Acórdão nº 306/23.0T8TVD.L1-4 de Tribunal da Relação de Lisboa, 2024-02-21

Ano2024
Número Acordão306/23.0T8TVD.L1-4
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam, na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa:


IRelatório.


AA intentou a presente acção declarativa com processo comum, contra BB — Supermercados, Ld.ª, pedindo que a ré fosse condenada Ré a pagar-lhe:
€ 6.531,14 a título de indemnização por despedimento ilícito;
€ 543,19 por danos patrimoniais resultantes do pagamento à Segurança Social de tal valor em função da fundamentação aposta pela Ré no encerramento da sua inscrição da Segurança Social;
€ 7.500,00 a título de indemnização por danos morais;
juros moratórios vencidos e vincendos aplicáveis sobre tais quantias às várias taxas legais anuais desde o seu vencimento e até efetivo e integral pagamento.

Para tanto, alegou, em síntese, que:
foi admitida ao serviço da Ré a 16.12.2021 por contrato de trabalho a termo certo, para desempenhar funções de operadora ajudante de supermercado, pelo período de 40 horas semanais, auferindo ordenado base de € 665,00, tendo desempenhado funções como ajudante de talho, na secção de talho;
no dia 06.03.2022 — Domingo — teve uma discussão verbal com o seu superior hierárquico CC — chefe de secção de talho, na sequência da qual o mesmo lhe deu ordem para irem para uma sala onde lhe entregou algumas folhas de papel em branco e a mandou escrever uma rescisão do contrato por seu pedido, entregando-lhe uma minuta para o efeito;
por se sentir pressionada e ter sido ameaçada de despedimento com justa causa com dever de indemnizar a empresa acabou por redigir e assinar uma declaração a dizer que rescindiu os seus serviços com a Ré e que estava 'disposta a dar os dias à casa', sem identificar quando dias seriam ou quando seria o seu ultimo dia de trabalho, pois que desconhecia os prazos legais relativos ao pré-aviso;
ao chegar a casa, cerca das 22h30m do mesmo dia, enviou uma mensagem escrita por WhatsApp para o chefe CC a comunicar-lhe que pedia desculpa pela forma como havia falado e que se tinha precipitado e que gostaria que a carta ficasse sem efeito;
no dia seguinte 7 de Março, ao entrar ao serviço o chefe CC comunicou-lhe que aceitava o pedido de desculpa, mas que ia guardar consigo o texto de rescisão durante uma semana para avaliar profissionalmente o seu comportamento e que devia guardar segredo acerca da existência da carta;
continuou trabalhar nos dias seguintes, faltando no dia 26.03.2022, tendo sido incluída nos turnos para a semana de 4 a 10 de Abril;
no dia 02.04.2022 comunicou ao chefe que estava doente e que poderia entrar de baixa, tendo o chefe dito que justificasse a falta e nesse mesmo dia anulou o horário de trabalho da semana de 4 a 10 de Abril e removeu-a do grupo WhatsApp;
no dia 04.04.2022 foi-lhe passado certificado de incapacidade temporária para o trabalho para o período de 2 de Abril a 27 de Novembro de 2022;
quando nesse mesmo dia contactou CC o mesmo disse-lhe que não era preciso a apresentação de qualquer justificação pois iria entregar a rescisão do dia 6 de Março de 2022 e que nesse dia ‒ 4 de Abril ‒ era o dia de encerramento de contas;
deslocou-se então às instalações da Ré para entregar a baixa na contabilidade onde o Sr. DD respondeu que já não era precisa pois havia recebido a sua rescisão, ao que retorquiu que a mesma tinha sido incorrectamente guardada pelo CC e, ao vê-la, rasgou-a;
mostrou de seguida a baixa ao DD que então viu que era motivada por gravidez de alto risco, tendo o mesmo dito que seguia instruções do CC para fechar as contas, tendo a EE ‒ também presente na contabilidade ‒ afirmado que tinham uma cópia da carta de rescisão;
em 10 de Maio de 2022 a Ré comunicou a cessação da relação laboral à Segurança Social indicando como motivo iniciativa do trabalhador;
a descrita conduta da Ré constitui um despedimento ilegal, sem justa causa nem procedimento disciplinar prévio, com efeitos reportados a 4 de Abril de 2022, por ficcionada rescisão de 6 de Março com produção de efeitos jurídicos no fim do prazo de aviso prévio, o que lhe confere direito a indemnização de valor não inferior ao período de retribuições que ainda faltavam do restante tempo de execução do contrato a termo até 15.12.2022, no valor global de € 6.531,14;
em consequência do despedimento ficou em estado de choque e bastante abalada, sentiu-se muito desanimada, sofreu um intenso desgosto, nervosismo e apatia, dificuldade em dormir, passou a ficar facilmente irritável e enervada, sofreu grande ansiedade e angústia por não saber se e quando iria encontrar novo emprego para enfrentar as despesas do seu agregado familiar, ficou bastante abatida e prostrada com auto estima muito baixa, desmotivada.

Citada a ré, foi convocada e realizada audiência de partes, na qual as mesmas não quiseram acordar sobre o litígio que as divide.

