Acórdão nº 2971/10.0TXPRT-AE.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 25-10-2023

Data de Julgamento25 Outubro 2023
Ano2023
Número Acordão2971/10.0TXPRT-AE.P1
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto
Processo nº 2971/10.0TXPRT-AE.P1



1. Relatório

No processo nº 2971/10.0TXPRT-AE do Tribunal de Execução das Penas do Porto, Juízo de Execução das Penas do Porto, Juiz 3, veio o arguido AA recorrer da decisão que em 13/01/2023, no âmbito de incidente de incumprimento, - artigos 194 e seguintes do Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade -, revogou a licença de saída jurisdicional concedida em 20 de maio de 2022 ao recorrente e determinou o desconto no cumprimento da pena que se encontrava a cumprir da totalidade do tempo que gozou de licença de saída jurisdicional, ou seja, desde 31 de maio de 2022 até 7 de junho de 2022.
A decisão recorrida determinou ainda que o recluso não poderá apresentar novo pedido de licença de saída jurisdicional antes de 7 de junho de 2023, salvaguardado o limite de termo de pena se o mesmo antes operar.
Por decisão sumária da Relatora proferida em 30/08/2023 foi considerado que a decisão recorrida em nada afeta o recorrente no que respeita ao desconto do tempo da LSJ no cumprimento da pena ordenado em cumprimento do art. 84 nº4 do Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade, o que até se poderá ver como uma situação que lhe é benéfica na medida em que é descontado um período em que o condenado esteve em liberdade. E, em consequência, entendeu-se que o interesse em agir do recorrente se relacionava com a impossibilidade de apresentar novo pedido de licença de saída jurisdicional antes de 7 de junho de 2023.
Porém, como os autos foram distribuídos neste Tribunal da Relação Relação em 29/07/2023, ou seja, em data em que havia já decorrido o prazo durante o qual o condenado estava impedido de submeter novo pedido de licença de saída jurisdicional, entendeu-se que o mesmo nenhum efeito útil retiraria do conhecimento do presente recurso e, pelo exposto, decidiu-se no sentido da extinção da instância de recurso por inutilidade superveniente tendo por base o pressuposto que a utilidade prática que o recorrente retira do recurso é fundamental, não fazendo sentido o prosseguimento de um recurso, do qual não se vai extrair qualquer efeito apenas para aferir se a decisão posta em causa obedeceu, ou não, aos critérios legais e formais.
Notificado da decisão sumária veio o recorrente reclamar para a conferência por entender que o entendimento da decisão sumária no sentido de que o recurso teria em vista apenas a retoma das licenças de saída jurisdicionais é redutora.
Explícita que após a decisão recorrida o recluso recorrente viu a sua vida levar um forte revés, porquanto lhe foi imediatamente aplicado o castigo de proibição de trabalho nas estufas, (sendo que esse local se situa fora de muros do estabelecimento prisional), a sua alocação àquele trabalho nas estufas implicava que também vivesse em residência externa às camaratas/alas e o modo de execução da pena foi alterado pois foi-lhe revogado o regime aberto, tendo o castigo sido averbado na sua ficha biográfica.
Mais alega que:
«Assim, a razão de ser do recurso, mormente com o alcance prático do mesmo, ao ser proferido Acórdão de provido, prende-se objectivamente com todo este manancial de situações práticas (advindas da questão jurídica discutida naqueles autos de incumprimento) que afectaram sobremodo e para o futuro a execução da pena de prisão do condenado.
O condenado só pode vir a retomar o seu status quo ante no caso de prolação de Acórdão que dê provimento ao seu recurso, e esse status quo ante, mais importante que a retomada das licenças de saída jurisdicionais se prende com o próprio modo de execução da pena, seja, com a retomada do regime aberto, com a retomada do trabalho nas estufas, com a retomada da sua afectação às residências externas do estabelecimento prisional, e, não menos importante ser a sua ficha biográfica revista no sentido de ser averbado o arquivamento do processo de incumprimento, pois que como é consabido tal registo afecta de maneira negativa a apreciação de concessão de liberdade condicional.»
Conclui que: «…o alcance prático na vida do condenado recorrente vai muito mais longe do que a retoma dos pedidos de saídas jurisdicionais (sendo que apenas a título meramente informativo, mal transcorreu o tal prazo foi solicitada a concessão de uma LSJ a qual foi indeferida), as quais, muito embora importantes, não são o fim único do alcance do recurso (nem nunca o foram) pois que as demais questões possuem uma forte relevância (presente e futura) prática quer na vida do recorrente quer no modo do cumprimento de pena bem ainda no alcance de eventual concessão de liberdade condicional (pois que a análise de um processo de um recluso com averbamento de incumprimento de LSJ influi negativamente na análise daquela).
