Acórdão nº 313/23.3T8LRA.C1 de Tribunal da Relação de Coimbra, 2023-12-13

Ano2023
Número Acordão313/23.3T8LRA.C1
ÓrgãoTribunal da Relação de Coimbra - (JUÍZO DE COMÉRCIO DE LEIRIA DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA)
Processo nº 313/23.3T8LRA.C1 – Apelação

Relator: Maria João Areias

1º Adjunto: Arlindo Oliveira

2º Adjunto: José Avelino Gonçalves

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

I – RELATÓRIO

AA, veio, ao abrigo do disposto no artigo 222.º-A, do CIRE, instaurar o presente Processo Especial para Acordo de Pagamento (PEPAP).

Apresentado pelo devedor um Acordo de Pagamento, vários credores vieram requerer a não homologação de tal acordo:

1. A credora comum A... DAC, com fundamento na discriminação dos credores comuns, pois para tais credores é proposto um perdão de 95%, enquanto para o credor garantido é aplicável um perdão de 50%, sendo o acordo em apreço omisso quanto às razões em que assenta a penalização dos credores comuns em cotejo com o credor garantido; mais alega ser extenso e desajustado o prazo para cumprimento do acordo, de 18 (dezoito) anos, e que «é de salientar a discriminação negativa de tratamento dos credores pela desproporcionalidade do plano proposto, com absoluto desrespeito pelos direitos dos credores comuns, pretendendo o devedor alcançar a sua recuperação às custas das desvantagens impostas aos credores comuns.»

2. A credora garantida B... S.T.C., S.A., com fundamento em que a sua situação ao abrigo do plano é menos favorável do que a que interviria na ausência de qualquer plano, pois este prevê apenas 50% do pagamento dos seus créditos em 216 prestações mensais e sucessivas, sendo que, para recuperação de tais créditos encontrava-se em curso um processo executivo, que foi suspenso em virtude dos presentes autos e que iria prosseguir para a fase de venda do imóvel hipotecado. Quer no processo executivo, quer em processo de insolvência, por via da concretização da venda, a credora hipotecária seria ressarcida do valor total do capital, ainda que sujeita a atualização de acordo com a última avaliação efetuada ao imóvel.

Por outro lado, estaremos perante uma flagrante situação de insolvência do devedor, sendo que plano apresentado não configura um verdadeiro acordo de pagamento, na medida em que, as condições propostas configuram simples libertação das obrigações dos requerentes contra o pagamento de apenas uma parte muito diminuta da dívida, diluída no tempo.

3. A credora comum C... – S.T.C., S.A., por no plano estar previsto para os créditos comuns um perdão de 95% do capital em dívida, o perdão total de juros e o pagamento em 216 prestações mensais.

Submetido tal plano a votação, com participação de 100% dos credores constantes da lista definitiva com direito a voto, obteve o voto favorável de uma credora representando 50,80 % dos credores com direito de voto e o voto contra dos restantes credores, ou seja, representativos de 49,20 % dos créditos.

Notificado dos pedidos de recusa de homologação do Acordo de pagamento, o devedor veio-se pronunciar no sentido de o mesmo não conter os apontados vícios, negando encontrar-se em situação de insolvência atual.

Pelo juiz a quo foi proferido o Despacho, de que agora se recorre, que, reconhecendo que o mesmo se mostra aprovado pela maioria legalmente necessária, recusa a homologação do Plano de revitalização, apresentado nos presentes autos pelo devedor, nos termos do artigo 222.º-F, nº 5, do CIRE.


*

Inconformado com tal decisão, o devedor requerente, BB, dela interpôs recurso de Apelação, concluindo a sua motivação com as seguintes conclusões:

1. A douta sentença viola o disposto nos artigos 47.º, n.º 4, 194.° a 197.º, 222.º-A e 222.º-B, todos do CIRE.

2. O acordo de pagamento não viola o princípio da igualdade.

3. O acordo de pagamento contém todas as diferenciações entre os credores objetivamente fundamentadas, justificando, assim, a diferença de tratamento entre as distintas classes de credores.

4. Foi assim apresentado por contemplar um plano de amortização das dívidas compatível com os rendimentos que o devedor estima obter, a curto e longo prazo, com a sua atividade profissional.

5. Só assim, o acordo de pagamento será exequível e permitirá o pagamento dos créditos a todos os credores.

6. O maior dos credores comuns, D..., Lda., com um crédito de € 568.988,16 votou favoravelmente o acordo de pagamento, o que evidencia a adequação e proporcionalidade do mesmo.

7. Não existindo esta diferenciação justificada e proporcional, a consequência é nefasta para todos os credores, podendo ver-se, o Apelante, perante uma situação de insolvência.

8. A filosofia do PEAP é, precisamente, evitar ou prevenir a insolvência com as consequências económicas e sociais daí advenientes.

9. O princípio da igualdade não impõe uma igualdade absoluta dos credores, procurando antes acautelar a necessidade de tratar de forma igual o que é igual e de forma distinta o que é diferente.

10. O princípio da igualdade de credores configurando-se como uma regra não negligenciável aplicável ao conteúdo do acordo de pagamento, admite algumas exceções.

