Acórdão nº 294/22.0BELRA-S1 de Tribunal Central Administrativo Sul, 29-11-2022

Data de Julgamento29 Novembro 2022
Ano2022
Número Acordão294/22.0BELRA-S1
ÓrgãoTribunal Central Administrativo Sul
Acordam em Conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

I - Relatório
S...., com os demais sinais nos Autos, veio apresentar Ação Administrativa Comum, contra o Estado Português, para efetivação de responsabilidade civil por atraso na realização da justiça, peticionando a atribuição de uma indemnização de 18.000€.

O Estado Português/Ministério Público veio na sua contestação suscitar a prescrição do direito reclamado.

Efetivamente, afirmou o Ministério Público que tal como o Autor configura a ação a produção dos danos que alega situa-se pelo menos desde o ano de 2015 em que registava já 10 “longos e penosos” anos, pelo que ao ter proposto a presente ação em 2022, tendo o Réu sido citado em 8 de abril de 2022 há muito havia decorrido o prazo de prescrição de três anos previsto no artigo 498.º do Código Civil.

Ao invés, afirmou o Autor que, na senda da jurisprudência mais recente dos tribunais superiores que, no âmbito da responsabilidade civil extracontratual do Estado por atraso na justiça, o prazo de prescrição apenas tem o seu início após a conclusão do processo.

