Acórdão nº 3/22.4PEFIG.C1 de Tribunal da Relação de Coimbra, 2023-02-22

Ano2023
Número Acordão3/22.4PEFIG.C1
ÓrgãoTribunal da Relação de Coimbra - (TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA - JUÍZO LOCAL CRIMINAL DA FIGUEIRA DA FOZ)

Relatora: Maria José Nogueira
1.ª Adjunta: Isabel Valongo
2.ª Adjunto: Jorge França


Acordam em conferência os juízes na 5.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra

I. Relatório

1. … foi o arguido AA, submetido a julgamento, sendo-lhe então imputada a prática, em autoria material, na forma consumada, como reincidente, de um crime de roubo, p. e p. no artigo 210.º, n.º 1 e 75.º, ambos do Código Penal.

2. Realizado o julgamento – no decurso do qual foi comunicada a alteração não substancial dos factos e, bem assim, da qualificação jurídica … - por sentença de 23.09.2022, o tribunal decidiu …

1) Absolver o arguido AA da prática de um crime de roubo p. e p. pelo artigo 210.º, n.º 1 do Código Penal;

2) Condenar o arguido AA pela prática de um crime de extorsão p. e p. pelo artigo 223.º n.º 1 do Código Penal, na pena de dois anos e um mês de prisão, rejeitando-se a condenação como reincidente.

3. Inconformado com a decisão recorreu o arguido, extraindo as seguintes conclusões:

I. A decisão de que se recorre, salvo o devido respeito que muito é, violou as estatuições normativas contidas nos artigos 120.º, n.º 1, 121.º a contrario senso, 127.º, 129.º, 130.º, 199.º e ss, 255.º, 256.º, 356.º n.ºs 6 e 7, 358.º e 359.º, n.º 1 e 2, 374.º, n.º 2 in fine e 379.º, n.º1 b) do CPP, bem como os artigos 28.º, 29.º, 38.º, 39.º 40.º, n.º 1, n.º 2, 43.º, 58.º e 223.º do CP e 18.º, n.º 1 e n.º 2, 20.º, n.º 4, 27.º, n.ºs 1, 2, 3 a) e b), e n.º 5, 29.º, n.º 6, 32.º, n.ºs 1, 2 e 3 todos da CRP e artigo 280.º da Constituição da República Portuguesa.

III. A título de questão prévia (1) a douta decisão de que se recorre contempla Alteração Substancial dos factos, que foi considerada na condenação … Esta alteração, contudo, a contrario do disposto nos artigos 358.º e 359.º do CPP, foi, erradamente comunicada ao Arguido como Alteração Não Substancial dos factos … Pelo que enferma a Sentença de nulidade nos termos do disposto no artigo 379.º, n.º 1 b) do CPP.

IV. Na 2.ª Sessão de Audiência de Discussão e Julgamento … proferiu o MM.º Juiz do Tribunal a quo o seguinte despacho:

«Decorre da prova produzida e analisada em audiência de julgamento, que poderão resultar factos que, a serem dados como provados, constituem uma alteração não substancial dos factos descritos na acusação, a saber:

Logo que o arguido procurava o ofendido pelas ruas da ... e abordava-o com expressões sérias, designadamente “dá-me o dinheiro ou eu mato-te o gato.

Muitas vezes, o arguido limitava-se a dizer “dá-me o dinheiro” e o ofendido com receio pela sua integridade física, entregava-lhe a quantia que tivesse na sua posse.

Outras vezes, o arguido apenas se aproximava do ofendido, exibindo uma expressão no rosto que o aterrorizava, levando-o a que este entregasse a quantia que tivesse na sua posse.

Em todas as ocasiões, com receio que o arguido o agredisse e fizesse mal ao animal de estimação, o arguido logo lhe entregou as quantias monetárias que possuía de esmolas de cidadãos que o auxiliam.

Como tal, comunicam-se os factos à defesa, nos termos e para efeitos do art. 358.º n.º 1 do CPP. Por outro lado, o arguido vem acusado de um crime de roubo, p. e p. pelo art. 210.º, n.º 1 do Código Penal. Entende-se, porém, da factualidade apurada descrita na acusação, que mais facilmente integrará a prática de um eventual crime de extorsão p. e p. pelo artigo 323.º, n.º 1 do Código Penal, o que configura uma alteração da qualificação jurídica que igualmente se comunica à defesa nos termos do art. 358.º n.ºs 1 e 3 do Código Penal».

V. … ao alterar a factualidade vertida na acusação, o Tribunal a quo fez consagrar nas imputações ao Arguido factos que não são subsumíveis ao tipo de crime de roubo p. e p. pelo artigo 210.º do Código Penal, crime pelo qual o Arguido vinha acusado.

É justamente por adquirir estes novos factos para as imputações a realizar ao Arguido que o Tribunal a quo conclui que a conduta do Arguido não é prevista e punida nos termos do artigo 210.º, n.º 1 do CP.

E, consequentemente por alteração e adição destes novos factos, a conduta, no entender do Tribunal a quo passa a subsumir-se no crime de extorsão, cf. artigo 223.º.

VI. … a alteração dos factos teve como consequência a imputação ao Arguido de um crime diverso daquele por que vinha acusado. Assim se tornou perfectivo o preenchimento da primeira parte da definição legal do artigo 1.º, f) do CPP.

VII. Estes novos factos, cf. artigo 359.º, n.º 2 do CPP, não podem ser considerados em condenação no processo em que a comunicação da alteração é comunicada.

Só assim não será se, nos termos do n.º 3 do artigo 359.º do CPP

VIII. … o Tribunal comunicou ao Arguido, expressamente, que se tratava de alteração Não substancial dos factos.

IX. Ora, porquanto o Tribunal não comunicou devidamente esta alteração, não manifestaram igualmente, de forma unânime, o Ministério Público e o Arguido a sua concordância a que o julgamento prosseguisse também por aqueles novos factos. Sendo claro que o Arguido se estivesse ciente daquela alteração não substancial não daria o seu consentimento a que o julgamento continuasse com os novos factos, nem que os mesmos fossem tidos em conta numa eventual condenação.

Conclui-se, pois, que a Sentença é nula por violação do disposto no artigo 359.º n.ºs 1, 2 e 3 do CPP, cf. artigo 379.º, n.º 1 b) e que tal nulidade é insanável, pelo que deve este Venerando Tribunal declarar aquela nulidade, ordenando a remessa ao Tribunal de I Instância, para que este reabra a Audiência de Julgamento, comunique ao Arguido (e ao Ministério Público) a alteração dos factos, nos termos do artigo 359.º do CPP, a fim de que estes possam tomar, conscientemente, posição processual.

4. O Ministério Público respondeu ao recurso, pronunciando-se a final no sentido de não merecer o mesmo provimento.

Também a Senhora Procuradora-Geral Adjunta junto deste tribunal, emitiu parecer, defendendo a total improcedência do recurso.

*

II. Fundamentação

2. Delimitação do objeto do recurso

Tendo presente as conclusões… no caso em apreço cabe, em princípio, decidir se

(i) ocorreu alteração substancial dos factos descritos na acusação;

(ii) não foi respeitado o princípio da subsidiariedade do direito penal;

(iii) se incorreu o tribunal em erro de...

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