Acórdão nº 30856/16.9T8LSB.L1-1 de Tribunal da Relação de Lisboa, 2023-07-13

Ano2023
Número Acordão30856/16.9T8LSB.L1-1
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam neste colectivo da 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa:

I- RELATÓRIO

1- AL, instaurou acção declarativa, com processo comum, contra Seguros, SA, pedindo a condenação da ré a pagar-lhe:
A) Compensação de perda vencimentos em 139.500,00€;
B) As despesas liquidadas de 6.000,00€, bem como assistência de 3ª pessoa de 10.000.00€.
C) 200.000,00€ de indemnização por danos morais pelas dores físicas, angústia e perca de dignidade, passadas presentes e futuras
D) A suportar todos os danos patrimoniais futuros decorrentes do mesmo, indicando-se tratamentos médicos, perdas de vencimentos e despesas de assistência de 3ª pessoa, bem como despesas medicamentosas
E) Acrescidos dos correspondentes juros de mora, vencidos e vincendos, calculados à taxa legal, até efectivo e integral pagamento do devido.
Alegou, em síntese, ter sofrido danos que descreve e cuja indemnização peticiona, em consequência de acidente de viação, ocorrido a 08/05/2014, por culpa exclusiva de condutor de veículo segurado na ré que consistiu no atropelamento do autor quando circulava numa passadeira para peões, sendo projectado para 12 metros do local do embate.

2- Citada, a ré contestou.
Aceitou a versão do acidente apresentada pelo autor, mas impugnou os danos sofridos e montantes de indemnização peticionados.

3- Realizada a audiência final, com data de 27/02/2023 foi proferida sentença com o seguinte teor decisório:
IV. A Decisão
Pelo exposto, julgo a acção parcialmente procedente e, em consequência, condeno a Ré a pagar ao Autor a título de indemnização a quantia de 180.000,00 euros.
Absolvo a Ré do mais peticionado.”

