Acórdão nº 2936/22.9 BELSB de Tribunal Central Administrativo Sul, 2023-01-12

Ano2023
Número Acordão2936/22.9 BELSB
ÓrgãoTribunal Central Administrativo Sul
ACORDAM NA SECÇÃO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL

I. RELATÓRIO
1. D. F., com os sinais dos autos, deduziu no TAC de Lisboa um pedido de intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias contra o Instituto dos Registos e do Notariado, IP, pedindo a intimação deste a ordenar que se proceda imediatamente à integração do seu registo do nascimento.
2. O TAC de Lisboa, por sentença datada de 27-10-2022, julgou a acção procedente e, em consequência, intimou o IRN a dar andamento ao procedimento despoletado pelo requerente, com as vinculações que elencou, no prazo de 10 dias.
3. Inconformado, o IRN, IP interpôs recurso de apelação daquela sentença, tendo concluído a sua alegação nos seguintes termos:
I – A INTIMAÇÃO PARA A DEFESA DE DIREITOS, LIBERDADES E GARANTIAS, regulada nos artigos 109º a 111º do CPTA, é um meio principal e urgente de tutela jurisdicional efectiva, assumindo um carácter restrito quanto ao seu objecto e uma natureza subsidiária em relação aos outros meios processuais existentes;
II – O seu objectivo principal é concretizar o disposto no artigo 20º, nº 5 da Constituição da República Portuguesa (CRP) que estabelece que “para a defesa dos direitos liberdades e garantias pessoas a lei assegura aos cidadãos procedimentos judiciais caracterizados pela celeridade e prioridade, de modo a obter tutela efectiva e em tempo útil contra ameaças ou violações desses direitos”;
III – O regime dos direitos liberdades e garantias aplica-se aos direitos fundamentais de natureza análoga, de acordo com o disposto no artigo 17º daquela Lei Fundamental;
IV – Não obstante, a subsidiariedade referida em relação aos outros meios processuais de reacção jurisdicional, configura-se no sentido de que a INTIMAÇÃO PARA A DEFESA DE DIREITOS, LIBERDADES E GARANTIAS, não é a via normal a utilizar em situações de lesão ou ameaça de lesão de direitos, liberdades e garantias;
V – A via normal de reacção será a propositura de uma AÇÃO ADMINISTRATIVA NÃO URGENTE - neste caso, de condenação à prática de acto devido, regulada nos artigos 66º a 71º do CPTA – associada ou não, conforme o caso concreto, a um pedido de decretamento de uma providência cautelar;
VI – É o que resulta da doutrina e jurisprudência maioritárias bem como, claramente, do disposto nos artigos 26º da LN e 62º do RN;
VII – Cabe ao interessado/requerente demonstrar, nos termos do disposto nos artigos 342º do CC e 5º, nº 1 do CPC, aplicável “ex vi” artigo 1º do CPTA, que a sua pretensão configura(m) um (vários) direito(s), cuja tutela jurisdicional efectiva tem de ser garantida de forma urgente, provando, ainda que sumariamente, a ameaça de lesão ou o início de lesão desse ou desses direitos, bem como a indispensabilidade da adopção pela Administração de determinada conduta para assegurar, em tempo útil, o regular exercício do(s) mesmo(s);
VIII – O aqui requerente/recorrido não logrou demonstrar, nem provar, minimamente, o requisito da urgência, a iminência da lesão e a referida imprescindibilidade da adopção por parte da Administração (CRCentrais) da actuação pretendida, como legalmente se lhe impõe;
IX – Sendo linear que a urgência não pode resultar e não resulta da mera invocação da natureza fundamental do(s) direito(s) alegadamente ofendido(s) ou em vias do o ser. A urgência tem que resultar, inequivocamente, dos factos alegados e provados pelo interessado.
X – A alegação vaga e genérica de uma violação que se adjectiva de ilegal, grosseira e permanente do(s) direito(s) do requerente/recorrido à nacionalidade portuguesa, europeia e à identidade pessoal, a qual se traduz, também, na violação dos direitos civis, políticos e eleitorais daquele, porque não concretiza, nem especifica, as circunstâncias factuais reveladoras da urgência e imprescindibilidade de uma decisão de mérito por parte da Conservatória dos Registos Centrais Administração, não cumpre os requisitos previstos no artigo 109º do CPTA e traduz-se numa utilização indevida e até, abusiva, do presente meio processual de tutela jurisdicional efectiva;
