Acórdão nº 304/20.6JAFAR-I.E2 de Tribunal da Relação de Évora, 2022-04-05

Ano2022
Número Acordão304/20.6JAFAR-I.E2
ÓrgãoTribunal da Relação de Évora
9

Acordam os Juízes que compõem a Secção Criminal da Relação de Évora:

A - Relatório:

Nos autos de Inquérito supra numerados que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca de Faro e em que são arguidos J… e F…, a Mmª Juíza do Tribunal de Instrução Criminal de Faro – J2, indeferiu a abertura da Instrução por extemporaneidade.


*

Inconformados os arguidos interpuseram recurso do despacho da Mmª Juíza, com as seguintes conclusões:

1. Em 11-11-2021 os arguidos ora Recorrentes vieram aos autos requerer a abertura de instrução.
2. Por despacho datado de 12-11-2021 o tribunal “a quo” decidiu rejeitar, por ser manifestamente extemporâneo, o requerimento de abertura de instrução, em conformidade com o disposto no artigo 287.º, n.º 1, alínea a) e n.º 3 do Código de Processo Penal.
3. Os arguidos ora Recorrentes não se conformam com o despacho de que ora se recorre desde logo porquanto foi apresentado recurso do despacho que indeferiu a requerida nulidade por falta de notificação da acusação ao defensor.
4. Andou mal o tribunal “a quo” ao considerar que os arguidos foram notificados do despacho de acusação em 14 de julho de 2021 e que a ter existido alguma irregularidade na notificação da defensora a mesma estaria sanada.
5. Salvo o devido respeito, que é muito, a notificação da acusação ao defensor não e pode presumir, nem tão pouco se pode considerar que está sanada, tratando-se de uma nulidade insanável, sendo indubitável que a defensora dos arguidos não foi notificada da acusação proferida nos presentes autos.
6. O despacho recorrido viola o disposto no artigo 123.º do CPP e bem assim o artigo 283.º, n.º 5 do CPP por remissão para o n.º 3 do artigo 277.º do CPP.
7. A interpretação dada pelo tribunal “a quo” à norma constante no artigo 123.º, n.º 1 do Código de Processo Penal no sentido de que a arguição da nulidade de falta de notificação da acusação ao defensor tem que ser arguida no prazo legal de três dias é inconstitucional por violação do disposto no artigo 32.º, n.º 1 e n.º 3 da nossa Constituição, cuja inconstitucionalidade se invoca desde já para efeitos de eventual e futuro recurso para o Tribunal Constitucional.
8. O tribunal “a quo” deveria ter interpretado a norma constante no artigo 123.º, n.º 1 do Código de Processo Penal no sentido de que a mesma não se aplica à arguição da nulidade da falta de notificação da acusação ao defensor, porquanto estamos perante uma irregularidade de conhecimento oficioso com natureza de "verdadeira nulidade insanável", nulidade essa que o tribunal “a quo” tinha como obrigação sanar de imediato, o que não sucedeu até a presente data.
9. Sucede que até à presente data (10-12-2021) a mandatária dos arguidos ora recorrentes não foi notificada do despacho de acusação e como tal não prescindindo do prazo legal concedido para a abertura de instrução por mera cautela de patrocínio apresentou aos autos requerimento de abertura de instrução.
10. Não podendo o tribunal “a quo” considerar que o RAI apresentado é manifestamente extemporâneo, pois como é bom de ver e atento a que a defensora ora signatária ainda não foi notificada da acusação sempre se dirá que o RAI apresentado é manifestamente tempestivo.
11. Termos em que e face ao supra exposto deverá o despacho recorrido ser revogado e consequentemente deverá ser ordenada oficiosamente a remessa dos presentes autos ao Ministério Público para que proceda às diligências legalmente necessárias à efectiva reparação da falta de notificação da acusação à defensora.
12. E consequentemente deverá ser declarada aberta a instrução relativamente aos arguidos ora Recorrentes.
Nestes termos e nos melhores de direito deverá V. Exa. dar provimento ao presente recurso, revogar o despacho recorrido e em consequência deverá ser ordenada oficiosamente a remessa dos presentes autos ao Ministério Público para que proceda às diligências legalmente necessárias à efectiva reparação da falta de notificação da acusação à defensora e consequentemente deverá ser admitido o requerimento de abertura de instrução, declarando-se aberta a instrução, assim se fazendo JUSTIÇA!

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O Digno Magistrado do Ministério Público junto do Tribunal recorrido apresentou resposta concluindo:

1ª Salvo melhor opinião, não assiste razão ao ora recorrente.
2ª Dispõe o artigo 287.º, n.º 3 do CPP que “O requerimento só pode ser rejeitado por extemporâneo, por incompetência do juiz ou por inadmissibilidade legal da instrução”.
3ª Acontece que os arguidos J… e F… foram notificados do despacho de acusação em 14 de Julho de 2021 (fls. 2309, 2317, 2332 e 2336).
3ª Acresce que, conforme decidido a fls. 2893, atendendo ao teor de fls. 2306 (tal como decorre de fls. 2313), a ter existido alguma irregularidade na notificação da Ex.ª Defensora dos ora recorrentes, sempre tal irregularidade se consideraria sanada no prazo de três dias a contar do dia 19 de julho de 2021, i. é, em 23 de julho de 2021.
4ª Aliás, mesmo que assim não se considerasse, conforme referido a fls. 2893, sempre cumpriria salientar que, efetivamente, a Ex.ª Mandatária apresentou, em 18 de Agosto de 2021 (fls. 2474 e 2507), um requerimento tendo em vista a prorrogação do prazo legal para a abertura de instrução, no qual faz referência, expressa e inequívoca, ao teor da acusação deduzida (“vasta prova documental indicada em sede de acusação”).
5ª Por conseguinte, pelo menos, em 18 de Agosto de 2021 a Ex.ª Mandatária tinha já tomado conhecimento do teor da acusação proferida, não invocando então, a este propósito, qualquer irregularidade processual até ao dia 23 de agosto de 2021.
6ª Efetivamente, a ter-se verificado a invocada falta de notificação, a mesma sempre constituiria, de facto, uma irregularidade processual (a ser arguida nos termos do preceituado no artigo 123.º, n.º 1 do CPP), na medida em que não se encontra prevista no elenco de nulidades previsto nos artigos 119.º e 120.º do CPP, nem é qualificada como tal em qualquer outra disposição legal (neste sentido, veja-se o Ac. do Tribunal da Relação de Lisboa de 25.07.2018, proc. n.º 123/16.4PGOER.L1-3, relator: Conceição Gonçalves e o Ac. do mesmo Tribunal da Relação de 08.09.2020, proc. n.º 3276/18.3T9SXL.L1-5, relator: Ricardo Cardoso, bem como o Ac. do Tribunal da Relação de Guimarães de 26.10.2020, proc. n.º 754/19.0T9BRG.G1, relator: António Teixeira, todos disponíveis em www.dgsi.pt).
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