4- Inconformada, a ré interpôs o presente recurso, formulando as seguintes CONCLUSÕES:
1) No caso sub judice não ficou provado que o défice funcional permanente do A. atingiu, de modo directo e imediato, a capacidade de ganho do lesado, tendo, ao contrário, resultado provado que o défice funcional de que ficou a padecer é compatível com a actividade profissional habitual, envolvendo, porém, esforços acrescidos. Neste sentido os pontos 44, 45 e 46 dos factos provados.
2) Em rigor, não se está aqui perante uma verdadeira perda da capacidade aquisitiva de ganho, mas antes o dano que a nossa jurisprudência vem tratando como dano biológico (enquanto diminuição funcional psicofísica).
3) Salvo melhor entendimento, andou mal o Tribunal a quo, ao concluir que o Autor ficou com a sua autonomia largamente diminuída, nomeadamente no tocante à execução das tarefas profissionais pela perda de capacidade de concentração, o que permite um juízo de prognose negativo quanto à sua capacidade de manutenção ou aumento do seu nível salarial, por não ter capacidade para responder a todos os desafios da sua profissão e para evoluir dentro da sua área de conhecimentos que requer constante actualização, salientando-se que não obstante as dificuldades de concentração, conforme decorre do relatório pericial de psiquiatria (referência 30976060, de 29.11.2021) e relatório pericial (referência 33676348, de 26.09.2022), a desvalorização atribuída neste âmbito, pelos peritos do INML, foi de 5 pontos (dos 19 pontos), enquadrados na Tabela Nacional de Incapacidades no âmbito dos Problemas cognitivos menores (Na0310).
4) Acresce que, de acordo com a factualidade também considerada provada, o Autor retomou o trabalho gradualmente a partir do final de 2014 (44), não se encontrando demonstrado que entre essa data e a data do julgamento (dezembro de 2022) a situação salarial do Autor tenha sofrido qualquer perda ou diminuição do seu nível salarial, nem existindo elementos que o levem a presumir para o futuro.
5) Conforme neste âmbito tem vindo a ser prática jurisprudencial, o cálculo da indemnização deverá assentar em juízos de equidade, sendo que o critério da equidade, de molde a respeitar o princípio da igualdade dos cidadãos perante a lei (art.º 13º da C.R.P. e 8º nº 3 do C.C.), deverá atender às decisões jurisprudenciais com as quais seja possível estabelecer um paralelismo.
6) Assim, e ressalvado o devido respeito que é muito, deveria o Tribunal a quo ter feito uma avaliação em função da equidade, tendo em consideração demais decisões jurisprudenciais, e ainda, os parâmetros previstos na sobredita Portaria n.º 377/2008.
7) Quanto a esta temática vejamos a seguinte jurisprudência:
- Acórdão do STJ de 29-10-2019, Proc. 7614/15.2T8GMR.G1.S1 - atribui-se ao lesado, com 34 anos, com um défice funcional de 16 pontos por força das lesões sofridas, sem rebate profissional mas com a subsequente sobrecarga de esforço no desempenho regular da sua atividade profissional (vendedor e empresário de materiais de construção civil e produtos agrícolas), o montante de €36.000,00, pelo dano patrimonial futuro.
- Acórdão do STJ de 07-03-2019, Proc. 203/14.0T2AVR.P1.S1, foi atribuído a uma lesada 35 anos na data do acidente e tendo ficado com uma IPG de 19 pontos, sem rebate profissional mas com a subsequente sobrecarga de esforço no desempenho regular da sua atividade profissional a indemnização por tal dano biológico em €40.000,00.
- Acórdão do STJ de 30-11-2021, Proc. 1544/16.8T8ALM.L1.S2, foi atribuído a um lesado 26 anos na data do acidente e tendo ficado com uma IPG de 19 pontos, sem rebate profissional mas com a subsequente sobrecarga de esforço no desempenho regular da sua atividade profissional a indemnização por tal dano biológico em €80.000,00.
- Acórdão do STJ de 21-01-2021, Proc. 6705/14.1T8LRS.L1.S1, foi atribuído à lesada, com 32 anos (com esperança média de vida 83), com um défice funcional
permanente da integridade físico-psíquica fixável em 27 pontos, sendo tais sequelas compatíveis com o exercício da sua actividade habitual mas implicam esforços suplementares; o montante de €90.000,00, pelo dano patrimonial futuro.
- Acórdão do STJ de 18-03-2021, Proc. 1337/18.8T8PDL.L1.S1, foi atribuído à lesada, com 50 anos, médica, que ficou afectada de uma incapacidade permanente parcial de 13 pontos, que, sendo compatível com o exercício da sua profissão habitual, todavia exige maiores esforços físicos, além de ter passado a sofrer de dor crónica e permanente no pé esquerdo, o montante de €45.000,00, pelo dano patrimonial futuro.
- Acórdão do TRL de 15-09-2022, Proc. 5986/18.6T8LRS.L1-2 “(…) V–Provando-se que a Autora, com 23 anos de idade, ficou afetada de um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 14,8 pontos, sendo as lesões sofridas e as sequelas que apresenta compatíveis com o exercício da atividade profissional habitual, mas implicando esforços suplementares, é equitativamente ajustado quantificar o dano biológico em 50.000€, fixando-se a respetiva parcela indemnizatória, face à aludida redução (25%), em 37.500€.”
- Acórdão do TRP de 28-04-2020, Proc. 3612/13.9TBVNG.P1, foi atribuído à lesada, com 29 anos, médica, que ficou afetada de um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 24 pontos, que, sendo compatível com o exercício da sua profissão habitual, todavia exige maiores esforços físicos, o montante de €65.000,00, pelo dano biológico.
- Acórdão do TRL de 09-06-2022, Proc. 10849/17.0T8SNT.L1-6, “(…) IV - Na comparação jurisprudencial orientada pelo artigo 8º nº 3 do Código Civil, é conforme a fixação de uma indemnização de quarenta mil euros a título de perda da capacidade de ganho a um lesado de 43 anos, que ficou com défice funcional de 15 pontos em 100 que apenas o obrigam a esforços suplementares na sua profissão habitual. (…)”.
8) Assim, e salvo melhor opinião, e o devido respeito, afigura-se que o Tribunal a quo afastou-se, de modo substancial e injustificado, dos critérios ou padrões que generalizadamente se entende deverem ser adoptados, numa jurisprudência evolutiva e actualística, abalando, em consequência, a segurança na aplicação do direito, decorrente da necessidade de adopção de critérios jurisprudenciais minimamente uniformizados e, em última análise, o princípio da igualdade.
9) Tanto mais que a própria sentença confirma que a esperança média de vida para um cidadão russo é inferior (72 anos) à dos cidadãos europeus a que correspondem os exemplos supra citados, sendo que os exemplos citados incidem, maioritariamente, sobre cidadãos mais novos que o Autor.
10) Pelo que, considerando as circunstâncias que se demonstraram provadas e os valores que têm vindo a ser arbitrados pela jurisprudência, afigura-se que o valor de €: 150.000,00 arbitrado ao A. a título de indemnização pelo défice funcional permanente é manifestamente excessivo e deverá ser em conformidade reduzido.
11) No que concerne à indemnização atribuída a título de danos não patrimoniais sofridos pelo A. em consequência do acidente, com todo o merecido respeito, igualmente se entende que a douta sentença peca por excesso.
12) Impondo-se o enquadramento à luz da jurisprudência e dos valores que neste âmbito têm sido atribuídos em situações semelhantes.
13) Quanto a esta temática vejamos a seguinte jurisprudência, disponível em www.dgsi.pt :
- Acórdão STJ de 14/12/2017, Processo 589/13.4TBFLG.P1.S1, que considerando que o lesado foi ser sujeito a diversas intervenções cirúrgicas; permaneceu diversos períodos internado; apresenta um dano estético de grau 3, o quantum doloris é fixável no grau 5 e a repercussão permanente nas actividades desportivas e de lazer é de grau 3 (em escalas crescentes até 7); antes do embate era uma pessoa autónoma, trabalhadora e bem-disposta e agora sente-se limitado, em termos pessoais e profissionais; sabe que o seu estado não melhorará e isola-se em casa, sentindo desgosto por não mais conseguir fazer caminhadas, jogar futebol e andar de bicicleta; aquando do internamento, e quando se encontrava manietado de pernas e mãos, nasceu o seu filho, sem que lhe pudesse pegar ao colo, teve por adequada a indemnização a título de danos não patrimoniais no valor de €30.000.
- Acórdão
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