Acórdão nº 7614/15.2T8GMR.G1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 29 de Outubro de 2019
Magistrado Responsável | HENRIQUE ARAÚJO |
Data da Resolução | 29 de Outubro de 2019 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
PROC. 7614/15.2T8GMR.G1.S1 REL. 103[1] * ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA I. RELATÓRIO AA intentou acção declarativa com processo comum contra “BB, S.A.”, pedindo a condenação da Ré a pagar-lhe a quantia de 505.711,99 €, acrescida de juros legais contados da citação.
Alegou para o efeito que o montante peticionado corresponde aos danos de natureza patrimonial e não patrimonial sofridos em consequência de acidente de viação que consistiu na colisão entre o veículo automóvel ligeiro segurado pela Ré e o motociclo conduzido pelo Autor, causado por culpa exclusiva de condutor do primeiro.
O “Instituto da Segurança Social, I.P. – Centro Distrital de ...” (fls. 86 e ss.) deduziu pedido de reembolso no valor de 423,36 €, a título de subsídio de doença pago ao Autor no período compreendido entre 18.02.2012 e 15.03.2012.
A Ré contestou (fls. 95 e ss.), defendendo-se por exceção e por impugnação.
Excecionou a prescrição do direito do Autor, por terem decorrido mais de três anos contados da data em que ocorreu o acidente até à data da propositura da ação.
Aceitou a dinâmica do acidente de viação descrita pelo Autor, mas impugnou os danos alegadamente sofridos por este.
O Autor respondeu à excepção de prescrição suscitada pela Ré (fls. 160 e ss.), invocando a aplicação, ao caso, do prazo mais longo, de cinco anos, porque os factos constituírem ilícito de natureza criminal.
Procedeu-se a audiência de discussão e julgamento e, seguidamente, foi proferida sentença na qual se julgou improcedente a matéria de excepção e se julgou parcialmente procedente a acção, condenando-se a Ré a pagar: - ao Autor, a quantia de 104.153,63 €, acrescida de juros à taxa legal contados desde a citação da Ré sobre o montante de 84.153,63 €, e contados desde a prolação da sentença sobre o montante de 20.000,00 €, em qualquer dos casos até efectivo e integral pagamento; - ao “Instituto da Segurança Social, I.P. – Centro Distrital de ...”, a quantia de 423,36 €.
Inconformado, o Autor interpôs recurso de apelação.
A Ré não contra-alegou, mas interpôs recurso subordinado.
Notificadas as partes, nomeadamente para, querendo, exercerem o direito previsto pela 2ª parte do n.º 2 do artigo 614º do CPC, nada disseram.
O Tribunal da Relação ... julgou parcialmente procedente a apelação do Autor e totalmente improcedente o recurso subordinado, “condenando a Ré a pagar ao Autor a quantia de 50.000 € a título de danos não patrimoniais e idêntica quantia de 50.000 € a título de danos futuros relacionados com a perda de capacidade de ganho, bem como a quantia de 2.530,14 € a título de lucros cessantes relacionados com a repercussão temporária profissional total, mantendo-se em tudo o mais a sentença recorrida (…)” – v. fls. 456.
Ainda inconformada, apresentou a Ré recurso de revista, cujas alegações terminam do seguinte modo: 1. Vem o presente recurso de revista interposto do douto acórdão proferido pelo Venerando Tribunal da Relação que julgou a apelação do A. parcialmente procedente e a apelação da R. totalmente improcedente, e condenou a R. Seguradora a pagar ao A., a quantia de € 50.000,00, a título de danos não patrimoniais e idêntica quantia de € 50.000,00 a título de danos futuros relacionados com a perda da capacidade de ganho, bem como a quantia de € 2.530,41, a título de lucros cessantes relacionados com a repercussão temporária profissional total, mantendo-se em tudo o mais a sentença recorrida (com a rectificação operada pela primeira instância).
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Salvo o devido respeito por melhor opinião, é entendimento da R. Seguradora, aqui recorrente, que o douto acórdão proferido não faz uma correcta subsunção jurídica dos factos, com a consequente desapropriada aplicação do direito, no que concretamente diz respeito à fixação dos montantes indemnizatórios fixados em sede de danos não patrimoniais e em sede de danos futuros decorrentes da perda da capacidade de ganho, por se reputarem excessivos e em desacordo com os critérios actualmente seguidos pela nossa Douta Jurisprudência.
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Em suma, as questões que se submete a Douta sindicância deste Supremo Tribunal de Justiça, são as seguintes: A. Aferir da adequação do critério e montante em termos de fixação da indemnização para ressarcimento dos danos não patrimoniais B. Aferir da adequação do critério e montante em termos de fixação de dano patrimonial futuro, referente a perda da capacidade de ganho.
I – DA INDEMNIZAÇÃO FIXADA A TÍTULO DE DANO PATRIMONIAL FUTURO (PERDA DA CAPACIDADE DE GANHO) 4. Verifica-se assim, e sempre com o merecido respeito por opinião diversa, que na fixação do valor indemnizatório a título de dano patrimonial futuro decorrente da perda da capacidade de ganho, ambas as instâncias não só divergiram quanto ao valor, mas também quanto ao próprio critério a ter em linha de conta para a sua quantificação.
