Acórdão nº 3084/19.4T8VLG.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 2022-06-08

Ano2022
Número Acordão3084/19.4T8VLG.P1
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto
Proc. nº 3084/19.4 T8VLG.P1
Comarca do Porto – Juízo Local Cível de Valongo – Juiz 2
Apelação
Recorrente: AA (na qualidade de cabeça-de-casal da Herança de BB)
Relator: Eduardo Rodrigues Pires
Adjuntos: Desembargadores Márcia Portela e João Ramos Lopes


Acordam na secção cível do Tribunal da Relação do Porto:


RELATÓRIO
A autora Herança de BB, representada pelo Cabeça-de-Casal AA, com domicílio fiscal na Av. do ..., ..., Maia, intentou a presente ação de processo comum (despejo), contra os réus CC, residente na Rua ..., ..., ..., Valongo, DD, residente na Rua ..., ..., ..., Valongo, e EE, com residência na Rua ..., ..., Valongo, pedindo a resolução do contrato de arrendamento celebrado com o 1º réu, bem como a restituição do imóvel e a condenação dos réus no pagamento das rendas vencidas, no valor de 11.050,00€, bem como das que se vencerem no decurso da ação.
Alegou para tanto que celebrou com o 1º réu, casado com a 2ª ré, um contrato de arrendamento para habitação, tendo por objeto o imóvel identificado na petição inicial e a renda mensal de 250,00€, assumindo a 3ª ré a qualidade de fiadora.
Citados os réus, contestou a 2ª ré para alegar a sua ilegitimidade processual, por não ter intervindo no contrato, tanto mais que à data da celebração do mesmo se encontrava separada de facto do 1º réu.
Contestou o 1º réu para invocar o uso indevido do processo, uma vez que a autora poderia lançar mão do procedimento especial de despejo, bem como para alegar que procedeu a pagamento das rendas em dinheiro por assim lhe ter sido solicitado pelo cabeça-de-casal, sendo que, relativamente ao ano de 2019, acordou com este que realizaria obras no imóvel, que delas carecia, compensando a renda. Assim, tendo despendido 3.000,00€ nas obras compensou com as rendas do ano de 2019.
A autora respondeu às exceções e alegou a litigância de má-fé dos réus contestantes.
Concedido o contraditório, estes nada disseram.
No decurso da ação, a autora veio comunicar ter já sido entregue o imóvel, tendo também sido junta certidão da sentença que declarou a insolvência do réu CC.
Foi depois proferido despacho saneador no qual em relação aos pedidos de pedido de resolução e desocupação, foi julgada extinta a instância por inutilidade superveniente da lide.
Seguidamente julgou-se improcedente a exceção dilatória de ilegitimidade da ré DD e dispensou-se a realização de audiência prévia, tal como se dispensou a identificação do objeto do litígio e enunciação dos temas da prova.
Realizou-se audiência de julgamento, sendo que no decurso desta foi junta ao processo certidão da sentença que declarou a insolvência do réu CC, tal como foi dada à autora a possibilidade de se pronunciar quanto à eventual verificação da exceção dilatória de falta de personalidade judiciária da herança, devendo também pronunciar-se sobre se a mesma se encontra jacente ou já foi aceite.
A autora, através da sua ilustre mandatária, em requerimento oral pediu que se considerasse que a ação foi proposta pelo cabeça-de-casal em representação da Herança de BB.
Após proferiu-se sentença que julgou extinta a instância por inutilidade superveniente da lide relativamente ao réu CC e no tocante ao demais decidiu que à autora (Herança de BB) falta personalidade judiciária o que, constituindo exceção dilatória, determinou a absolvição da instância em relação aos réus.
Foi interposto recurso desta sentença por AA, na qualidade de cabeça-de-casal da Herança de BB, que afirma ter-se identificado erradamente como Herança de BB, representada pelo cabeça-de-casal AA.
Foram formuladas as seguintes conclusões:
1. O recorrente não se conforma com a douta sentença proferida nos presentes autos que considerou que o mesmo não beneficia de personalidade judiciária e absolveu as rés da instância, por entender que ocorreu errada aplicação do Direito, conforme se explanará.
I – Da decisão já transitada em julgado:
2. Entendeu o Tribunal a quo na douta sentença recorrida que “subsiste por apreciar a exceção dilatória de falta de personalidade judiciária da autora, de conhecimento oficioso e que não foi concretamente apreciada no despacho saneador proferido”, decidindo que “esta autora (Herança) não beneficia de personalidade judiciária, exceção que é insanável”.
