Acórdão nº 298/18.8GDVFR-A.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 12-07-2023

Data de Julgamento12 Julho 2023
Ano2023
Número Acordão298/18.8GDVFR-A.P1
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto
Proc. n.º 298/18.8GDVFR-A. P1



Acordam os juízes, em conferência, no Tribunal da Relação do Porto


I – O Ministério Público veio interpor recurso do douto despacho do Juiz 3 do Juízo Local Criminal de Santa Maria da Feira do Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro que decidiu não expedir carta rogatória dirigida às autoridades judiciárias espanholas a fim de o arguido ser pessoalmente notificado da acusação e prestar termo de identidade e residência.

São as seguintes as conclusões da motivação do recurso:
«1. Nos presentes autos, durante o inquérito, o arguido prestou um TIR com morada no estrangeiro.
2. Sucede que não foi possível notifica-lo pessoalmente dos despachos de acusação e de agendamento da audiência de julgamento, razão pela qual no dia 28/05/2021 foi declarado contumaz, nos termos do disposto no art.º 335º, n.º 1, do CPP;
3. No dia 02/03/2023, o Gabinete Nacional Sirene comunicou que o arguido foi localizado na Roménia, tendo declarado residir em “Calle ..., ..., Espanha”.
4. Em 06/03/2023 o Ministério Público promoveu a expedição de carta rogatória para notificação pessoal da acusação e prestar novo TIR;
5. Em 27/03/2023 o Tribunal “a quo” indeferiu a totalidade da promoção, considerando que a mesma ia contra o AUJ do STJ n.º 5/2014;
6. O AUJ do STJ n.º 5/2014 debruçou-se apenas sobre a questão da ineficácia das notificações realizadas por via postal do arguido residente no estrangeiro e da irrelevância da recolha de TIR para efeitos da cessação de contumácia;
7. A prestação de TIR não é causa de cessação de contumácia, mas antes a apresentação do arguido;
8. Essa apresentação do arguido não tem de ser efetuada perante o Tribunal onde corre termos o processo;
9. Se o Tribunal português expede uma carta rogatória para o Tribunal espanhol para notificação pessoal da acusação ao arguido, o Tribunal rogado é uma “lunga manus” do Tribunal rogante;
10. Se o arguido convocado pelo Tribunal espanhol viesse a comparecer naquelas instalações voluntariamente e assinasse a notificação do despacho de acusação, tal facto encerra o conceito de “apresentação” do arguido e, consequentemente, faria cessar a contumácia;
11. Quando o art.º 336º, n.º 1, do Código de Processo Penal refere que a contumácia cessa com a “apresentação” do arguido, esta norma quer-se reportar ao contacto pessoal do arguido com o Tribunal, uma vez que é a falta desse contacto pessoal, traduzido na falta de notificação dos despachos de acusação e daquele que designa data para julgamento, que dá origem à contumácia – art.º 335º, n.º 1, do Código de Processo Penal;
12. Conhecido o paradeiro do arguido existiria a possibilidade de ser efetuado um contacto pessoal entre o tribunal e o arguido quando a autoridade oficial estrangeira contactasse pessoalmente com o arguido e o notificasse da acusação, uma vez que aquela autoridade funcionava como uma legítima extensão do tribunal português, no contexto de um pedido de cooperação internacional;
13. A prestação de TIR seria irrelevante porque a ligação do arguido aos ulteriores trâmites processuais só poderia manter-se através das sucessivas notificações pessoais através de cartas rogatórias visto que no estrangeiro não existe o serviço postal com prova de depósito;
14. Aliás, no presente processo, o arguido já tinha prestado TIR em fase de inquérito indicando uma morada no estrangeiro sendo que não era nem é obrigado a indicar uma morada em Portugal para receber notificações:
15. O Tribunal “a quo” fez uma errada interpretação e aplicação do disposto nos art.ºs 335º, n.º 1, e 336º, n.º 1, do C.P.P..»

O Ministério Público junto desta instância emitiu douto parecer, aderindo à argumentação aduzida na motivação do recurso e invocando, para além do acórdão nela invocado (o acórdão desta Relação de 25 de janeiro de 2023, proferido no processo n.º 720/03.8PVPRT-A.P1, relatado por Lígia Trovão, acessível in www.dgsi.pt) também o acórdão da Relação de Évora de 15 de fevereiro de 2011, proferido no processo n.º 78/01.0TABJA.A.E1, relatado por António José Latas (também acessível in www.dgsi.pt), acórdão anterior ao referido Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.º 5/2014, mas que manterá plena atualidade e validade.

Colhidos os vistos legais, foram os autos à conferência, cumprindo agora decidir.

II – A questão que importa decidir é, de acordo com as conclusões da motivação do recurso, a de saber se deverá, ou não, ser revogado o despacho recorrido, que, invocando o Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.º 5/2014, indeferiu a promoção do Ministério Público de expedição de carta rogatória dirigida às autoridades judiciárias espanholas a fim de o arguido AA ser pessoalmente notificado da acusação contra ele proferida e prestar termo de identidade e residência.

III – É o seguinte o teor do douto despacho recorrido:
«Nos presentes autos o arguido AA prestou termo de identidade e residência com morada em Espanha.
Remetido o processo para a fase de julgamento, foi proferido despacho em 21/02/2020, a receber a acusação e a designar data para realização de audiência de julgamento. Ademais, tendo em consideração a posição que vem sendo sufragada pela nossa jurisprudência no sentido de não ser viável a notificação do arguido, por via postal em morada situada no estrangeiro, determinou-se a expedição de carta rogatória dirigida às autoridades competentes de Espanha com vista à notificação pessoal do arguido quanto ao despacho de acusação, do despacho que recebeu a acusação e designou data para a realização da audiência de discussão e julgamento, e para, querendo, requerer abertura de instrução ou contestar.
A carta rogatória foi devolvida sem cumprimento (cfr. ofício junto a 10/08/2020 e tradução junta a 23/10/2020).
Foi então proferido despacho em 21/09/2020 a dar sem efeito as datas designadas para audiência de julgamento, e posteriormente proferido
...

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