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Considera, porém, a Seguradora Recorrente, e sempre com o máximo respeito por entendimento diverso, que o montante indemnizatório arbitrado agora no acórdão recorrido – Euro 50.000,00 – se mostra excessivo e, por isso, desadequado aos concretos danos que pretende ressarcir.
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Não se concordando igualmente com os critérios seguidos pelo acórdão aqui recorrido, os quais não estão em consonância com aqueles que vêm sendo ditados pela Jurisprudência.
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A indemnização a título de dano patrimonial deverá, antes de mais, obedecer ao disposto no art.º 562º e ss do Cód. Civil.
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A dificuldade na sua determinação concreta acha-se no facto de se tratarem de danos futuros, razão pela qual não há um entendimento uniforme junto da nossa doutrina e jurisprudência.
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Refere-se, contudo, no douto Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 05/07/2007, in www.dgsi.pt: ”Tal vai traduzir-se na perda efectiva de rendimentos resultante da diminuição da capacidade para os angariar. Esse corte no orçamento pessoal não pode transformar-se numa quantia correspondente à mensalmente perdida multiplicada pelo número de anos de vida (activa) do lesado. Tal seria irrealista já que a quantia encontrada iria assegurar a percepção de um rendimento muitíssimo superior ao efectivamente perdido.
É muito diferente receber uma quantia mensal do que receber um quantum total, pois este traduz-se numa antecipação de rendimentos que só seriam acumulados ao fim de anos. Ora, somando o juro que seria susceptível de produzir, o capital poderia exceder em muito o dano efectivo”.
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Ainda, nesta esteira, pronunciou-se esse mesmo Venerando Tribunal, no Douto Acórdão de 07/10/2004, mencionando: “Devem, pois, utilizar-se juízos lógicos de probabilidade ou de verosimilhança, segundo o princípio id quod plerumque accidit com a equidade a impor a correcção, em regra por defeito dos valores resultantes de cálculo baseado nas referidas fórmulas de cariz instrumental.
No fundo, a indemnização por dano patrimonial futuro deve corresponder á quantificação da vantagem que, segundo o curso normal das coisas ou de harmonia com as circunstâncias especiais do caso, o lesado teria obtido não fora a acção ou omissão lesiva em causa” 11. Estes juízos lógicos de probabilidade carecem de ser temperados com critérios objectivos e, citando o Prof. ANTUNES VARELA, “a gravidade do dano há- -de medir-se por um padrão objectivo (conquanto a apreciação deva ter em linha de conta as circunstâncias de cada caso) e não à luz de factores subjectivos (de uma sensibilidade particularmente embotada ou especialmente requintada).
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E ponderando vários factores, tais como, o grau de incapacidade, a idade da vítima, o tempo provável da sua vida, a natureza do trabalho, a variação dos rendimentos, a possibilidade de progressão na carreira, a desvalorização da moeda em função da inflação, aliando-os a uma correcção de acordo com a equidade, está a Seguradora em crer que, salvo o devido respeito por diversa opinião, o montante indemnizatório arbitrado no douto acórdão recorrido mostra-se exagerado face ao efectivo dano gerado na esfera jurídica do lesado, sendo mesmo susceptível de lhe gerar um efectivo rendimento que o mesmo jamais viria a obter caso não se tivesse dado o acidente.
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A Seguradora Recorrente permite-se citar a observação contida no Douto Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 03/11/2011, e que parece pertinente para o caso em apreço: “Perante os dados recentes que prevalecem na economia nacional, europeia e mundial, e que colocam o cálculo previsional em patamares de incerteza quase absoluta, todos os parâmetros que apontavam para o progresso da economia e para melhores níveis de progresso e bem-estar ficaram abalados, o que não pode deixar de se repercutir nos critérios indemnizatórios que até hoje têm prevalecido entre nós”.
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Não pode a Seguradora Recorrente olvidar que a indemnização pelo dano patrimonial, na vertente de perda aquisitiva de ganho, deve corresponder à quantificação da vantagem que, segundo o curso normal das coisas ou de harmonia com as circunstâncias especiais do caso, o lesado teria obtido não fora o evento lesivo.
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Sendo que, no caso em apreço, e coligida a factualidade que resultou provada nos presentes autos, o que se verifica é que o défice funcional de 16 pontos de que o lesado ficou a padecer por virtude do acidente, sendo significativo, não tem um qualquer específico e permanente rebate profissional, apenas implicando esforços acrescidos.
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Ou seja, a incapacidade em causa não determina uma efectiva e concreta perda de proventos laborais.
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Isto porque, não deixou o lesado de auferir o rendimento que auferia antes do evento danoso, exercendo as mesmas funções profissionais que até então vinha desempenhando.
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Ou seja, em rigor, não se está aqui perante uma verdadeira perda da capacidade aquisitiva de ganho, mas antes o dano que a nossa jurisprudência vem tratando como dano biológico (enquanto diminuição funcional psicofísica).
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Qualificação esta que não pode deixar de ser tida em linha de conta para a fixação do montante indemnizatório aqui em análise.
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Note-se que o valor de Euro 50.000,00 agora...
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