Acórdão nº 308/22.4T8LAG.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 2023-11-23

Ano2023
Número Acordão308/22.4T8LAG.E1
ÓrgãoTribunal da Relação de Évora

Acórdão da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora
I – Relatório
1. ... intentou no Tribunal Judicial da Comarca de Faro acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra Memórias Exímias, Lda., (1.ª Ré), e Victoria Seguros, S.A., (2.ª Ré), pedindo a condenação de ambas as Rés no pagamento à Autora, a título de indemnização:
I) Da quantia de € 35.789,62, acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4%, contados desde a data da citação até integral cumprimento; e
II) Da quantia que se vier a liquidar em execução de sentença, referente aos valores que a Autora tiver de despender em eventuais intervenções médicas que sejam necessárias em virtude do sinistro sofrido, bem como ao dano biológico que se venha a apurar.

2. Para tanto, e em síntese, alegou que, no dia 26.07.2019, no decurso de uma viagem de barco proporcionada pela 1.ª Ré – proprietária da dita embarcação e que é uma empresa operadora marítimo turística que promove e efectua passeios de barco para observação da vida marinha ao largo da costa algarvia –, sofreu os danos patrimoniais e morais melhor descritos no respectivo articulado inicial, fruto da actuação (pelo menos) negligente da 1.ª Ré, designadamente, da tripulação do referido barco.
Mais alegou que, à data, através da apólice n.º ...34, a 1.ª Ré havia transferido para a 2.ª Ré a responsabilidade civil pelos danos - nomeadamente, causados a terceiros -, resultantes da utilização da sobredita embarcação de que é proprietária e que foi empregue no já mencionado transporte da Autora.

3. Regularmente citada, a 1.ª Ré veio apresentar contestação, na qual se defendeu por impugnação e por excepção, invocando a sua ilegitimidade para os termos da presente acção, alegando que, na data aprazada, quem proporcionou à Autora a sobredita viagem de barco foi a sociedade Wildwatch Algarve, à qual a 1.ª Ré havia cedido a utilização da dita embarcação e da respectiva tripulação entre os dias 23 e 26.07.2019, inclusive.
Por seu turno, a 2.ª Ré, contestando os termos da presente demanda, para além de se defender por impugnação, excepcionou a incompetência material do tribunal, invocando que a Autora exige o cumprimento de obrigações alegadamente resultantes do contrato de seguro (marítimo) titulado pela já mencionada apólice n.º ...34, concluindo ser materialmente competente para tramitar o presente litígio o Tribunal Marítimo de Lisboa, que tem competência territorial alargada ao território nacional.

4. A Autora respondeu às excepções invocadas pelas Rés nos seus articulados, nos termos e com os fundamentos que constam do requerimento com a ref.ª citius 10515344, no qual peticionou, ainda, que fosse admitida a intervenção principal da sociedade Wildwatch Algarve, aproveitando-se, para o efeito, o incidente de intervenção acessória deduzido pela 1.ª Ré.

5. Ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 591.º, n.º 1, alínea d), 593.º, n.º 2, alínea a) e 595.º, n.º 1, alínea a), todos do Código de Processo Civil, dispensou-se a realização de audiência prévia, após o que se conheceu da invocada excepção de incompetência do Tribunal em razão da matéria, decidindo-se:
«…, julga-se procedente a excepção de incompetência absoluta em razão da matéria do Juízo de Competência Genérica de Lagos para a apreciação do presente litígio e, em consequência, absolvem-se as Rés da instância (ficando, naturalmente, prejudicado o conhecimento das demais questões/excepções invocadas).»

6. Inconformada com esta decisão veio a A. interpor o presente recurso, o qual motivou, concluindo do seguinte modo:
1.ª A única questão colocada à consideração deste Tribunal resume-se a saber qual o tribunal competente em razão da matéria nos presentes autos: o Tribunal Judicial ou o Tribunal Marítimo.
2.ª O Tribunal Marítimo é um Tribunal especializado em questões que envolvam conhecimento técnico sobre sortes de mar, direito ambiental marítimo, achados, recurso das decisões do capitão do porto, contratos de direito comercial marítimo, seguros que envolvam navios, responsabilidade civil envolvendo barcos e navios, etc., com capacidade de julgamento e de decisão quanto a matérias que extravasam o direito genérico e comum.
3.ª Os Tribunais Judiciais, por sua vez, são os Tribunais comuns em matéria cível e criminal, sendo nestes que se resolvem os conflitos atinentes à vida do dia a dia dos cidadãos, independentemente da sua competência ser genérica ou especializada.
4.ª De acordo com o art. 64 do Código de Processo Civil, "São da competência dos tribunais judiciais as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional." Define-se aqui a competência dos tribunais em razão da matéria, igualmente definida no art. 40 da LOSJ - Lei 6212013, de 26 de Agosto. A mesma Lei determina a competência dos Tribunais especializados, nomeadamente e no que ao presente caso releva a do Tribunal Marítimo, no seu art. 113.°.
5.ª A Sentença que se recorre considera que, face às als. a), c) e D, do artigo 113, acima transcrito, é ao Tribunal Marítimo que compete apreciar e dirimir o conflito dos presentes autos, pois entende que o que aqui está causa é o pedido de uma indemnização por danos causados por um navio ou embarcação em resultado da sua utilização marítima, no decurso de um transporte marítimo e estando em causa um seguro marítimo.
Mas não é assim.
6.ª Tal como defendeu a Recorrente nos autos, em primeiro lugar não estamos aqui em face de uma indemnização pedida por danos causados por uma embarcação, ou resultante da utilização marítima de uma embarcação tout court, ainda que tal, prima fade, possa parecer. O que está em causa nos autos é a existência e determinação de prejuízos causados em virtude de uma determinada acção humana - a condução - que teve como consequência directa, imediata e causal a produção de danos em terceiros, concretamente na aqui A.
7.ª Trata-se aqui de uma simples questão de responsabilidade civil - contratual e extracontratual - enquadrável, como tal, no art. 483 do Código Civil e para a qual não são necessários quaisquer
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