Para tal notificada, a ré contestou, impugnando os factos alegados pela autora, designadamente que foi a autora quem, no dia 06-03-2023, disse que se queria despedir e ir embora depois de ter sido chamada à atenção pelo chefe CC por estar aos gritos e a utilizar vocabulário impróprio para o seu local de trabalho, perante colegas de trabalho, tendo redigido e entregue a carta de rescisão por livre e espontânea vontade e informado que queria cumprir o aviso prévio de 30 dias pelo que o contrato cessaria a 05-04-2022.

Proferido despacho saneador, foi julgada a instância válida e regular, fixado o valor da causa e dispensadas a identificação do objecto do litígio e a enunciação dos temas de prova objecto do processo e admitidas as provas arroladas pelas partes.

Realizada a audiência de julgamento, o Mm.º Juiz proferiu a sentença, na qual julgou a acção parcialmente procedente e, em consequência:

1)-condenou a ré a pagar à autora, a titulo de indemnização por danos patrimoniais emergentes do seu despedimento ilícito, as retribuições (ilíquidas) que a mesma deixou de auferir desde 05-04-2022 até 15-12-2022, no valor global de € 6.126,66, acrescidas de juros de mora à taxa legal, de acordo com a seguinte discriminação:
a)-€ 611,00 acrescidos de juros de mora à taxa legal, vencidos desde 30.04.2022 e vincendos até integral pagamento
- retribuição de Abril (26 dias);
b)-€ 705,00 acrescidos de juros de mora à taxa legal, vencidos desde 30.06.2022 e vincendos até integral pagamento
- retribuição de Junho;
c)-€ 705,00 acrescidos de juros de mora à taxa legal, vencidos desde 31.07.2022 e vincendos até integral pagamento
- retribuição de Julho;
d)-€ 705,00 acrescidos de juros de mora à taxa legal, vencidos desde 31-08-2022 e vincendos até integral pagamento
- retribuição de Agosto;
e)-€ 705,00 acrescidos de juros de mora à taxa legal, vencidos desde 30-09-2022 e vincendos até integral pagamento
- retribuição de setembro;
f)-€ 705,00 acrescidos de juros de mora à taxa legal, vencidos desde 31-10-2022 e vincendos até integral pagamento
- retribuição de Outubro;
g)-€ 705,00 acrescidos de juros de mora à taxa legal, vencidos desde 30-11-2022 e vincendos até integral pagamento
- retribuição de Novembro;
h)-€ 352,50 acrescidos de juros de mora à taxa legal, vencidos desde 15-12-2022 e vincendos até integral pagamento - retribuição de Dezembro (15 dias);
i)-€ 492,53 acrescidos de juros de mora à taxa legal, vencidos desde 15.12.2022 e vincendos até integral pagamento - proporcional subsídio de férias (255 dias);
j)-€ 440,63 acrescidos de juros de mora à taxa legal, vencidos desde 15-12-2022 e vincendos até integral pagamento - proporcional subsídio de natal (255 dias);
2)– condenou a ré a pagar à autora a quantia de € 2.500,00, a título de indemnização por danos não patrimoniais emergentes do seu despedimento ilícito, acrescida de juros de mora à taxa legal vincendos a partir desta data;
3)–absolveu a ré do mais peticionado pela autora.

Inconformada, a ré interpôs recurso, pedindo que a sentença seja revogada e substituída por decisão que (i) exclua ou no mínimo reduza o montante indemnizatório a título de danos não patrimoniais, estabelecendo-se o mesmo num valor não superior a € 500 e (ii) conheça oficiosamente das deduções decorrentes do estipulado na alínea c) do artigo 390.º, n.º 2, deduzindo-se das retribuições a pagar a autora o subsídio de desemprego atribuído à mesma, culminando a alegação com as seguintes conclusões:
"1)-A Ré vem recorrer da douta Sentença do tribunal a quo porquanto não se conforma com os fundamentos invocados pelo Sr. Dr. Juiz para justificar a sua convicção e consequente decisão.
2)-A Ré vem recorrer da matéria de facto e de direito, nomeadamente quanto aos factos que julgou suficientes para estabelecer o montante indemnizatório a título de danos não patrimoniais, bem como o facto de não ter feito as deduções impostas no artigo 390.º do Código do Trabalho aquando da proferição da Sentença.
3)-Foi a autora que disse, peremptoriamente, ao seu chefe, CC, que se queria despedir, isto no seguimento de uma discussão que a mesma provocou por motivos superficiais.
4)-No entanto, a Autora veio alegar que foi ameaçada e coagida a escrever e a assinar a carta de rescisão, o que não é de todo verdade, tal como concluiu o tribunal a quo.
5)-Aliás, o tribunal a quo concluiu pelo reduzido valor probatório das alegações de parte da Autora, apoiando-se também no que os seus colegas de trabalho afirmaram em audiência de julgamento (que desmentiram tudo o que a Autora disse quanto a ter sido ameaçada e coagida pelo seu chefe).
6)-Não duvidando do sofrimento da Autora, que certamente se sentiu afectada, não podemos, no entanto, acreditar que a mesma tenha entrado numa espiral de emoções negativas tão profunda que a tenha deixado no estado que a mesma alega ter ficado.
7)-Foi a Autora que desejou despedir-se, demonstrando essa vontade perante todos os presentes.
8)-Tudo isto leva-nos a concluir que a discussão do dia 06/03/2022 foi apenas a gota de água num copo cheio, tendo a Autora aproveitado a situação para realizar o
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