Acórdão nº 2952/21.8T8OAZ.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 2023-02-13

Ano2023
Número Acordão2952/21.8T8OAZ.P1
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto
Apelação nº 2952/21.8T8OAZ.P1
Processo da 5ª secção do Tribunal da Relação do Porto (3ª Secção cível)
Tribunal de origem do recurso: Juízo de Comércio de Oliveira de Azeméis - Juiz 2

Relatora: Eugénia Maria de Moura Marinho da Cunha
1º Adjunto: Maria Fernanda Fernandes de Almeida
2º Adjunto: Teresa Maria Sena Fonseca

Acordam os Juízes do Tribunal da Relação do Porto

Sumário (cfr nº 7, do art.º 663º, do CPC):
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I. RELATÓRIO

Recorrentes: AA e BB

AA e BB, vieram instaurar o presente processo especial para acordo de pagamento alegando, em síntese, encontrarem-se em situação económica difícil, mas ainda em situação de recuperação, e manifestando a sua vontade em estabelecer negociações com os seus credores, de modo a concluir com estes um acordo de pagamento.
Foi proferido o despacho previsto no artigo 222º-C, n.º 4 do CIRE.
A Sr. A.J.P. elaborou e juntou aos autos lista provisória de créditos.
Foram deduzidas impugnações, já decididas.
Nos termos previstos no artigo 222º-F, n.º 2 do CIRE, os requerentes remeteram ao Tribunal a versão final do acordo de pagamento (refª 41270432).
Foi o acordo publicitado através do portal CITIUS.
Comunicou a Sr. A.J.P. o resultado da votação:
- as declarações de voto expressamente emitidas representam 91,37% do total de créditos com direito de voto;
- os votos favoráveis representam 84,81% do total de créditos com direito de voto;
- os votos contra representam 6,56% do total de créditos com direito de voto.
- ao crédito de CC, de natureza subordinada, corresponde a 19,64% dos créditos com direito de voto.
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Foi proferida sentença com a seguinte parte dispositiva:
“Pelo exposto, ao abrigo do disposto nos artigos 194º, 215º e 222º-F, n.º 5, todos do CIRE, decide-se recusar a homologação do acordo de pagamento aprovado nestes autos.
Registe e notifique.
Custas pelos devedores – cfr. art. 222º-F, n.º 9 do CIRE.
Valor – o da alçada do Tribunal da Relação - cfr. artigo 301º do CIRE”.
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Os Requerentes, não conformados, apresentaram recurso de apelação da sentença que recusou a homologação do acordo de pagamento aprovado, pretendendo seja a mesma revogada e substituída por outra que determine a homologação do plano, apresentando, para tanto, “Alegações” de recurso com as seguintes, aperfeiçoadas, “Conclusões”:
1) Os Recorrentes não concordam com a Sentença de recusa da homologação do Acordo de Pagamento, por entender que o Tribunal não considerou os factos constantes dos autos, não fez uma correta aplicação do direito, pelo que deverá a mesma ser revogada e substituída por outra que determine a homologação do plano.
2) A proposta de plano de pagamento não ofende as normas imperativas e a não homologação do plano colocaria os credores numa situação pior em caso de insolvência, pois os credores comuns não seriam ressarcidos.
3) O princípio da igualdade dos credores, consagrado no art.º 194.º do CIRE, embora imperativo, não pode ser visto em termos absolutos, pois não impõe sempre uma identidade de tratamento entre créditos com idêntica classificação (podendo existir diferenciações em função de concretas circunstâncias), nem implica toda e qualquer solução de tratamento diferenciado entre créditos de natureza diversa, implicando uma avaliação da proporcionalidade, adequação e razoabilidade.
4) No que respeita ao primeiro fundamento invocado pelo Tribunal ad quo para recusa do plano (quanto à previsão dos créditos de natureza comuns e pagamento integral do crédito ao Banco 1..., incluindo juros e perdão de juros quanto aos demais credores), os Recorrentes estabeleceram apenas a previsão de perdão dos juros reclamados e constantes da Lista de Créditos Reconhecidos (daí a referência no plano à expressão “juros reclamados”) e quanto ao Banco 1..., não constando da Lista a existência de juros reclamados, os Recorrentes não estabeleceram essa previsão.
5) Na Lista de Créditos Reconhecidos, consta que o crédito reconhecido, no valor de 8.899,17€ ao Banco 1... foi reconhecido a título de capital (não constando o reconhecimento de juros), não sendo os mesmos obrigados a supor algo que não consta da Lista e que não foi reconhecido pela Sra. AJP.
6) A previsão de perdão de juros reclamados quanto a alguns credores não viola o princípio da igualdade, nem se mostra excessiva, desproporcionada ou desrazoável, atento o valor irrisório destes e o facto de não haver qualquer previsão de redução do capital da totalidade dos credores comuns.
7) O crédito do Banco 1... é proveniente de contrato de mútuo e resulta de um processo executivo instaurado, onde ocorreu penhoras aos Recorrentes.
8) Não existe violação do princípio da igualdade, pois consta expresso no plano que o eventual tratamento diferencial dos credores, dos créditos tributários, das instituições financeiras, comparativamente aos demais credores resulta da natureza dos respetivos créditos, do escopo prosseguido por essas instituições e do valor dos créditos.
9) No que se refere ao segundo fundamento invocado pelo Tribunal ad quo (previsão no plano de uma diferenciação para os créditos que são superiores ou inferiores a € 1.000,00, com previsão de pagamento até 90 e 120 prestações), não ocorre violação do principio da igualdade, pelos seguintes motivos: quase totalidade dos créditos reclamados se refere a créditos comuns, a diferenciação é necessária de molde aos Recorrentes conseguirem proceder ao pagamento das prestações mensais razoáveis face aos seus rendimentos mensais equivalentes ao SMN e o seu agregado familiar constituído por três filhos, com nove, sete e dois anos de idade.
10) As diferenciações aludidas não estabelecem uma desigualdade de tratamento entre credores que seja manifestamente desproporcionada, excessiva ou desrazoável e, assim, deve-se considerar que as mesmas respeitam o princípio da igualdade, sob a perspetiva do princípio da proporcionalidade.
11) No que se refere ao terceiro fundamento invocado pelo Tribunal ad quo (pagamento do crédito de natureza subordinada nos mesmos moldes dos créditos comuns), os Recorrentes não concordam com a decisão, pois na Lista de Créditos Reconhecidos (onde se basearam para fazer o plano) o crédito de CC foi reconhecido como comum e não como subordinado.
12) Na sindicância da observância do princípio da proporcionalidade e da eventual diferenciação dos credores, a lei deixa aos credores a decisão sobre o destino do processo (o plano foi aprovado por grande maioria dos credores de 84,81%), e o objetivo que norteia este processo é evitar a insolvência dos Recorrentes.
13) Nesta medida entende-se não haver, na referida diferenciação, uma patente e manifesta violação do princípio da igualdade, sob a perspetiva do princípio da proporcionalidade, pelo que em face de tudo o até aqui exposto, conclui-se que o Acordo de Pagamento também não viola o disposto no art.º 194º do CIRE e, por isso, a apelação deve proceder – o que ora se requer”.
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Não foram apresentadas contra-alegações.
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Após os vistos, cumpre apreciar e decidir o mérito do recurso interposto.
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II. FUNDAMENTOS
- OBJETO DO RECURSO
Apontemos as questões objeto do presente recurso, tendo presente que o mesmo é balizado pelas conclusões das alegações dos recorrentes, estando vedado ao tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que se imponha o seu conhecimento oficioso, acrescendo que os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do ato recorrido – cfr. arts 635º, nº4, 637º, nº2 e 639º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil.
Assim, as questãões a decidir são as seguintes:
1- Do meio processual utilizado: o Processo Especial para acordo de pagamento (PEAP) e seu específico regime;
2- Da verificação ou não do fundamento de não homologação do Acordo de pagamentos firmado no âmbito do PEAP, ou seja se o “Acordo de Pagamento” viola o princípio da igualdade entre credores.
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II.A – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
1. FACTOS PROVADOS
Os factos relevantes para a decisão, vicissitudes processuais, constam já do relatório que antecede, mais se acrescentando que decidido se mostra nos autos que resulta da certidão de nascimento de BB que o credor CC é Pai do Requerente BB e, por isso, o crédito daquele é um crédito subordinado – cfr. arts. 48º e 49º n.º 1 al. b) do CIRE.
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II.B - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
1º- Do Processo Especial para acordo de pagamento (PEAP)

