Acórdão nº 312/17.4IDSTB.L1-9 de Tribunal da Relação de Lisboa, 17-02-2022

Data de Julgamento17 Fevereiro 2022
Ano2022
Número Acordão312/17.4IDSTB.L1-9
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordaram, em conferência, os Juízes Desembargadores da 9ª secção criminal do Tribunal da Relação de Lisboa:

I- RELATÓRIO
I.1. O Ministério Público veio interpor recurso do despacho proferido pela Sra. Juíza em 29.06.2021 que determinou a remessa dos autos ao MP para sanação da irregularidade da falta de notificação da sociedade arguida do despacho de acusação.
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I.2. Recurso da decisão (conclusões que se transcrevem)
“1. Tendo a notificação do despacho de acusação sido enviada, por via postal simples, para a morada constante do TIR prestado pela sociedade arguida, e tendo a mesma sido devolvida com a menção “receptáculo avariado”, há que concluir que a arguida se encontra regularmente notificada.
2. Na verdade, tendo a sociedade arguida prestado TIR, tendo sido devidamente advertida das obrigações advenientes de tal, a notificação por via postal simples considera-se efectuada, ainda que a carta seja devolvida sem a nota de depósito, por inexistência de caixa de correio.
3. Pertencia à sociedade arguida a obrigação de, aquando da prestação do TIR, indicar uma morada para efeitos de notificação por via postal simples onde pudesse recepcionar as notificações expedidas pelo Tribunal, e de comunicar alterações de tal morada, tendo sido devidamente advertida das implicações daí decorrentes e constantes do artigo 196.°, n.° 3 do Código de Processo Penal.
4. Se a arguida indicou uma morada na qual não existe caixa de correio, ou na qual a caixa de correio em causa se encontra avariada, apenas a esta tal circunstância deverá onerar, considerando-se a mesma regularmente notificada, mormente, do despacho de acusação remetido por via postal simples, para a morada feita constar do TIR, pela arguida, para esse preciso efeito.
5. Assim sendo, consideramos que a sociedade arguida se encontra regularmente notificada da acusação proferida, já que a notificação em causa foi enviada para a morada do TIR, tendo a mesma vindo devolvida apenas por o receptáculo se encontrar “avariado”.
6. A tal não obsta, sequer, o facto de ter sido efectuada uma tentativa de notificação pessoal posterior.
7. Contudo, ainda que se entendesse que a notificação da acusação à sociedade arguida tinha sido omitida, tal omissão consubstanciaria apenas uma mera irregularidade que, por não afectar os direitos do arguido, não é de conhecimento oficioso e depende de arguição pelo interessado no prazo de 3 (três) dias – cfr. artigo 123.°, n.° 1 do Código de Processo Penal, pelo que estava vedado o seu conhecimento pela Mm.ª Juiz.
8. E, ainda que se considerasse que estamos perante uma irregularidade de conhecimento oficioso (cfr. artigo 123.º, n.º 2 do Código de Processo Penal), à Mm.ª Juiz estava vedado anular o despacho do Ministério Público que considerou regularmente notificada a sociedade arguida e ordenou a remessa dos autos à distribuição para julgamento.
9. Mais do que isso, estava-lhe igualmente vedado determinar a remessa/devolução dos autos ao Ministério Público para sanação da irregularidade que a própria conheceu.
10. Com efeito, a ordem da Mm.ª Juiz “a quo” tendo em vista reparação da mencionada irregularidade jamais poderá ser dirigida ao Ministério Público que, por ser uma magistratura autónoma, não está sujeita ao cumprimento de quaisquer ordens emanadas pela Mm.ª Juiz.
11. Assim, as diligências tendentes à reparação da irregularidade conhecida pela Mm.ª Juiz deverão ser realizadas pelos serviços do Juízo onde exerce funções, sendo ilegal e inconstitucional, por violar os princípios do acusatório e da autonomia do Ministério Público, a ordem para devolução dos autos ao Ministério Público com vista à reparação da irregularidade conhecida pela Mm.ª Juiz “a quo””.