Existe, ainda, um outro alcance prático muito importante, que resulta necessariamente com a elaboração dos relatórios, pois que, normalmente os técnicos de reinserção fazem alusão a este tipo de castigos e concluem os mesmos no sentido de serem desfavoráveis à concessão da medida em apreciação.»
Pretende que o recurso oportunamente interposto seja apreciado e decidido em conferência como requer.
Explicitado o interesse em agir do recorrente o que se aceita sem questionar passamos a analisar o recurso por via de Acórdão a proferir em conferência como se requer.
São os seguintes os argumentos do recorrente expressos nas conclusões do seu recurso:
«1.- O presente recurso vem interposto da decisão (refª 5469201) proferida pelo Tribunal de Execução de Penas do Porto notificada ao Mandatário via notificação electrónica em 23.01.2023 (refª 5553426) onde se decidiu revogar a LSJ e condenar o recorrente pelo máximo da taxa de justiça aplicável;
2.- Muito embora o incidente de incumprimento siga a tramitação do CEPMPL o que é certo é que na integração de lacunas se aplica subsidiariamente o CPP, pelo que, a decisão de revogação de LSJ se trata de uma decisão final, e, como tal carece de fundamentação, tal como o prescreve o n° 5 do Art. 97.° do CPP (o qual incorpora uma exigência constitucional) referindo que "os actos decisórios são sempre fundamentados, devendo ser especificados os motivos de facto e de direito da decisão";
3.- O dever de fundamentação das decisões judiciais resulta, desde logo, de imposição constitucional, nos quadros do n.º 1 do Art.º 205.º da Constituição da República Portuguesa («As decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei».), densificando-se legalmente, desde logo, no prescrito no Art. 97.º nº 5 do CPP e no Art.º 154.º do Cód. De Processo Civil (o qual se aplica às decisões do TEP por força da remissão do CEPMPL - Art. 154.º CEPMPL - para o CPP e deste para o CPC, nos termos do Art. 4.º no que respeita a integração de lacunas);
4.- Todos os atos decisórios, como se referiu, têm que ter fundamentação (artigo 97.º, n.º 5, CPP, artigo 205.º, n.º 1, CRP), imperativo que decorre do direito a um processo justo e equitativo (artigo 20.º, n.ºs 1 e 4, da CRP), do principio da legalidade, do principio da segurança jurídica e da protecção da confiança (Art.s 2.ºe 13.º da CRP) e, ainda, de obrigações internacionais, a que Portugal se encontra adstrito (artigo 6.º, n.º 1, da CEDH, aplicável por força do artigo 8.º, n.º 2, CRP);
5.- O Tribunal deve indagar e pronunciar-se sobre todos os factos que tenham sido alegados pela acusação, pela contestação ou que resultem da discussão da causa e se mostrem relevantes para a decisão (o que no caso em concreto - atento que se trata de um incidente de incumprimento de uma licença de saída jurisdicional – se traduz em pronuncia sobre o auto de noticia, as declarações da “queixosa”, e, as declarações -quer orais quer escritas - do condenado beneficiário da LSJ, o que manifestamente não fez, como estava obrigado pelo estatuído nos Art.s 368.º nº 2 e 374.º nº 2 do CPP, os quias se aplicam por remissão for força do Art. 154.º CEPMPL, estando de igual modo inquinada por violação do preceituado no Art. 205.º CRP;
6.- O tribunal não pode deixar de se pronunciar sobre a verificação/não verificação de todos os factos que lhe são levados ao conhecimento, o que resulta quer do teor do auto de noticia quer das declarações do arguido;
7.- O tribunal não elencou as provas, nem delas fez uma análise critica, onde alicerçou a sua convicção e subsequente decisão;
8.- A falta de fundamentação, in casu, configura uma violação do nº 2 do Art. 374º e do nº 4 do Art. 97º, ambos do C.P.Penal, configurando uma inconstitucionalidade por inviabilização de uma garantia fundamental de defesa - a fundamentação - como tal consagrado na 1ª parte do nº 1 do Art. 32º da Constituição da República Portuguesa; a aludida violação configura a nulidade da al. a) do Art. 379º, nulidade esta, insanável, já que, não contem a sentença no seu todo qualquer facto que possa explicar a opção da condenação;
9.- Neste sentido, vide, Acórdão, datado de 18.01.2011, da Relação de Lisboa tirado no âmbito do processo 1670/07.4TAFUN-A.L1-5, disponível em www.dgsi.pt:
II- De acordo com o art.374, nº2, CPP, a fundamentação da sentença penal, é composta por dois grandes segmentos, um consiste na enumeração dos factos provados e não provados, outro na exposição, concisa, mas completa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que contribuíram para a formação da convicção do tribunal;
III- O exame crítico deve consistir na explicitação do processo de formação da convicção do julgador, concretizado na indicação das razões pelas quais, e em que medida, determinado meio de prova ou
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