No que aqui releva, discorreu-se no Despacho Saneador proferido em 1ª instância, em 31 de maio de 2022:
“No âmbito da Lei n.º 67/2007, de 31 de dezembro, aplicável in casu, e no que ao prazo de prescrição concerne, dispõe o artigo 5.º que “O direito à indemnização por responsabilidade civil extracontratual do Estado, das demais pessoas coletivas de direito público e dos titulares dos respetivos órgãos, funcionários e agentes bem como o direito de regresso prescrevem nos termos do artigo 498.º do Código Civil, sendo-lhes aplicável o disposto no mesmo Código em matéria de suspensão e interrupção da prescrição”, remetendo, assim, este preceito para o Código Civil, mormente para o vertido no artigo 498.º, n.º 1 segundo o qual “o direito de indemnização prescreve no prazo de três anos, a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete, embora com desconhecimento da pessoa do responsável e da extensão integral dos danos, sem prejuízo da prescrição ordinária se tiver decorrido o respetivo prazo a contar do facto danoso”.
Ora, tal regime já resultava expressamente do artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 48051, de 21 de novembro em vigor à data da construção da A17, facto que a Autora reputa de ilícito e que sustenta a sua pretensão, porquanto nos termos do referido normativo “O direito de indemnização regulado nos artigos anteriores prescreve nos prazos fixados na lei civil.”
Ora, ainda recorrendo ao CC, preceitua o artigo 306.º que “o prazo da prescrição começa a correr quando o direito puder ser exercido”, fazendo o legislador corresponder este momento, em matéria de responsabilidade civil extracontratual do Estado, ao conhecimento do direito que compete ao interessado.
Sendo certo que o artigo 498.º do CC determina o prazo decorrido o qual prescreve o direito do interessado, bem como o momento a partir do qual este prazo tem início, não define, contudo, em concreto, em que se consubstancia o “conhecimento do direito”, nomeadamente qual a intensidade ou o tipo de conhecimento que o interessado deve demonstrar.
Esta questão foi já objeto de tratamento jurisprudencial, destacando-se desde logo, o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, proferido no processo n.º 00949/14.3BEPRT, de 5/2/2016 no qual se pode ler que:
“1. O prazo da prescrição começa a contar a partir do momento em que o direito pode ser exercido (artigo 306º, nº1, do Código Civil), sendo que, no âmbito específico da prescrição do direito de indemnização, presume o legislador que o mesmo pode ser exercido a partir do momento do seu conhecimento pelo lesado, embora desconheça ainda a pessoa do responsável e a extensão integral dos danos (artigo 498º, nº1, do Código Civil).
2. Este conhecimento não implica um conhecimento jurídico, bastando um conhecimento empírico dos factos constitutivos do direito; tal conhecimento do direito não terá de coincidir, nem exige, qualquer reconhecimento judicial de algum dos pressupostos da responsabilidade civil extracontratual dos entes públicos.”
(…)
Cumpre, ademais, sublinhar a remissão operada pelo artigo 5.º da Lei n.º 67/2007, de 31 de dezembro e, bem assim do Decreto-Lei n.º 48051, de 21 de novembro para as causas de suspensão e interrupção da prescrição previstas no CC, destacando-se, com especial relevo, o disposto no artigo 323.º, nos termos do qual “1. A prescrição interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer ato que exprima, direta ou indiretamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o ato pertence e ainda que o tribunal seja incompetente. 2. Se a citação ou notificação se não fizer dentro de cinco dias depois de ter sido requerida, por causa não imputável ao requerente, tem-se a prescrição por interrompida logo que decorram os cinco dias. 3. A anulação da citação ou notificação não impede o efeito interruptivo previsto nos números anteriores. 4. É equiparado à citação ou notificação, para efeitos deste artigo, qualquer outro meio judicial pelo qual se dê conhecimento do ato àquele contra quem o direito pode ser exercido.”
Ora, desde logo, cumpre ressaltar que não se vislumbram quaisquer causas de suspensão ou interrupção do prazo prescricional, para além daquela que se encontra prevista no artigo 323.º, n.º 1 do CC, a saber, a “citação ou notificação judicial de qualquer ato que exprima, direta ou indiretamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o ato pertence e ainda que o tribunal seja incompetente”, sendo que apenas poderá operar, caso se chegue à conclusão de que tal prazo ainda se encontrava a correr à data da citação do Réu.
Volvendo ao caso dos autos, temos que o Autor propôs ação administrativa em 18 de abril de 2005, referindo que apenas em 26 de março de 2015 foi proferida sentença, portanto, “volvidos longos e penosos 10 anos”, atraso que nas palavras do Autor “resultou, como é evidente, na produção de danos não patrimoniais para o ora demandante”.
Acrescenta, contudo, que em 23 de abril de 2015 o réu nesses autos reclamou para a conferência da decisão proferida, a qual foi julgada improcedente e novamente interpôs recurso, o qual apenas veio a ser decidido por acórdão datado de 19 de dezembro de 2018, negando provimento ao recurso.
Pois bem, sendo certo que, à primeira vista poderíamos localizar o conhecimento do direito pelo Autor, pelo menos, em 2015, a verdade é que não podemos olvidar a natureza do presente processo e, bem assim, a jurisprudência mais recente dos Tribunais superiores a este respeito.
Com efeito, tem sido jurisprudência praticamente unânime (e que se acompanha) a de que nos processos em que se coloca em crise a violação do direito a uma decisão em prazo razoável, apenas após o trânsito em julgado da decisão final na ação a que respeite corresponde ao momento em que o lesado tem conhecimento do seu direito, tendo início nessa data o prazo de prescrição vertido no artigo 498.º, n.º 1 do Código Civil
(…)
De facto, como se pode ler na fundamentação do Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 6 de fevereiro de 2020, proferido no processo n.º 03/16.3BEALM “Com base nestes dispositivos, e tomando como referência, para efeitos de contagem do prazo de prescrição, a data de 28.01.11 – referente a um requerimento apresentado ao TCAS pela recorrente em que a mesma peticiona “a prolação da douta sentença atento o longo período de tempo já decorrido” (considerado este o momento em que o lesado toma consciência de que o processo tem uma duração excessiva) – e as datas de 04.01.16 e 07.01.16 – datas, respetivamente, da propositura da ação de responsabilidade e da citação do R. –, o acórdão recorrido conclui no sentido da verificação, in casu, da exceção de prescrição do direito de indemnização, porque ultrapassado o supra mencionado prazo de 3 anos.
Em nosso entender, este raciocínio linear não toma na devida conta a circunstância de que estas situações de indemnização por atraso na justiça são situações sui generis, estando-se em face de um non facere, além do mais não reportado a nenhum prazo específico. Acresce a isto que estamos no âmbito do exercício de um direito que tem uma fonte simultaneamente...

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