Acórdão nº 2922/20.3T8BRG-B.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 2023-02-16

Ano2023
Número Acordão2922/20.3T8BRG-B.G1
ÓrgãoTribunal da Relação de Guimarães

I- RELATÓRIO

Nos presentes autos em que é A. AA, e RR BB, CC, DD, AA, e EE, foi proferido nos autos o seguinte despacho (em 28 de Outubro de 2022):

“Apesar de notificada para indicar factos pessoais e susceptíveis de confissão, em relação a cada um dos RR., sobre os quais estes prestariam depoimento de parte, a A. indica para cada um deles quase todos os temas da prova, incluindo aqueles que integram factos que não lhes são pessoais e que por essa razão não podem resultar confessados.
Assim, indefere-se os depoimentos de parte dos RR.
Requerimento de 7 de março de 2022:
Entendendo que a complexidade da acção, revelada pela sua natureza e extensão dos temas da prova, não justifica o número de testemunhas para além do limite legal, indefere-se o requerido…”.
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Não se conformando com a decisão proferida, dela veio a A interpor o presente recurso de Apelação, apresentando alegações e formulando as seguintes conclusões:

“1 - O depoimento de parte (da parte contrária ou de co-réu) destina-se a obter a confissão, pelo que a sua admissibilidade depende de o conteúdo ser coerente com o disposto no art.º 452º do Código Civil, que a caracteriza como o reconhecimento que a parte faz da realidade de um facto que lhe é desfavorável e favorece a parte contrária.
2 - Os temas de prova fixados no douto despacho saneador, são amplos, complexos e comportam múltiplos factos e questões, pessoais e do conhecimento da partes.
3 - Significa isto que não estando os 14 temas de prova fixados de forma simples e discriminados, limitados a um só facto por tema, a realidade é que o depoimento deve ser admitido e a questão ou resposta apresentada em audiência ser aceite como confissão ou, se assim se não entender, é certo que a tal não obsta a possibilidade de o depoimento de parte ser livremente apreciado, quando não tenha carácter confessório, pois a questão em sede de apreciação do requerimento probatório não é a do valor probatório do depoimento prestado mas a da admissibilidade da sua prestação.
4 - Entende a recorrente que todos os temas de prova, já de si complexos, contêm matéria e factos, susceptíveis de confissão por parte de cada um e todos os réus.
5 - Entendemos, na esteira do Acórdão, aqui publicado: http://www.dgsi.pt/jtrg.nsf/-/9016413670BEBC5880257CD3004BDC78 proferido pelo Tribunal da Relação de Guimarães em 3/4/2014, Proc. N.º 3310/13.3TBBRG.G1 que a imposição da indicação discriminada dos factos sobre os quais há-de recair a prestação de declarações de parte, não impede que a parte requeira a prestação de declarações a toda a matéria. Isto é, o ónus que recai sobre a parte de discriminar os factos, não impede que a parte peça a prestação de declarações sobre toda a matéria.
6 - Entende a recorrente que o depoimento de parte dos réus, sobre os temas de prova que indicou – quase todos – deve ser admitido porque contém factos e matéria de conhecimento pessoal de todos os réus.
7 - É notório que as posições da recorrente e recorridos são divergentes.
8 - Divergência que se traduz na absoluta necessidade e utilidade dos depoimentos de parte, quer para as próprias partes quer para o tribunal (quer em matéria de confissão quer em matéria de livre apreciação da prova).
9 – A recorrente procedeu ao cumprimento, corrigindo, nos termos ordenados o seu requerimento probatório.
10 – A recorrente cumpriu o despacho do requerimento probatório com a pretendida indicação individualizada.
11 – A recorrente cooperou (princípio da cooperação artigo 7.º do CPC) com o Tribunal e cumpriu as determinações ordenadas.
12 - A não admissão dos depoimentos de parte requeridos pela recorrente, preclude todos os direitos de defesa constitucionalmente consagrados, atentas as posições distintas e divergentes constantes dos articulados.
13 – Não obsta a possibilidade de o depoimento de parte ser livremente apreciado quando não tenha carácter confessório, pois a questão em sede de apreciação do requerimento probatório não é a do valor probatório do depoimento prestado, mas a da admissibilidade da sua prestação.
14 - A recorrente e os co-réus, apresentaram, nos autos posições divergentes;
15 – O depoimento de parte dos co-réus acerca dos factos atrás referidos sempre será de admitir, pois o ónus que recai sobre a parte de discriminar os factos, não impede que a parte peça a prestação de declarações sobre toda a matéria.
16 - Resulta violado o princípio da preclusão do ónus da prova, artigo 414.º do CPC.
17 - A recorrente, salvo o devido respeito, que é muito, a causa, in casu, é de natureza complexa - quanto á natureza e extensão dos 14 temas de prova - e não se compadece, com o número legal de testemunhas, previsto no nº. 1 do artigo 511.º do CPC., pelo que, o despacho em crise deveria ter admitido a inquirição do número de testemunhas indicado ao abrigo do disposto no número 4 do artigo 511.º, tal como requerido.
18 - Atenta a natureza e extensão dos temas de prova, a recorrente entende que para o cabal exercício do contraditório se exigem depoimentos testemunhais para além do limite legal.
19 – O que aqui está em causa é o ónus da prova e contraditório entre versões diferentes de uma mesma realidade.
20 – A recorrente apenas excede o número legal em duas testemunhas, isto é indica meramente doze testemunhas e não 50 ou 100. Pois sendo um acréscimo tão diminuto não se descortina qualquer finalidade dilatória, nem constituirá grande encargo em termos de tempo. Sendo certo que entre ouvir 10 pessoas e ouvir 12, a diferença de tempo a despender com os presentes autos é muito pequena.
21 - O rol (12 testemunhas) permite o julgamento da matéria de facto segundo o exercício do principio da livre apreciação da prova e a decisão a obter segundo a prudente convicção do julgador que nessas circunstâncias a irá formar acerca de cada facto.
22 - No principio da livre apreciação da prova, o julgador atenderá a toda a prova produzida: A que as partes carrearam para o processo e A obtida em sede de julgamento.
23 - Os depoimentos prestados pelas testemunhas inquiridas e documentos juntos aos autos, formam, a final, a sua convicção acerca dos factos controvertidos.
Normas Jurídicas violadas: Artigo 414.º, 452.º e 511.º, n.º 4, todos do Código de Processo Civil.
Termos em que, com o douto suprimento de V. Exas deve ser concedido provimento ao presente recurso, Revogando-se o despacho que indeferiu o depoimento de parte dos Réus, DD, AA, BB e CC
Devendo ser substituído por outro que admita este depoimento de parte dos Réus indicados, bem como os requeridos depoimentos das doze testemunhas arroladas como meio da prova da recorrente…”.
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Dos autos não consta que tenha sido apresentada Resposta ao recurso.
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II- OBJETO DO RECURSO

