Acórdão nº 294/22.0T9VCD.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 2022-09-07

Ano2022
Número Acordão294/22.0T9VCD.P1
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto
Processo: 294/22.0T9VCD.P1

Acordam, em conferência, na Segunda Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto:

1. RELATÓRIO
No Processo (contraordenação) nº294/22.0T9VCD do Juízo Local Criminal ... - Juiz 3, foi em 14.04.2022 proferida sentença, e na mesma data depositada, na qual – ao que aqui interessa - se decidiu julgar totalmente improcedente o recurso de impugnação judicial interposto pela arguida “R..., Lda.” e, em conformidade, manter a decisão administrativa que a condenou no pagamento de uma coima no valor de €1.250,00 (mil duzentos e cinquenta euros), bem como no pagamento de custas no valor de €52,50 (cinquenta e dois euros e cinquenta cêntimos), pela prática de uma contra-ordenação p. e p. pelo artigo 28º nº 2 do Decreto-Lei nº 257/2007, de 16 de Julho.
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Inconformada com esta decisão, dela interpôs recurso a arguida, para este Tribunal da Relação do Porto, com os fundamentos descritos na respetiva motivação e contidos nas seguintes “conclusões”, que se transcrevem:
CONCLUSÕES
1. Nos factos dados como provados nenhuma menção é feita à realização das diligências probatórias, designadamente a pesquisa de veículos e respectiva data.
2. Pelo que esta o Tribunal impedido de concluir que a prazo de prescrição foi interrompido 6/04/2020.
3. Dispõe o nº 2 do artigo 374º do CPP que a Sentença tem que mencionar os factos dados como provados, pelo que o Tribunal a quo violou esse requisito não incluir tal factualidade nos factos provados.
4. Tal violação acarreta a nulidade da sentença conforme prescreve a alínea a) do nº 1 do artigo 379º do CPP.
5. A decisão administrativa não faz qualquer referência à data supostas diligências probatórias, pelo que em momento algum poderia o Tribunal concluir que as mesmas foram realizadas a 06/04/2020 ou mesmo sequer em qualquer outra data.
6. Não poderia o Tribunal a quo ter-se socorrido de uma presunção judicial para apurar a data da realização das supostas diligências probatórias.
7. A ser feita, essa presunção teria de ser sólida, bem fundamentada, não dando margem para que ocorra qualquer erro judiciário, o que não acontece no caso concreto.
8. Ou seja, tinha de existir uma prova bem fundamentada de determinado facto para podermos concluir pela existência do outro, devendo existir uma conexão racional forte entre os dois, o que não acontece no caso concreto.
9. A pesquisa de uma listagem de veículos, por iniciativa da autoridade administrativa, que se limita a confirmar o conteúdo do auto de notícia (e até já vimos que isso nem aconteceu) quando este não foi sequer questionado pela defesa, constitui um expediente abusivo da autoridade administrativa com vista a obstar ao decurso do prazo de prescrição do procedimento e por isso, não pode ser tida como apta a interromper o prazo de prescrição.
10. A referência a “exames e buscas” referida no artigo 28º do RGCO transmite a ideia de necessidade de realização de diligências de prova que sejam estritamente necessárias e que revelem alguma complexidade e morosidade ou que, requeridas pela defesa, atrasem relevantemente o decurso do processo.
11. A simples inserção de folhas com datas resultantes de meras pesquisas de bases de dados (e não buscas) não pode ser usada como uma medida de “gestão” das interrupções dos prazos prescricionais.
12. Esse é um uso abusivo que a alínea b) do nº 1 do artigo 28º do RGCO não permite.
13. Pelo exposto ando mal o Tribunal a quo ao considerar que a inclusão das folhas com pesquisas de bases dados constitui uma diligência de prova.
14. Compulsada a douta sentença do Tribunal a quo, não se pode senão concluir que a mesma é omissa aos elementos subjectivos do tipo contra-ordenacional imputado à sociedade arguida, na parte da respectiva fundamentação de facto, isto é, nos factos que foram dados como provados em tal decisão.
15. E mesmo na decisão administrativa a alusão ao elemento subjectivo é feita de forma escassa e com base em generalidades e raciocínios meramente teóricos.
16. Assim, face ao supra exposto, conclui-se que nos factos dados como provados na decisão administrativa recorrida e também na douta sentença do Tribunal a quo, não consta nenhuma factualidade relativa, v.g., à consciência e vontade por parte da Arguida/Recorrente ou que não actuou com o cuidado a que, segundo as circunstâncias, estava obrigada e de que era capaz – em caso de negligência.
17. Pelo que os factos dados como provados omitem a imputação subjectiva da conduta à sociedade arguida, não se mostrando possível, com base em tal omissão de factos provados na decisão, imputar à sociedade arguida nem uma conduta dolosa nem negligente.
18. Implicando tal nulidade a anulação da decisão administrativa recorrida, e a remessa dos presentes autos novamente à entidade administrativa recorrida, de modo a que profira nova decisão administrativa expurgada dos vícios ora constatados (cfr. art. 122.º, n.º 1 e 2 do CPP, aplicável ex vi n.º 1 do art. 41.º do RGCO) (vide, neste sentido, o acórdão da Relação de Évora, de 22/4/2010, processo n.º 2826/08.8TBSTR.E1, in www.dgsi.pt), o que se requer!
