria Ré que, conjugados com o depoimento gravado da única testemunha que poderia ter conhecimento efetivo e detalhado do horário praticado pelo Autor ao serviço da Ré, BB – funcionária a tempo inteiro da Ré, para além do Autor e do responsável de facto da Ré - o qual tem, por via disso, um interesse direto e evidente no desfecho final da presente causa – inquinando o juízo por ela efetuado quanto à matéria de facto referente ao período normal de trabalho efetuado pelo Autor;
C-) Não compreende o Autor como poderá o Tribunal Recorrido ter ignorado o teor da comunicação de admissão do Autor ao seu serviço efetuada pela Ré à Segurança Social junta aos Autos com a Petição Inicial, em que expressamente esta refere num documento oficial dirigido a uma Entidade Pública que este é admitido “Sem termo, Tempo Completo”, declaração essa que acabou confirmada pelo depoimento da testemunha BB no seu depoimento (a mins. 3.30 a 04.00), preferindo valorizar prova testemunhal circunstancial e que em nada colide com a o alegado por esta testemunha, pois nenhuma delas era visita habitual das instalações da Ré;
D-) Entende o Recorrente que, atento o acima exposto, deverá ser alterada matéria de facto provada que:
“3- Acordaram A. e R. que o referido em 2. seria realizado a tempo completo, de segunda a sexta feira.” (com base no teor da comunicação de admissão do Autor ao seu serviço efetuada pela Ré à Segurança Social, corroborada pelas declarações da testemunha BB, e declarações de parte do Autor);
“4- O A. realizava tais funções durante o dia, de manhã e à tarde.” (também com base no teor da comunicação de admissão do Autor ao seu serviço efetuada pela Ré à Segurança Social, corroborada pelas declarações da testemunha BB, e declarações de parte do Autor);
E-) Entende o ora Recorrente que face às supra referidas alterações à matéria de facto supra peticionadas, reforçadas pela presunção judicial constante do art. 153º, nº 3, do CTrabalho, deveria o Tribunal Recorrido condenado a Ré no pagamento ao Autor das diferenças salariais peticionadas por este nos presentes Autos, em sede de Petição Inicial, em cumprimento do disposto no CCT outorgado entre a APECA e o SinCESAHT (cfr. BTE n.º 45, de 08/12/2015), e respetivas e sucessivas alterações, atualizações, revisões e Portarias de Extensão no seu Anexo II;
F-) Defende o Recorrente, subsidiariamente, que o Tribunal Recorrido sempre deveria ter, desde logo, considerado que a presunção constante do disposto no art. 153º, nº 3, do CTrabalho é uma presunção iure et de iure e, como tal, inilidível, não admitindo prova em contrário, pelo que a deveria ter aplicado, condenando a Ré no pagamento ao Autor das diferenças salariais peticionadas por este nos presentes Autos, em sede de Petição Inicial, aplicando, consequentemente, o disposto no CCT outorgado entre a APECA e o SinCESAHT (cfr. BTE n.º 45, de 08/12/2015), e respetivas e sucessivas alterações, atualizações, revisões e Portarias de Extensão no seu Anexo II;
G-) Também entende o Recorrente que nunca poderia ser levantada qualquer eventual questão relativamente à violação dos ditames da boa fé por parte do Autor, nem em momento algum pôr-se a hipótese de haver lugar à hipótese de haver qualquer ação em Abuso de Direito por parte deste, uma vez que, salvo melhor opinião, a aplicação de tal figura jurídica é incompatível com a aplicação das presunções legais inilidíveis, prevalecendo a aplicação destas últimas sob pena de estas não terem qualquer razão de ser relativamente às que permitem prova em contrário, por poderem ser contornadas pelo recurso à figura jurídica do Abuso de Direito.
H-) Entende que, face ao acima exposto, ao decidir como decidiu, o Tribunal Recorrido fez uma errada avaliação da prova documental e gravada, e aplicação das regras de apreciação de prova, bem como uma errada aplicação do art. 334º do CCivil e, por via disso, acabou por omitir a aplicação, entre outras normas legais, nomeadamente do disposto no art. 153º, nº 3, do CTrabalho, e do Anexo II do CCT outorgado entre a APECA e o SinCESAHT (cfr. BTE n.º 45, de 08/12/2015).
Termos em que, atento
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