Acórdão nº 2944/19.7T8PNF.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 2023-01-23

Ano2023
Número Acordão2944/19.7T8PNF.P1
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto
Apelação n.º 2944/19.7T8PNF.P1
Tribunal Judicial da Comarca do Porto Este, Juízo do Trabalho de Penafiel - Juiz 1

Autor: AA
Ré: Companhia de Seguros X..., S.A.
_______
Nélson Fernandes (relator)
Rita Romeira
Teresa Sá Lopes
______________________

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto

I. Relatório
1. Por participação entrada em juízo no dia 23/10/2019, foi dado conhecimento da eventual ocorrência de um acidente de trabalho, em que teria sido vítima AA.

Decorrida a fase conciliatória, as partes não chegaram a acordo, pois que a Entidade seguradora declinou a responsabilidade, por considerar que o acidente não se caracteriza como acidente de trabalho e que ocorreu por violação das regras de segurança por parte do Sinistrado.

Veio o Sinistrado requerer a abertura da fase contenciosa do processo, contra Companhia de Seguros X..., S.A., pedindo que seja esta condenada a pagar-lhe: o capital de remição da pensão anual de €930,43, devida a partir de 28/09/2019; a quantia de € 20,00 a título de despesas de deslocações para comparência em Tribunal; a quantia de €1.498,18 de diferenças de indemnização pelos períodos de incapacidade temporária; e juros de mora à taxa legal, vencidos e vincendos, sobre todas as prestações, até integral pagamento.
Em síntese, alegou que no dia 27/05/2019 sofreu um acidente de trabalho, quando exercia funções de carpinteiro por conta própria, auferindo a retribuição anual de €8.400,00, sofreu um acidente de trabalho, tendo cortado os 2.º a 5.º dedos da mão direita e tendo como consequência dor, sensação de arrefecimento e perda de sensibilidade nos dedos afetados, o que lhe determina uma IPP de 15,8237%, com alta clínica em 27/09/2019.

A R. deduziu contestação, na qual, em síntese: aceitou a existência do contrato de seguro, mas já não a caracterização do acidente como laboral, alegando, para o efeito, que o Autor introduziu a mão direita no interior da máquina, ultrapassando a zona das barbatanas, com a máquina ligada e a serra de corte em funcionamento, tendo sido colhido pela serra de corte, sendo que esse sabia que a operação de desencravamento só pode ser efetuada com a máquina desligada, tendo assim violado o disposto em normas legais e os deveres gerais de cautela, sabendo que era proibido colocar as mãos no interior da máquina em funcionamento, tendo incorrido num comportamento descuidado e temerário; sustenta que a única causa do acidente foi a negligência grosseira do Autor, que descaracteriza o acidente como laboral; sem prescindir, alega ainda que ocorreu uma violação das regras de segurança da máquina, que o Autor conhecia, tendo violado normas e condições de segurança previstas na lei, bem como as prescrições de segurança da máquina, que conhecia e eram visíveis.
Conclui pela improcedência da ação.

Saneados os autos, foram de seguida fixados os factos assentes, delimitado o objeto do litígio e indicados os temas de prova.

No apenso respetivo, foi decidido que o Autor, por força do sinistro em causa nos autos, é portador de uma IPP de 11,7%.

Realizada a audiência de discussão e julgamento, foi depois proferida sentença, de cujo dispositivo consta:
“Pelo exposto, julga-se a acção parcialmente procedente e, em consequência:
1) Declara-se que o A., AA, sofreu acidente de trabalho;
2) Absolve-se a R. Companhia de Seguros X..., S.A. do pagamento ao A. dos danos decorrentes do acidente em causa, face à sua descaracterização.
Custas a cargo do A., nos termos do disposto no artigo 527º nºs. 1 e 2 do CPC.
Valor da acção – € 11.267,23 (cfr. artigo 120º do CPT).
Registe e notifique.”

2. Inconformado, apresentou o Autor requerimento de interposição de recurso, formulando no final das suas alegações as conclusões que seguidamente se transcrevem:
………………………………
………………………………
………………………………
2.1. Contra-alegou a Ré, concluindo no final pela manutenção da sentença proferida.

2.2. O recurso foi admitido em 1.ª instância como apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e com meramente devolutivo.

3. Subidos os autos a esta Relação, aberta vista ao Ministério Público junto deste Tribunal, o Exmo Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido da procedência do recurso.
***
Cumpridas as formalidades legais, cumpre decidir:

II – Questões a resolver
Sendo pelas conclusões que se delimita o objeto do recurso (artigos 635., n.º 4, e 639.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil (CPC) – aplicável ex vi artigo 87.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho (CPT) –, integrado também pelas que são de conhecimento oficioso e que ainda não tenham sido decididas com trânsito em julgado, são as seguintes as questões a decidir: (1) reapreciação da matéria de facto; (2) saber se o Tribunal errou no julgamento quanto à aplicação do direito, ao ter descaraterizado o acidente como de trabalho.