Tendo em consideração que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações da recorrente (acima transcritas), a questões a decidir no presente recurso são:
- A de saber se deve ser admitido o depoimento de parte requerido pela A; e
- Se deve ser admitido o número de testemunhas indicado pela A (excedente ao legalmente permitido).
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III- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A matéria de facto a ponderar para a decisão da questão suscitada é a seguinte, que resulta da tramitação processual (e que se mostra omissa na decisão recorrida):

A - No final da petição inicial a A. indicou a prova a produzir nos autos, entre ela a seguinte: “…3- PROVA POR CONFISSÃO: DEPOIMENTOS DE PARTE dos seguintes réus que devem prestar depoimento de parte aos factos que possam confessar, nomeadamente:
a) O réu CC, aos factos constantes dos artigos 25 a 46, 53 a 56, 74 a 86, 88 a 106, 108 a 111 a 115, 119,120, 123 a 134, 158 a 160, 163, 166, 168 , 183 a 187, 191 e 192, 199 e 200 da p.i..
b) AA e FF aos constantes dos artigos 20, 47, 50,97, 100, 124 a 129, 130, 188 e 189, 191 e 192;
c) AA, DD e GG, aos factos constantes dos artigos 16, 20, 21, 22, 25, 26, 28, 29, 30 a 37, 38 a 46, 53, 54, 56, 59, 65 a 69, 102 a 104, 109, 110, 125 a 128 a 140, 154 (a ré DD) e 156 (só a DD), 158, 160, 161, 166, 183 a 187, 191 e 192.
4- DA PROVA TESTEMUNHAL… (A A. identificou 6 testemunhas).
B - Foi depois proferido (em 10.02.2022) despacho a fixar o objeto do litígio e a enunciar os seguintes temas da prova:
“4.1. Objecto do litígio: Através desta acção pretende a autora que, reconhecendo-se que o falecido/testador HH padecia de cegueira e quase surdez, o que não foi feito constar pela Notária, e por não lhe ter sido lido e explicado o conteúdo do documento impugnado, por violação do art.º 50.º do Notariado, seja declarado nulo o testamento lavrado a 30.05.2017, ou que, por estar o testador em situação de absoluta dependência física e psicológica dos réus, com exceção de CC, que o manipularam e o levaram a incompatibilizar-se com a autora e os seus filhos, o determinaram a fazer a deixa testamentária quando não tinha o livre exercício da sua vontade, nem tinha capacidade para entender o que declarava, seja anulado o testamento lavrado a 30.05.2017, seja por incapacidade acidental, nos termos do art.º 2199.º do Cód. Civil, seja por usura, nos termos do art.º 282.º do Cód. Civil.
4.2. Temas da prova: Assim, importa apurar o seguinte:
1.º Estado de saúde – físico – de HH a 30.05.2017, mormente saber se já tinha sido vítima de AVC, se sofria de diabetes, de cegueira e quase surdez, se...

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