11. Sendo permitida uma desigualdade de credores justificada por razões objetivas.

12. No caso dos autos existe um tratamento diferenciado de credores, mas existem razões objetivas para tal diferença de tratamento, como resulta do acima exposto.

13. Entre as razões objetivas que justificam a diferenciação dos credores, destaca-se a diferenciação entre créditos garantidos e privilegiados, créditos comuns e créditos subordinados, prevista no artigo 47.º do CIRE, decorrendo da lei, que em primeiro lugar é dado pagamento aos créditos com garantias ou privilégios creditórios, e o remanescente, se o houver, será distribuído pelos créditos comuns, conforme dispõem os artigos 174.° a 176.° do CIRE.

14. Nenhum credor estará melhor na liquidação do que na via do plano apresentado e aprovado e que deveria ter sido já homologado.

15. O Apelante não se encontra em situação de insolvência atual, estando antes numa situação económica difícil.

Termos em que deve ser revogada a douta sentença e, consequentemente, ser o Acordo de Pagamento homologado.!.


*

Pelo credor E..., S.T.C., S.A., foram apresentadas contra-alegações no sentido da improcedência do recurso.
Dispensados que foram os vistos legais, ao abrigo do disposto no nº4 do artigo 657º do CPC, cumpre decidir do objeto do recurso.
*
II – DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO
Tendo em consideração que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações de recurso, sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso – cfr., artigos 635º, e 639, do Novo Código de Processo Civil –, as questões a decidir são as seguintes:
1. Se existem razões objetivas para a diferenciação que no Acordo é feita entre os créditos comuns e o crédito hipotecário, não ocorrendo a violação do princípio da igualdade consagrado no artigo 194.º do CIRE.
2. Se o credor hipotecário está melhor na liquidação do que pela via do plano apresentado.
3. Se a Apelante não se encontra em situação de insolvência atual, mas tão só numa situação económica difícil.
III – APRECIAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO
Na apreciação das questões suscitadas na presente apelação, teremos por relevantes os seguintes factos reproduzidos na sentença recorrida:
1. Por requerimento apresentado em juízo a 23/01/2023, o aqui Devedor, apresentou-se a processo especial para acordo de pagamento.
2. Foi nomeado administrador judicial provisório, nos termos do disposto no art.222º-C, nº 4, do CIRE.
3. O Exmº Sr. Administrador Judicial Provisório juntou lista provisória de créditos, a qual foi publicada em 22/02/2023.
4. (…).
5. Em tal lista foram reconhecidos os seguintes créditos:
- D..., Lda., o crédito comum de € 568.988,16;
- Banco 1..., S.A., o crédito comum de € 9.634,90;
- A... DAC, o crédito subordinado de € 3,70 e o crédito comum de € 6.968,41, o que perfaz o montante total de € 6.972,11;
- B... STC, S.A., dois créditos garantidos no valor total de € 203.004,08;
- C... STC, S.A., dois créditos comuns no montante total de € 331.513,50,
No total global de € 1.120.112,75.
6. Por reqº de 31/05/2023 foi apresentado pelo Devedor o acordo/plano de pagamento.
7. (…).
8. O plano/acordo de pagamento foi aprovado pela maioria de votos exigidos para o efeito.
9. Do plano/acordo de pagamento apresentado pelo devedor, e cujo respetivo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, consta, para além do mais, o seguinte:
«(…)
III – CONTEÚDO DO PLANO DE RECUPERAÇÃO
(…)
Os credores do processo especial de acordo de pagamento registarão as seguintes alterações:
1 - Créditos Garantidos
B... Stc, SA
- Hipoteca Voluntária sobre Fração "Q", do prédio urbano sito na Urbanização ..., ..., Edifício ..., na cidade freguesia e concelho ..., descrito na ... CRP ... sob o número ...63 e inscrito na matriz predial urbana ...78.
Plano de Regularização: Pagamento de 50% da dívida em 216 prestações mensais, iguais e sucessivas, vencendo-se a primeira no último dia útil do mês seguinte àquele em que se verificar o trânsito em julgado da sentença de homologação do plano de recuperação, e perdão da dívida remanescente.
2 - Créditos Comuns
Plano de Regularização: Pagamento de 5% da dívida em 216 prestações mensais, iguais e sucessivas vencendo-se a primeira no último dia útil do mês seguinte ao do trânsito em julgado da sentença de homologação do plano de recuperação, e perdão da dívida remanescente.
3 - Créditos Subordinados
Plano de Regularização: Perdão da totalidade da dívida.
(…)
3.2.3- (…)
- Relação de Bens de que o Devedor é titular:
Bens Imóveis
1 - Prédio urbano, sito em ..., freguesia ..., ... e ..., concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o registo n.º ...63 e inscrito na respetiva matriz predial sob o artigo n.º ...92, com o valor patrimonial de € 88.294,85.
Este prédio está onerado com: duas hipotecas voluntárias constituídas a favor de B... STC, S.A.; uma penhora a favor do Banco 2..., S.A.; uma penhora a favor da Banco 1..., S.A; uma penhora a favor da Fazenda Nacional.
...

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