III - Fundamentação
A- Da sentença recorrida consta em pronúncia sobre a matéria de facto (transcrição):
Da discussão da causa resultaram provados os seguintes factos:
Factos assentes por acordo:
A) O A. nasceu em .../.../1956;
B) À data de 27/05/2019 o A. auferia a retribuição anual de € 600,00 x 14 meses, num total de € 8.400,00 pelo exercício de funções de carpinteiro por conta própria;
C) No dia 27/05/2019, cerca das 10h30m, no exercício dessa actividade, numa fábrica sita em ..., ..., Paredes, o A. foi vítima de um acidente, quando se encontrava a operar uma máquina designada por “seccionadora”, da marca Giben, modelo ..., na qual cortou os 2º, 3º, 4º e 5º dedos da mão direita;
D) À data indicada em B) a responsabilidade por acidentes de trabalho em que o A. fosse interveniente encontrava-se transferida para a R. pela quantia indicada em B), por meio de contrato de seguro titulado pela apólice nº ..., que vigorava sob a modalidade de prémio fixo, nos termos constantes das condições gerais e especiais juntas a fls. 92 a 100 dos autos e que se dão por integralmente reproduzidas;
E) A máquina identificada em C) é de corte de madeira, equipada com uma serra de corte e cujo manuseamento implica um elevado risco de acidente;
F) Por esse motivo, a referida máquina possui diversas protecções de segurança, as quais vêm instaladas de origem;
G) Por um lado, após ser ligada, a máquina dispõe de um dispositivo de segurança que apenas acciona a serra de corte após a placa se encontrar totalmente colocada no interior da máquina;
H) A máquina possui também umas “barbatanas”, as quais se encontram colocadas à entrada da zona de acesso e a todo o comprimento da máquina;
I) Estas “barbatanas” impedem que o operador tenha contacto directo com as partes móveis da máquina, nomeadamente com a serra de corte e conduzem os resíduos de corte para o sistema de aspiração central;
J) O A. procedia ao corte de placas de aglomerado de madeira, tendo, para o efeito, colocado essas placas na zona de acesso;

Factos demonstrados por produção de prova:
K) O A. teve alta clínica definitiva em 10/07/2019;
L) Na fase conciliatória do processo, o A. teve obrigatoriamente de se deslocar desde a sua residência, uma vez ao GML de Penafiel e outra vez a este Tribunal;
M) Quando o A. procedia ao corte de placas de aglomerado de madeira na máquina indicada em C), depois de ter cortado uma das placas de madeira, as “aparas” dessa placa ficaram presas nas “barbatanas” de protecção;
N) Para tentar desencravar a máquina, o A. introduziu a sua mão direita no interior da máquina, ultrapassando a zona das “barbatanas”;
O) Com a máquina ligada e a serra de corte em funcionamento;
P) Tendo, por esse motivo, sido colhido pela serra de corte, que originou o corte dos dedos indicados em C);
Q) O A. tinha trabalhado com a máquina identificada em C) cerca de 20 vezes em cerca de dois anos, antes do acidente;
R) O A. sabia e não podia ignorar que uma operação de desencravamento das
“aparas” de madeira só pode ser efectuada com a máquina desligada;
S) O A. sabia que era proibido colocar as mãos no interior da máquina com a mesma em funcionamento;
T) A máquina possui sinalização de segurança com a seguinte inscrição: “ATENÇÃO – NUNCA ENFIE AS MÃOS DEBAIXO DOS PRENSADORES”;
U) A causa única do acidente residiu, unicamente, no facto de o A. ter introduzido a sua mão direita no interior da máquina, ultrapassando a zona de protecção, para retirar as “aparas” de madeira sem ter cuidado de, previamente, desligar a máquina;
V) Em consequência do acidente em causa nos autos o A. sofreu como lesões esfacelo grave dos 2º, 3º, 4º e 5º dedos da mão direita e amputação distal do 2º dedo da mesma mão, apresentando como sequelas cicatrizes na face palmar dos 2º a 5º dedos da mão direita, amputação da falange distal do 2º dedo, rigidez da inferfalângica distal do 3º dedo, limitação no enrolamento dos 4º e 5º dedos da mão direita em dextro;
W) Em consequência do acidente em causa nos autos o A. sofreu um período de ITA de 28/05 a 10/07/2019, data da alta clínica, sendo o A., consequentemente, portador de uma IPP de 11,7%.

Da discussão da causa não resultaram provados os seguintes factos:
1) O A. cortou os dedos, na data, momento e local indicados em C) quando se encontrava a cortar uma placa de madeira;
2) O A. teve alta clínica definitiva em 27/09/2019;
3) Em consequência directa e necessária do acidente, resultaram para o A. dor, sensação de arrefecimento e perda de sensibilidade nos dedos afectados.
Consigna-se que os pontos K), V) e W) foram incluídos na matéria de facto provada por terem resultado da prova produzida no processo, mais precisamente do exame de junta médica realizada no apenso, e ao abrigo do disposto no artigo 5º nº 2 alíneas a) e b) do CPC.”
*
B) - Discussão
1. Matéria de facto
Nas conclusões 25.ª a 29.ª faz o Recorrente considerações sobre a prova e eventuais factos, assim ao dizer: que “conforme resulta da motivação da decisão de facto da sentença ,a MMª Juiz “a quo”
...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT