Acórdão nº 3061/22.8T8STS.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 2023-11-15

Data de Julgamento15 Novembro 2023
Número Acordão3061/22.8T8STS.P1
Ano2023
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto
RECURSO PENAL n.º 3061/22.8T8STS.P1
2ª Secção Criminal

Conferência


Relatora: Maria Deolinda Dionísio
Adjuntos: Horácio Pinto
Maria Dolores Sousa


Comarca: Porto
Tribunal: Santo Tirso/Juízo Local Criminal-J1
Processo: Recurso de Contra-Ordenação n.º 3061/22.8T8STS


Arguida/Recorrente:
“A..., S.A.”




Acordam os Juízes, em conferência, no Tribunal da Relação do Porto:

I – RELATÓRIO
a) No âmbito do Processo de Contra-Ordenação n.º ...7, da Inspecção-Geral da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do Território (IGAMAOT), por decisão administrativa proferida a 13 de Maio de 2022, foi a arguida “A..., S.A.”, com os demais sinais dos autos, condenada pela prática de uma contra-ordenação ambiental grave (incumprimento da obrigação de assegurar que a exploração é efectuada de acordo com as obrigações estabelecidas no art. 7º, n.º 1, do Dec. Lei n.º 127/2013, de 30/08), prevista e punível pelos arts. 7º, n.º 1 e 111º, n.º 2, al. a), do citado diploma legal, e art. 22º, n.º 3, al. b), da Lei-Quadro das Contra-Ordenações Ambientais (LQCA), na coima de €12.000,00 (doze mil euros).
b) Discordando, a arguida impugnou judicialmente tal decisão da autoridade administrativa vendo a sua pretensão atendida, com a revogação da decisão administrativa e absolvição da contra-ordenação imputada, por decisão proferida e devidamente depositada a 13 de Julho de 2023.
c) Inconformado, o Ministério Público interpôs recurso para este Tribunal da Relação do Porto visando a revogação da decisão e consequente condenação da arguida, com os fundamentos que resumiu nas conclusões seguintes: (transcrição sem destaques/sublinhados)
I
A arguida A..., S.A. foi condenada no Pº de Contraordenação nº CO/000674/17, que correu termos na IGAMAOT, numa coima no montante de € 12.000 pela prática de uma contraordenação ao disposto no artigo 7º, nº 1 e 111º, nº 2 al. a) do DL 127/2013, de 30 de Agosto e22º nº 3 al b) da Lei 50/2006 de 29 de Agosto, bem como ao pagamento das respetivas custas.
II
Naquele Processo de Contraordenação, a Autoridade Administrativa entendeu que a arguida não cumpriu o disposto no D.L. 127/2013 de 30 Agosto, designadamente “as condições de licenciamento especificamente estabelecidas” (art. 7º, nº 1 al. a) do referido Decreto Lei) incumprimento esse que configura uma contraordenação ambiental grave, nos termos do artigo 111º, nº 2, al. a) do mesmo diploma legal.
III
Com efeito no dia 23.5.2016 ocorreu um incêndio nas instalações da arguida, em que intervieram três corporações de bombeiros, sendo que a arguida não cumpriu uma obrigação decorrente da sua licença ambiental, nomeadamente, não ter desencadeado os procedimentos instituídos para situações de emergência ou acidentes graves, e, sobretudo não ter comunicado à APA, IP a ocorrência de um acidente grave (incêndio) ocorrido nas suas instalações, no dia 23.05.2016,
IV
Com efeito, conclui a Autoridade Administrativa que
A infração em causa prende-se com o não cumprimento do estabelecido na Licença Ambiental nº 546/1.0/2015, de que a arguida é titular, concretamente a constante no ponto 4. Acidentes e Emergências, que prevê que caso ocorra um acidente incidente ou incumprimento da licença deve a empresa (leia-se, a Arguida) providenciar os meios adequados para fazer face à ocorrência e informar a APA.
E acrescenta,
Ao contrário do alegado, tal dispositivo não coloca na disponibilidade da arguida a opção de comunicar, ou não, a ocorrência de acidente ou incidente, esta é uma obrigação – dever – que recai sobre o operador titular da licença ambiental.
V
Com efeito, e ainda na fase administrativa daquele processo, a arguida alegou que a Licença Ambiental lhe não impunha qualquer obrigação de comunicação daquele acidente à Autoridade Administrativa, designadamente à APA, IP, pois o acidente em causa não foi grave.
VI
Por isso, na sua decisão, a autoridade administrativa enfatiza que
Ao contrário do alegado, tal dispositivo não coloca na disponibilidade da arguida a opção de comunicar, ou não, a ocorrência de acidente ou incidente, esta é uma obrigação – dever – que recai sobre o operador titular da licença ambiental.
VII
A sentença ora em recurso considera, igualmente, que a arguida cumpriu a respetiva Licença Ambiental, não cometendo qualquer contraordenação, pois a obrigação de comunicação por parte da mesma circunscreve-se a situações em que o acidente ou incidente em causa seja grave.
VIII
Neste caso concreto, entendeu o Tribunal “a quo” que o acidente não foi grave, pois não provocou um impacto ambiental significativo.
E acrescenta, na respetiva sentença
Da prova produzida não ficou demonstrado que o incêndio ocorrido tenha incidido sobre a chaminé ou que tenha ocorrido uma forte e descontrolada emissão de efluentes gasosos. (…)
Pelo contrário, apurou-se que o incêndio teve uma reduzida expressão estando confinado à câmara de filtragem para cuja extinção nem sequer seria necessário o recurso a bombeiros.
