Acórdão nº 2997/21.8T8GMR.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 2023-03-02

Ano2023
Número Acordão2997/21.8T8GMR.G1
ÓrgãoTribunal da Relação de Guimarães

I- RELATÓRIO

AA intentou a presente ação declarativa sob a forma de processo comum contra BB, CC, herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de BB, DD, EE, FF, BB, GG, HH, HH e HH, peticionando a anulação da venda do veículo automóvel que aí identifica, efetuada pelo seu pai a um filho sem consentimento da própria, bem como o cancelamento do respetivo registo de aquisição.
Para substanciar tal pretensão alega, em síntese, que o seu pai, BB, vendeu ao filho BB, aqui réu, um veículo automóvel, sendo que a autora, também filha daquele, não prestou consentimento para a realização desse ato alienatório.
Acrescenta que o seu pai faleceu no dia .../.../2020, tendo a autora repudiado a respetiva herança por escritura outorgada no dia 23/07/2020.
Citados os réus, apenas BB e mulher II apresentaram contestação, onde se defendem quer por impugnação, quer por exceção, invocando as exceções dilatórias da ilegitimidade ativa e da falta de interesse em agir da autora.
Cumprido o contraditório, a autora pronunciou-se pela improcedência das exceções invocadas.
Foi proferido despacho saneador que julgou procedente a exceção dilatória da ilegitimidade, tendo absolvido os réus da instância.
Não se conformando com o assim decidido, interpôs a autora o presente recurso, que foi admitido como apelação, a subir nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.
Com o requerimento de interposição do recurso apresentou alegações, formulando, a final, as seguintes

CONCLUSÕES

1ª- A sentença da qual se recorre é nula, nos termos do disposto nos artigos 607º, nº 4, e 615º, nº 1, alínea b), ambos do Código de Processo Civil, porquanto não contém a enunciação dos factos dados como provados, a enunciação dos factos dados como não provados, nem qualquer contextualização sobre os elementos carreados para o processo que poderiam permitir ao Tribunal efectuar o seu juízo sobre a matéria de facto alegada pelas partes.
2ª- Conforme resulta do documento nº ... junto aos autos com a petição inicial, a Autora é filha de BB e de DD, os quais, conforme doc. nº ... junto com a petição inicial, são igualmente pais do Réu BB;
3ª- Conforme doc. nº ... junto com a petição inicial, em 02/06/2020, o pai da Autora, BB, declarou vender ao seu também filho BB um veículo automóvel da marca ..., com a matrícula ..-MS-.., tendo esse veículo sido registado a favor do Réu BB em 14/07/2020;
4ª- O referido BB, pai da Autora, conforme resulta do doc. nº ... junto com petição inicial, faleceu em .../.../2020;
5ª- Por escritura pública outorgada em 20/07/2020 no Cartório Notarial ..., junta aos autos como doc. nº ... da petição inicial, a Autora repudiou a herança do seu pai BB;
6ª- A Autora apenas teve conhecimento da supramencionada venda no dia ...;
7ª- A presente acção, entrada em juízo em 02/06/2021, corresponde ao exercício pela Autora de um direito que lhe é conferido pelo artigo 877º, nº 2, do Código Civil, porquanto a Autora não prestou o seu consentimento para que o seu pai BB tivesse vendido ao aludido BB o veículo automóvel da marca ..., com a matrícula ..-MS-..;
8ª- O posterior repúdio da herança efectuado pela Autora não colide com o regime da anulabilidade da venda que se pede nos presente autos;
9ª- À data da aludida transmissão, a mesma carecia de ser previamente consentida pela Autora por a mesma se tratar de uma venda feita pelo seu pai BB ao seu irmão BB;
10ª- É a lei quem no artigo 877º, nº 2 do Código Civil estabelece a legitimidade e o interesse processual em agir do filho que não prestou o seu consentimento para uma venda feita pelo seu pai a um seu irmão;
11ª- Direito que nasce na esfera jurídica do filho que não prestou o seu consentimento para a venda na data em que esta se realizou;
12ª- A referida norma do artigo 877º, nº 2 do Código Civil não estabelece qualquer associação entre a qualidade de filho e de herdeiro legitimário para o exercício do direito nela previsto;
13º- A circunstância de após o falecimento do seu pai a Autora ter repudiado a sua herança, não faz precludir o direito que lhe confere o artigo 877º, nº 2, do Código Civil;
14º- Pelos fundamentos vindos de expor, não poderia o Tribunal a quo ter julgado procedente a excepção de ilegitimidade activa formulada pelo Réu na sua contestação porquanto tal legitimidade resulta evidenciada dos documentos juntos na petição inicial como docs. ... a ....
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Não foram apresentadas contra-alegações.
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II- DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso – cfr. arts. 635º, nº 4, 637º, nº 2, parte e 639º, nºs 1 e 2, todos do Cód. Processo Civil.
Porque assim, atendendo às conclusões das alegações, são as seguintes as questões solvendas:
. da nulidade da decisão recorrida nos termos da al. b) do nº1 do art. 615º do CPC;
. aferir se a autora, apesar de ter renunciado à herança de seu pai, detém legitimidade ativa para a propositura da presente ação em que o pedido é a anulação da venda de um veículo que este efetuou a um filho, irmão daquela, sem o seu consentimento.
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III- FUNDAMENTOS DE FACTO

A materialidade a atender para efeito de decisão do objeto do recurso é a seguinte (a qual resulta documentalmente demonstrada nos autos e admitida por acordo entre as partes):

1. A Autora e o Réu BB são filhos de BB e de DD - cfr. documentos nºs ... e ... juntos com a petição inicial.
2. BB vendeu ao filho BB o veículo automóvel de marca ..., com a matrícula ..-MS-.., tendo este último procedido, em 14/07/2020, ao registo a seu favor da referida viatura, registo a que coube a Apresentação 08059, de 14/07/2020 - cfr. documento nº ... junto com a petição inicial.
3. Esta venda foi realizada sem o consentimento da Autora, a qual teve conhecimento da mesma no dia ....
4. BB faleceu no dia .../.../2020 – cfr. documento nº ... junto com a petição inicial.
5. A autora repudiou a herança do seu pai por escritura realizada no dia 23/07/2020 - cfr. doc. nº ... junto com a petição inicial.
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IV – FUNDAMENTOS DE DIREITO

IV.1. Da nulidade do saneador/sentença por falta de especificação dos fundamentos de facto que justificam a decisão

Como se deu nota, a apelante começa por imputar à decisão recorrida o vício de nulidade previsto na alínea b) do nº 1 do art. 615º do Cód. Processo Civil, porquanto a mesma, a respeito da suscitada questão da falta de legitimidade ativa da autora «não contém a enunciação dos factos dados como provados, a enunciação dos factos dados como não provados, nem qualquer contextualização sobre os elementos careados para o processo que poderiam permitir ao Tribunal efetuar o seu juízo sobre a matéria de facto alegada pelas partes».
Dispõe o citado inciso que “[é] nula a sentença quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão”.
Como refere TEIXEIRA DE SOUSA[1], esta causa de nulidade verifica-se «quando o tribunal julga procedente ou improcedente um pedido (e, por isso, não comete, nesse âmbito, qualquer...

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