Tendo o legislador decidido restringir a aplicação do processo especial de revitalização às empresas, criou um outro processo, especial e autónomo, destinado às pessoas singulares. Alterou os preceitos que regulam o Processo especial de revitalização – arts 17º-A e segs - e aditou ao CIRE os artigos 222º-A a 222º-J pelo DL 79/2017, de 30/6, que entrou em vigor no dia 1 de julho de 2017 (v. o seu art. 8º), criando um outro processo especial – o Processo Especial para Acordo de Pagamentos (PEAP).
Trata-se, na verdade, de um processo especial, como a própria lei o assume, e novo, sendo que “Em consequência da desnecessária restrição do processo especial de revitalização às empresas, viu-se o legislador obrigado a criar um novo processo de recuperação para as entidades sem natureza empresarial, denominado processo especial para acordo de pagamento (PEAP), totalmente moldado sobre o regime daquele, às vezes com reprodução quase integral dos preceitos relativos ao PER. É assim que este artigo é muito semelhante ao art. 17º-A. Melhor seria, por isso, ter deixado o processo de revitalização aplicar-se aos devedores não empresariais, o que era aliás a doutrina maioritária, evitando assim uma desnecessária duplicação de processos.
Conforme salientam Ana Alves Leal/Cláudia Trindade, RDS IX (2017), 1, pág 80, o elemento distintivo essencial entre o PER e o PEAP “não é só o facto de o PER se destinar a devedores empresários é o facto de também pressupor a recuperabilidade destes,
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