IX
E embora reconheça nos pontos nºs 5 e 10 da matéria dada como provada que a Câmara de Filtragem de Resíduos, das instalações fabris da arguida, tenha ficado inoperacional na sequência daquele incêndio, a ponto da laboração da fábrica ter sido de imediato suspensa só sendo retomada depois da reparação daquele equipamento (ver ponto V. Do Direito, na sentença sob recurso) entende o Tribunal a quo” que o acidente não foi grave unicamente por não haver registo de qualquer dano ambiental.
X
Por essa razão, não se evidencia qualquer incumprimento das condições determinadas na Licença Ambiental, pelo que o Tribunal “a quo” concluiu não se verificar qualquer contraordenação e, consequentemente, revogou a decisão administrativa, absolvendo a arguida da contraordenação em que tinha sido condenada anteriormente, pela autoridade administrativa.
XI
Todavia, a gravidade deste acidente – o incêndio ocorrido no dia 23.05.2016 – não se afere unicamente pelo impacto ambiental direto do mesmo - esta é uma leitura particularmente simplista e linear que se não coaduna nem com o espírito nem com o escopo da lei.
XII
Salvo melhor opinião, o Tribunal “a quo” não contextualizou corretamente os factos, nem a sus subsunção à lei.
XIII
Neste caso concreto, neste contexto específico, a importância e gravidade deste incêndio não se revelava a nível de poluição que gerou mas sim nas consequências que teve no que diz respeito à operacionalidade de todo o equipamento de prevenção e mitigação de poluentes atmosféricos, cuja fiscalização e monitorização se encontra sob a tutela da APA, IP.
Por isso se impunha a comunicação do acidente àquela agência.
XIV
Com efeito,
Para a APA, IP de nada importa a existência ou não, em concreto, de fluxos poluentes resultantes do acidente em causa.
Conforme refere a Licença Ambiental, no seu ponto nº 4, em face desta situação a arguida deverá alertar as autoridades competentes – os bombeiros, a proteção civil, as autoridades médico sanitárias, enfim, as “autoridades adequadas”.
Mas deverá igualmente notificar a APA, IP no prazo de 48 horas
O que não fez.
XV
Com efeito, o assunto em causa – o colapso do equipamento técnico de prevenção ou de mitigação de fluxos poluentes emitidos para atmosfera, e que confessadamente ocorreu, é uma questão que diz directamente respeito à APA, IP – pois é esta agência que tem a seu cargo a monitorização e vigilância destes equipamentos.
XVI
Tendo o referido incêndio comprometido a operacionalidade dos equipamento de filtragem, como o reconhece a sentença em causa quando refere que o acidente (incêndio) ocorreu na câmara de filtragem, carbonizando e inutilizando os respetivos filtros, então esta incidente ou acidente, foi relevante, no que à ação da APA, IP diz respeito: por isso não podia deixar de ser comunicado a esta agência, o que não foi.
Daí a condenação em contraordenação, por parte da arguida.
XVII
Ora sem este equipamento de filtragem, a unidade industrial em causa está impedida de operar.
Ela só foi autorizada a desenvolver a sua atividade depois de instalar o equipamento de filtragem, a câmara de filtragem, a chaminé e todos os demais elementos que previnem ou mitigam a emissão de efluentes gasosos poluentes para a atmosfera.
XVIII
E a instalação desse equipamento foi feito sob a rigorosa supervisão da APA, IP, que monitorizou todo o processo de instalação e, concluído o mesmo, emitiu a respetiva Licença Ambiental, em 20.03.2015 – conforme documento junto aos autos.
XIX
Tendo esse equipamento ficado inoperacional, teria de ser, novamente, a APA, IP a monitorizar a respetiva reparação, pois é a entidade do Estado designada para tal.
Por essa razão, deveria ter sido informada, em 48 horas, do acidente ocorrido que tornou inoperacional todo o equipamento de prevenção da emissão de efluentes gasosos para a atmosfera.
XX
E deveria ter sido informada para, de imediato, esta agência realizar o necessário diagnóstico das causas que estiveram na base do colapso daquele equipamento, pois é a entidade que superintende a sua instalação.
XXI
Depois, seria necessária a execução de obras de reparação, execução essa a realizar de acordo com as diretrizes da APA, IP, designadamente a reposição do equipamento, a correção da instalação para prevenção de futuros colapsos, a substituição de componentes diversos, designadamente de filtros, a exigência de maior qualidade noutros componentes - os sensores, por exemplo - entre outras intervenções a definir pela APA, IP, designadamente as “medidas complementares” que a APA, I.P. entender necessárias (ver, a propósito a al. c) do artigo 9º do D.L. 127/2013) bem como a alínea c) do Ponto nº 1 da Licença Ambiental).
XXII
E, nunca é demais enfatizar, a realização destas obras não pode deixar de ser feita sob o controle e monitorização do Estado, pois está-se perante um interesse público relevante: essas obras não serão realizadas de acordo com as orientações (e os interesses) de uma entidade privada.
XXII
A reposição
...

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