XI – Mais ainda, quando se trata de indivíduo que não é apátrida, nem está indocumentado (pois apresenta nos autos cópia certificada do seu passaporte), sendo certo que não pode beneficiar do princípio da equiparação vertido no artigo 15º da Constituição da República Portuguesa porque, simplesmente, não reside em Portugal!
XII – Destarte, verifica-se existir nos presentes autos uma EXCEPÇÃO DILATÓRIA INOMINADA ou APENAS INOMINADA, por impropriedade ou inadequação do meio processual utilizado pelo requerente/recorrido, nos termos do artigo 89º, nºs 1, 2 e 4 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA) e dos artigos 576º, nºs 1 e 2 e 577º do Código do Processo Civil (CPC), estes aplicáveis “ex vi” artigos 1º e 35º do CPTA que não foi devidamente atendida pela sentença, a qual se deveria ter abstido de conhecer do mérito nos presentes autos;
XIII – Por outro lado, inserindo-se a conduta pretendida por parte da Administração num procedimento administrativo legalmente previsto e regulado, como é o caso patenteado nos presentes autos (Lei e Regulamento da Nacionalidade Portuguesa e ainda DL nº 308-A/75, de 24 de Junho) e verificando-se que a CRCentrais ainda não iniciou a análise do processo de transcrição do nascimento do requerente/recorrido no registo civil português por força do imenso atraso que se verifica naquele serviço de registo, impor-se-á, legitimamente, considerar que a situação dos autos não configura nenhum incumprimento do dever de decisão, para efeitos do disposto no artigo 129º do CPA;
XIV – A sentença de que se recorre ignorou todo o exposto nos pontos anteriores e, ao não rejeitar liminarmente a presente intimação, por impropriedade ou inadequação do meio processual utilizado, violou os normativos referidos no ponto precedente (XII);
XV – Mais, ao deferir o pedido do requerente/recorrido o qual, como se demonstrou não se encontra minimamente fundamentado, violou os princípios da universalidade, da igualdade e da imparcialidade, consagrados nos artigos 12º e 13º da CRP e 6º, 8º e 9º do CPA e incorrerá ainda, porventura, no vício de falta de fundamentação e/ou falta de especificação dos fundamentos de facto em que alicerça a decisão tomada, para os efeitos do disposto no artigo 615º, nº 1, alínea b), primeira parte do CPC, aplicável “ex vi” artigos 1º e 35º do CPTA;
XVI – Pelo exposto, será de entender que estamos perante uma INUTILIDADE SUPERVENIENTE DA LIDE, pelo que a sentença em causa deverá ser revogada e substituída por outra que, não incorrendo nos apontados vícios, ABSOLVA O RECORRENTE DA INSTÂNCIA.
ASSIM NÃO SE CONSIDERANDO QUE, SEM CONCEDER, AINDA ASSIM SE PREVÊ POR DEVER DE
PATROCÍNIO:
XVII – A sentença de que se recorre carece de fundamentação quanto à matéria de facto fazendo, consequentemente, uma errada aplicação dos normativos aplicáveis ao caso “sub judice”, normativos que acima melhor se concretizaram, apresentando-se ferida de nulidade e devendo, por isso, ser revogada e substituída por outra que ABSOLVA O RECORRENTE DO PEDIDO”.
4. O requerente contra-alegou, tendo para tanto formulado as seguintes conclusões:
I. O recurso é inepto porque não contém conclusões coerentes nem indica as normas jurídicas que considera violadas;
II. A interposição do recurso tem, como objectivo principal prejudicar ao recorrido e impedir que ele possa exercer o seu direito à cidadania portuguesa.
III. O recorrente litiga descaradamente de má fé, pelo que deve ser condenado em multa e indemnização ao recorrido”.
5. Após o Senhor Juiz “a quo” ter emitido pronúncia quanto à invocada nulidade da sentença, foram os autos remetidos a este TCA e cumprido o disposto no artigo 146º do CPTA, não tendo o Digno Magistrado do Ministério Público junto deste tribunal emitido parecer.
6. Sem vistos aos Exmºs Juízes Adjuntos, vêm os autos à conferência para julgamento.

II. OBJECTO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR
7. Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelo recorrente, sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões da respectiva...

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