Acórdão nº 2986/22.5T8GMR de Tribunal da Relação de Guimarães, 2023-12-19

Ano2023
Número Acordão2986/22.5T8GMR
ÓrgãoTribunal da Relação de Guimarães

Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães:

I – RELATÓRIO

AA e BB propuseram a presente ação declarativa sob a forma de processo comum contra CC e DD, menor, representado em juízo por EE, em representação de seu pai, já falecido, FF, peticionando: 1. A declaração da nulidade ou da anulabilidade do negócio de aquisição da nua propriedade do imóvel sito na Urbanização ..., ..., freguesia ..., do concelho ..., descrito na ... Conservatória do Registo Predial ... com o n.º ...24..., inscrito na respetiva matriz predial urbana ...57 em nome de CC e FF, aqui representado pelo seu filho GG, celebrado em 12 de setembro de 1986 por simulação, uma vez que a vontade declarada nessa escritura não corresponde à verdade dos factos; 2. O cancelamento da inscrição e registo de propriedade do imóvel a favor de CC e FF; 3. O reconhecimento da propriedade do imóvel aos falecidos HH e II; 4. O registo da aquisição do imóvel a favor dos falecidos HH e II.
Para substanciar tal pretensão alegam as autoras que elas, o réu CC e FF são irmãos, filhos de HH e que este e o seu cônjuge, II, já falecidos, adquiriram o prédio descrito na ... Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...24..., inscrito na respetiva matriz predial urbana ...57, em nome dos filhos, CC e FF, por escritura pública de compra e venda outorgada no dia 12 de setembro de 1986, apenas para que este imóvel não fizesse parte da herança de HH, de modo a prejudicar as autoras, também suas filhas, lesando, deste modo, a legítima destas, deserdando-as.
Citados os réus contestaram defendendo-se quer por exceção quer por impugnação, tendo ainda apresentado reconvenção. Entre outras exceções invocaram também a exceção dilatória da ineptidão da petição inicial.
Cumprido o contraditório, os autores replicaram respondendo a essa exceção bem como às demais exceções que foram invocadas na contestação pelos réus.
Conclusos os autos veio a ser proferida a seguinte decisão:
«AA, contribuinte fiscal n.º ...17, casada, residente na rua ..., ..., freguesia ..., concelho ... e BB, contribuinte fiscal n.º ...03, casada, residente em ..., rue ... ..., ..., propuseram a presente ação declarativa sob a forma de processo comum contra CC, contribuinte fiscal n.º ...59, divorciado, residente na Avenida ..., ... ..., ..., e DD, contribuinte fiscal n.º ...61, solteiro, menor, residente na rua ...., representado em juízo por EE, em representação de seu pai, já falecido, FF, peticionando:
. A declaração da nulidade ou da anulabilidade do negócio de aquisição da nua propriedade do imóvel sito na Urbanização ..., ..., freguesia ..., do concelho ..., descrito na ... Conservatória do Registo Predial ... com o n.º ...24..., inscrito na respetiva matriz predial urbana ...57 em nome de CC e FF, aqui representado pelo seu filho GG, celebrado em 12 de setembro de 1986 por simulação, uma vez que a vontade declarada nessa escritura não corresponde à verdade dos factos;
. O cancelamento da inscrição e registo de propriedade do imóvel a favor de CC e FF;
. O reconhecimento da propriedade do imóvel aos falecidos HH e II;
. O registo da aquisição do imóvel a favor dos falecidos HH e II.
Alegam, para o efeito, que as autoras, o réu CC e FF são irmãos, filhos de HH. Invocam, ainda, que o progenitor de ambos e o seu cônjuge II, já falecidos, adquiriram o prédio descrito na ... Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...24..., inscrito na respetiva matriz predial urbana ...57, em nome dos filhos, CC e FF, por escritura pública de compra e venda outorgada no dia 12 de setembro de 1986, apenas para que este imóvel não fizesse parte da herança de HH, de modo a prejudicar as autoras, suas filhas, prejudicando, deste modo, a legítima destas, deserdando-as.
A questão que se suscita ao analisar a petição inicial é se este articulado deverá ser considerado inepto.
A este propósito dispõe o artigo 186º do Código de Processo Civil:
“1. (…).
2 – Diz-se inepta a petição:
a) Quando falte ou seja ininteligível a indicação do pedido ou da causa de pedir;
b) Quando o pedido esteja em contradição com a causa de pedir;
c) Quando se cumulem causas de pedir ou pedidos substancialmente incompatíveis.”
3.(…).
4. (…).”
Entre os casos enunciados de ineptidão, e naquilo que ao caso em análise interessa, conta-se a falta da causa de pedir (al. a).
Assim, falta a causa de pedir quando o autor não alega, como lhe compete – art. 552º, nº 1, al. d), do C.P.C- o facto ou os factos constitutivos da situação jurídica material que pretende fazer valer, ou, por outras palavras, o ato ou facto jurídico em que se baseia para enunciar o seu pedido.
Dispõe o art. 240º, do Código Civil que:
“1. Se, por acordo entre declarante e declaratário, e no intuito de enganar terceiros, houver divergência entre a declaração negocial e a vontade real do declarante, o negócio diz-se simulado.
2. O negócio simulado é nulo”.
O número 1 desta norma exige três requisitos para que haja simulação:
1 - Divergência entre a vontade real e a vontade declarada.
O declarante não só sabe que a declaração emitida não corresponde à sua vontade real, mas mesmo assim, quer emiti-la. Traduz-se numa divergência livre, querida e realizada propositadamente.
2 - Intuito de enganar terceiros (animus decipiendi) - não se confunde com o intuito de prejudicar, podendo, no entanto, com ele ser cumulável (animus nocendi).
O terceiro mencionado neste artigo não é o terceiro alheio ao negócio, mas sim alguém que seja alheio ao conluio, isto é, aquele que não interveio no acordo simulatório.
3 - Acordo simulatório (pactum simulatoris).
A divergência entre a vontade real e a declarada deve proceder de acordo entre declarante e declaratário, ou seja, o conluio, a mancomunação, consiste em as partes declararem, intencional e concertadamente, terem realizado um ato, que, afinal, não quiseram realizar – cfr. Ac. STJ de 14.02.08, relator Oliveira Rocha, in http://www.dgsi.pt.
Quando para além da intenção de enganar existe também a intenção de prejudicar, a simulação diz-se fraudulenta; se apenas existe o animus decipiendi, a simulação é inocente.
A simulação pode ser absoluta ou relativa, no primeiro caso, o acordo simulatório, pressupõe a celebração de um negócio que as partes não querem de todo realizar (nem esse, nem qualquer outro), no segundo caso, o negócio simulado encobre outro ato que se denomina dissimulado (declara-se vender quando o que se pretendia doar).
Aqueles três requisitos têm de se verificar simultaneamente sob pena de estarmos em presença de qualquer outro vício de vontade, que não o da simulação.
Sobre quem invoca a simulação, impende o ónus de provar a existência de tais requisitos, porque constitutivos do respetivo direito – neste sentido, entre outros, Ac. RC de 14 de dezembro de 2004, in http://www.dgsi.pt.
Analisando a petição inicial, verifica-se que as autoras não alegaram nenhum facto concreto que pudesse consubstanciar cada um dos três requisitos da simulação acima identificados. E, deste modo, as autoras jamais poderão fazer a prova dos factos constitutivos do direito e/ou efeito jurídico que pretendem fazer valer na presente ação, ou seja, a nulidade da compra e venda titulada pela escritura pública datada de 12 de setembro de 1986, que teve por objeto o prédio descrito na ... CRP ... sob o n.º o n.º 927/20..., inscrito na respetiva matriz predial urbana ...57.
Ademais, ainda, que a simulação pretendida fosse demonstrada, jamais o prédio objeto da compra e venda seria restituída ao património do HH e seu cônjuge II. O prédio seria, antes, restituído ao património da vendedora, sua anterior proprietária, a sociedade EMP01..., Ld.ª, por força do disposto no art. 289º, n.º 1, do Código Civil, a qual, aliás, nem sequer foi demandada nos presentes autos, como se impunha, o que traduziria sempre a verificação da exceção da ilegitimidade passiva.
Nestes termos, verifica-se que as autoras não expuseram de todo factos que consubstanciem a causa de pedir da presente ação. E faltando a causa de pedir, conclui-se pela ineptidão da petição inicial, nos termos da al. a) do nº 2, do art. 186º, do C.P.C.
Em face do supra explanado, resulta que a petição inicial é inepta.
A ineptidão constitui um vício de conteúdo da petição inicial que determina a nulidade de todo o processo – art. 186º, nº 1, do C.P.C-, que consubstancia uma exceção dilatória – art. 577º, al. b), do C.P.C- de conhecimento oficioso – arts. 196º e 578º, do C.P.C- de que resulta a absolvição da instância – art. 278º, nº 1, al. b), do C.P.C –, insuscetível de ser sanada no caso em análise.
Nestes termos, ao abrigo das normas acima citadas e ainda do disposto no art. 200º, nº 2, do C.P.C., decide-se julgar nulo todo o processo, por ineptidão da petição inicial, e, consequentemente, absolver os Réus da instância.
Custas a cargo das AA. – art. 527º, nº 1, do C.P.C. (…)».
*
Não se conformando com o assim decidido, veio a autora AA interpor o presente recurso, que foi admitido como apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.
Com o requerimento de interposição...

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