19. Além da prescrição objecto do presente recurso, pode, na pendência deste recurso, ocorrer o prazo máximo de prescrição, incluindo suspensões e interrupções que no caso concreto é de 4 anos e meio.
20. Caso tal se verifique, desde já invoca a prescrição para todos os efeitos legais.
21. Deve ser declarada a prescrição do processo de contraordenação.
22. Deve a arguida ser absolvida da contraordenação, anulando-se, desta forma a decisão administrativa que a condenou, tudo com as legais consequências.
23. O Tribunal a quo violou o nº 2 do artigo 374º, 379º nº 1 alínea a), 374º e 122º nº1, todos do Código do Processo Penal.
24. O Tribunal a quo violou o artigo 28º, 62º nº1, 27º b), 28º nº1 b), 58º nº1 c), 8º e 41º nº1, todos do Decreto-Lei nº 433/82 de 27 de outubro (RGCO)
25. Caso não o tivesse feito o Tribunal a quo teria considerado prescrito o procedimento contraordenacional e assim Absolvido a Arguida.
26. Ou teria julgada nula a decisão administrativa por falta de menção suficiente ao elemento subjetivo.
Nesses termos e nos demais de Direito:
Deve o Recurso ser admitido e julgado totalmente procedente e, em consequência:
Deve ser declarada a Prescrição do procedimento contraordenacional
Ser a arguida ser absolvida da contraordenação, anulando-se a decisão administrativa que a condenou;
Ser ainda a arguida absolvida do pagamento das custas, tudo com as legais consequências.
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O recurso foi regularmente admitido a subir imediatamente, nos próprios autos e com o legal efeito.
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Respondeu o Ministério Público junto do tribunal a quo às motivações de recurso vindas de aludir, entendendo que o recurso deve ser julgado totalmente improcedente, mantendo-se integralmente a decisão recorrida.
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Neste Tribunal da Relação, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
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Na sequência da notificação a que se refere o art.417º, nº 2, do Código de Processo Penal, foi efetuado exame preliminar e, uma vez colhidos os vistos legais, foram os autos submetidos à conferência.
Cumpre apreciar e decidir.
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2. FUNDAMENTAÇÃO
Nos termos do art.75º, nº 1, do Dec. Lei nº 433/82, de 27/10 (RGCO), com as alterações introduzidas pelo Dec. Lei nº 244/95, de 14/09, em processo de contraordenação, se o contrário não resultar do referido diploma, o Tribunal da Relação apenas conhece da matéria de direito, sem prejuízo, como resulta do Ac. de Fixação de Jurisprudência do STJ, nº 7/95, de 19/10, in DR 298/95, 1ª Série, de 28/12/1995, do conhecimento oficioso dos vícios indicados no art.410º, nº 2, do Código de Processo Penal.
Não tem deste modo aplicação no processo de contraordenação a reapreciação da matéria de facto nos termos amplos da impugnação prevista no art.412º, nº3, do Código Processo Penal.
Diferente é saber se o Tribunal da Relação pode ou não pronunciar-se sobre questões não tratadas na decisão de 1.ª instância (e por isso designadas de "questões novas"), porque não alegadas aquando da impugnação judicial da decisão da autoridade administrativa.
Sobre este problema a jurisprudência dominante tem entendido que: "O objeto do recurso jurisdicional não está limitado pelo conteúdo da decisão recorrida, podendo ser conhecidas questões que não foram apreciadas na decisão impugnada, com o limite previsto no art. 72.º-A do RGCO." - cfr. ac RG 04.04.2016 (processo n.º 141/15.0T8VFL.G1) www.dgsi.pt.
Assim, nos termos do art. 410.º, n.º 1, do CPP, "o recurso pode ter como fundamento quaisquer questões de que pudesse conhecer a decisão recorrida", com a limitação inerente ao pedido - isto é, desde que alegadas aquando da interposição do recurso, uma vez que a "motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões (...) em que o recorrente resume as razões do pedido" (cf. art. 412.º, n.º 1, do CPP).
Neste sentido o ac STJ (AUJ) n.º 3/2019, de 2 de julho, Diário da República n.º 124/2019, Série I de 2019-07-02, fixou a propósito a seguinte jurisprudência: " «Em processo contraordenacional, no recurso da decisão proferida em 1.ª instância o recorrente pode suscitar questões que não tenha alegado na impugnação judicial da decisão da autoridade administrativa.».
Em suma, no processo de contraordenação, o recurso jurisdicional pode ter como fundamento quaisquer questões de que pudesse conhecer a decisão recorrida, desde que alegadas e desde que constituam questão de direito, não se devendo entender que não possam em sede de recurso existir "questões novas" [1].
O tribunal da Relação poderá conhecer de quaisquer questões (sejam ou não "questões novas") em matéria de direito, e ainda quaisquer questões integrantes da chamada revista alargada (cf. art. 410.º, n.º 2, do CPP), bem como quaisquer nulidades que não se considerem sanadas, desde que arguidas ou desde que de
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