Pugna pela revogação da decisão recorrida e a sua substituição por outra que receba a acusação deduzida pelo Ministério Público ou que determine a reparação da irregularidade da falta de notificação do despacho de acusação pela secretaria do Juízo Local Criminal do Seixal – Juiz 3.
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I.3. Sustentação do despacho recorrido
A Sra. Juíza a quo proferiu despacho de sustentação da sua decisão.
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I.4. Parecer do Ministério Público
Nesta Relação o Ministério Público acompanhou a argumentação constante na motivação do recurso interposto pelo Ministério junto do tribunal recorrido.
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I.5. Resposta
Foi cumprido o estabelecido no artigo 417º, n.º 2 do CPP, não tendo sido apresentada resposta ao parecer do Ministério Público.
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I.6. Foram colhidos os vistos e realizada a conferência.
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II. FUNDAMENTAÇÃO
II.1. Questões a decidir
Conforme jurisprudência constante e assente, é pelas conclusões apresentadas pelo recorrente que se delimita o objecto do recurso e os poderes de cognição do Tribunal Superior (cfr. Acórdão do STJ, de 15/04/2010, acessível em www.dgsi.pt: “Como decorre do artigo 412.º do CPP, é pelas conclusões extraídas pelo recorrente na motivação apresentada, em que resume as razões do pedido que se define o âmbito do recurso. É à luz das conclusões da motivação do recurso que este terá de apreciar-se, donde resulta que o essencial e o limite de todas as questões a apreciar e a decidir no recurso, estão contidos nas conclusões (…)”, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso a que alude o artigo 410º do Código de Processo Penal (conhecimento oficioso que resulta da jurisprudência fixada no Acórdão nº 7/95, do STJ, in DR, I Série-A, de 28/12/95).
Assim, face às conclusões extraídas pelo recorrente as questões a apreciar e decidir são as seguintes:
Saber se a sociedade arguida se encontra ou não regularmente notificada do despacho de acusação;
Subsidiariamente, no caso da falta de notificação do despacho de acusação, saber se essa irregularidade é do conhecimento oficioso;
3 Subsidiariamente, no caso de a falta de notificação do despacho de acusação ser do conhecimento oficioso, saber se os autos devem ou não ser remetidos ao M.P. para sanação dessa irregularidade.
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II.2. Decisão recorrida (que se transcreve integralmente)
“Compulsados atentamente os presentes autos, afigura-se-nos que não foi devidamente respeitado o disposto no artigo 283.°, n.° 5, do Código de Processo Penal, pois as diligências de notificação do despacho de acusação à sociedade arguida que se impunham legalmente efectuar não foram levadas a cabo.
Ora, é verdade que, após a prolação da acusação, foi remetida notificação da mesma à sociedade arguida por via postal simples com prova de depósito para a morada do termo de identidade e residência que tal pessoa colectiva prestou a fls. 296, conforme oficio de fls. 493, mas essa notificação realizada dessa forma não se efectivou, porquanto foi devolvida ao tribunal, com a indicação “receptáculo avariado” – cfr. fls. 495.
De acordo com o artigo 113.°, n.° 4, do Código de Processo Penal, não sendo possível o depósito da carta na caixa do correio, é lavrada nota do incidente e a mesma é enviada ao tribunal remetente mas o legislador não equiparou esse acto a notificação, até porque não mencionou expressamente, o que já fez no seu n.° 3.
Foi também tentada a notificação por contacto pessoal por referência à morada do termo de identidade e residência da sociedade arguida, que resultou infrutífera, conforme fls. 500, mas nem sequer se tentou fazer tal notificação por via pessoal para a morada do legal representante da sociedade arguida, conforme termo de identidade e residência que o mesmo prestou a fls. 290, nem se fez qualquer outra diligência, quando nos autos até consta indicação de que o legal representante da sociedade arguida foi alvo de atribuição de casa por parte da Câmara Municipal de Almada (informação policial entrada em 25-11-2020).
Ora, entre outros acórdãos, citamos o douto acórdão do Venerando Tribunal da Relação do Porto, de 23-11-2016
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