3. Não obstante, salvo melhor opinião, tal questão já havia sido decidida no despacho saneador proferido nos presentes autos, pois determinou-se no mesmo que “As partes, dotadas de personalidade e capacidade judiciária, são legítimas”.
4. Tal decisão proferida no despacho saneador não foi objeto de recurso, tendo transitado em julgado.
5. Como tal, nos termos dos números 1 e 3 artigo 595.º do Código de Processo Civil, esta decisão proferida no despacho saneador constitui caso julgado formal.
6. Pelo que, tendo o Tribunal a quo decidido que o Autor era parte legítima na presente ação, encontrando-se dotado de personalidade e capacidade judiciária, não pode agora proferir nova decisão sobre o mesmo assunto.
7. Desta forma, deve ser revogada a decisão proferida na douta sentença recorrida, mantendo-se a decisão proferida no despacho saneador, que considerou o Autor como parte legítima na presente ação.
Sem prescindir,
II – Da decisão sobre a personalidade judiciária do autor:
- da correção de lapso de escrita:
8. O Autor, notificado para se pronunciar sobre a exceção dilatória em causa nos presentes autos, veio requerer fosse considerado ter sido a ação interposta pelo cabeça de casal.
9. Conforme resulta dos presentes autos, a procuração junta aos mesmos a favor da signatária foi outorgada por “AA, contribuinte número ..., residente na Avenida ..., ..., Maia, na qualidade de cabeça de casal da herança de BB, contribuinte n.º ...”.
10. Igualmente, o contrato de arrendamento em causa nos presentes autos foi subscrito por tal cabeça de casal.
11. Tendo-se verificado, no entanto, lapso na indicação do Autor, aquando da apresentação da Petição Inicial, pois pretendia-se indicar “AA, contribuinte número ..., residente na Avenida ..., ..., Maia, na qualidade de cabeça de casal da herança de BB, contribuinte n.º ...” e não “HERANÇA DE BB, contribuinte número ..., representada pelo CABEÇA DE CASAL AA, com domicílio fiscal na Avenida ..., ..., ..., Maia”.
12. Nos termos do disposto nos artigos 249.º do Código Civil e 146.º do Código de Processo Civil o Tribunal a quo deveria ter permitido a retificação do erro de escrita, o qual foi revelado no próprio contexto da declaração ou através das circunstâncias em que a declaração é feita e é sanável a todo o tempo.
13. Sendo certo que a falta não ficou a dever-se a dolo ou culpa grave e o suprimento ou a correção não implicava prejuízo relevante para o regular andamento da causa.
14. Entende o recorrente que deverá aceitar-se a correcção de lapso de escrita, identificando-se o Autor como AA, contribuinte número ..., residente na Avenida ..., ..., Maia, na qualidade de cabeça de casal da herança de BB, contribuinte n.º ....
15. Não se pretendeu, nos termos do artigo 12.º do Código de Processo Civil, a extensão da personalidade judiciária à Herança representada pelo mesmo.
Sempre sem prescindir,
- do cabeça de casal que figura como Autor:
16. Não obstante, sempre se deveria considerar, atendendo à filosofia subjacente ao nosso Código de Processo Civil (da prevalência do fundo sobre a forma e o aproveitamento dos atos processuais), que quem interpôs a presente ação, nela figurando como Autor, foi o cabeça de casal.
17. Na verdade, AA, cabeça de casal da herança de BB, tem poderes para instaurar a presente ação.
18. A jurisprudência dos nossos tribunais superiores, atendendo aos princípios do nosso ordenamento jurídico de prevalência do fundo sobre a forma, do aproveitamento dos atos processuais e da verdade material, tem entendido que não se deve pugnar pela absolvição da instância por falta de personalidade judiciária da herança.
19. A herança encontra-se representada pelo cabeça-de-casal e deveremos considerar que o Autor não é a herança, mas sim o respetivo cabeça de casal.
20. Assim, deverá revoga-se a decisão recorrida, que absolveu as rés da instância por falta de personalidade judiciária, considerando-se, pelas invocadas razões, que o Autor é o cabeça de casal da herança e que, como tal, tem personalidade jurídica e judiciária.
Pretende assim que seja dado provimento ao recurso interposto.
Não foram apresentadas contra-alegações.
O recurso foi admitido como apelação, com subida imediata, nos próprios autos e efeito meramente devolutivo.
Cumpre então
...

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