Acórdão nº 2854/17.2T8GMR-A.G2 de Tribunal da Relação de Guimarães, 29-06-2023

Data de Julgamento29 Junho 2023
Ano2023
Número Acordão2854/17.2T8GMR-A.G2
ÓrgãoTribunal da Relação de Guimarães

Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

I. Relatório

E..., Lda., instaurou procedimento de decisão europeia de arresto de contas bancárias, nos termos previstos no Regulamento (EU) n.º 655/2014 do Parlamento Europeu e do Conselho de 15 de maio de 2014, contra AA, com residência em ..., requerendo a sua dispensa de constituição da garantia, a que alude o artigo 12.º do mesmo diploma, bem como que se decrete o arresto, sem audiência prévia do requerido, nos termos dos respetivos artigos 7.º e 15.º, para garantia da quantia descrita em valor da ação, respeitante a 104.909,61€, devendo o arresto recair sobre os saldos à ordem e aplicações financeiras detidas pelo requerido junto de banco(s) que operem em ..., devendo para o efeito o tribunal solicitar ao Estado Membro de Execução que obtenha as informações necessárias para permitir que sejam identificados o banco ou os bancos e a conta ou contas do requerido.
Após decisão de indeferimento liminar, revogada por acórdão deste Tribunal da Relação de Guimarães (de 16-02-2023) foi a requerente convidada a juntar formulário próprio previsto no artigo 8.o, n.º 1 do aludido Regulamento.
Procedeu-se à inquirição das testemunhas arroladas, após o que foi proferida decisão a julgar improcedente o procedimento.

Inconformada com o assim decidido, veio a requerente interpor recurso, terminando as respetivas alegações com as seguintes conclusões (que se transcrevem):

« A. Considerando a prova produzida em audiência de inquirição de testemunhas em conjugação com a prova documental já carreada nos presentes autos não se logra compreender o motivo pelo qual terem sido dados tão poucos factos dados como provados
B. Ao invés do que sucedeu o tribunal ad quo deveria ter dado como provado os pontos 15 a 25 da petição, considerando os documentos ..., ... e ... juntos com a petição inicial bem como a prova testemunhal indicada.
C. Devendo igualmente ser dado como provados os pontos 2 e 3 - dos fatos dados como não provados.
D. Afigura-se notório que o recorrido abandonou o nosso país, não aufere cá rendimentos bem como não tem bens suscetíveis de penhora.
E. É notório que o recorrido adotou uma conduta omissiva em não querer ressarcir o recorrente do seu crédito.
F. O recorrente instaurou uma execução há mais de cinco ano e até ao momento não foi possível encontrar bens suscetíveis de penhora.
G. O crédito tem origem em 05-06-2015.
H. Inclusive o apelado alterou a sua morada nas bases de dados públicas para o estrangeiro.
I. Estamos perante um empresário em nome individual que encerrou um estabelecimento, que se abstêm de responder às comunicações escritas.
J. Acresce que não foi possível proceder à cobrança do crédito no âmbito do nosso Ordenamento Jurídico, uma vez que o recorrido não tem detém qualquer bem em Portugal
K. Não conseguindo por esse motivo executar com “sucesso” alguma penhora de saldos bancários e/ou de qualquer género, mormente penhora de imóveis, viaturas automóveis, bens móveis não sujeitos a registo.
L. Considera o apelante que demonstrou e carreou aos autos indícios suficientes sobre as constantes interpelações de pagamento por via judicial e extrajudicial.
M. O apelado evidencia um propósito reiterado de não cumprir o pagamento do seu crédito, o qual será facilitado pela sua ausência no estrangeiro, sendo que esta dificulta a sua recuperação do crédito.
N. A não concessão desta medida leva a que exista um risco real de a execução subsequente quanto ao devedor/apelado seja consideravelmente dificultada ou frustrada de acordo com o artigo 7º/1 do regulamento.
O. Neste mesmo sentido o Ac. do tribunal da relação de lisboa proferido em 28-11-2017.
P. Como já dito no Ac. do Tribunal da Relação de Guimarães já proferido neste procedimento cautelar o abandono de Portugal e ir residir para o estrangeiro com intenção de não proceder ao pagamento das dívidas - é a nosso ver uma causa idónea a provocar num homem normal aquele receio, constituindo periculum in mora… “Em verdade, no caso sub judicio, a alegada situação concreta da ausência do requerido (devedor) para ir residir para o estrangeiro com intenção de se eximir ao pagamento das dívidas necessariamente dificulta a recuperação do crédito, e facilita e evidencia um propósito reiterado de não cumprir”
Q. Ao decidir como decidiu o tribunal ad quo violou o estatuído no artigo 7º do Regulamento 655/2014 e artigo 392º do C.P.C.
Nestes termos e nos melhores de direito do douto suprimento requer a V.ª Ex.ª digne admitir o requerido, julgando procedente o presente recurso e em sua consequência decretar a presente decisão europeia de arresto de contas bancárias».
O recurso foi admitido para subir de imediato, nos próprios autos, e com efeito suspensivo da decisão.
Os autos foram remetidos a este Tribunal da Relação, confirmando-se a admissão do recurso nos mesmos termos.

II. Delimitação do objeto do recurso

Face às conclusões das alegações da recorrente e sem prejuízo do que seja de conhecimento oficioso - artigos 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil (CPC) - o objeto da presente apelação circunscreve-se às seguintes questões:
A) Impugnação da decisão sobre a matéria de facto;
B) Reapreciação da decisão de mérito em face da eventual procedência da impugnação da matéria de facto: se estão verificados os requisitos necessários ao deferimento do procedimento de decisão europeia de arresto de contas bancárias.
Corridos os vistos, cumpre decidir.

III. Fundamentação

1. Os factos

1.1. Os factos, as ocorrências e elementos processuais a considerar na decisão deste recurso são os que já constam do relatório enunciado em I. supra, relevando ainda os seguintes factos considerados provados pela 1.ª instância na decisão recorrida:

Factos assentes
a) A requerente intentou, em 10/5/2017, procedimento de injunção contra o requerido no dia 03/02/2017, nos termos constantes do doc.... que aqui se junta e se dá por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais.
b) O requerido regulamento citado não deduziu oposição tendo sido aposta fórmula executória.
c) A requerente deu entrada no dia 20/05/2017, da execução de que os presentes autos são apenso, constituindo título o requerimento de injunção referido em a) e b).
d) No decurso da execução foram realizadas buscas pela agente de execução e realizadas várias diligências de penhora, mas não foi possível penhorar nenhum bem.
e) Durante as diligências de penhora não foi possível encontrar o requerido.
f) A agente de Execução apurou que o requerido se encontra a residir no estrangeiro.
g) A quantia exequenda ascende neste momento a mais de 9.000€.
h) O requerido alterou a sua morada nas bases de dados públicas para o estrangeiro.
Factos indiciariamente dados como provados
i) A Requerente é uma sociedade por quotas que se dedica ao comércio por grosso de produtos alimentares, bebidas e tabacos.
j) No âmbito da sua atividade, a Requerente vendeu ao Requerido, artigos do seu comércio cujas qualidades, quantidades e preços se encontram melhor descritos na fatura nº ...51, datada de 05/06/2015, com vencimento imediato, no valor de € 3.625,99, conforme doc.... que aqui se junta e se dá por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais.
k) Os bens foram vendidos e entregues ao Requerido o qual não apresentou qualquer reclamação.
l) O Requerido não procedeu ao pagamento do correspetivo preço, na sua integralidade, no prazo acordado.
1.2. Factos considerados não provados pela 1.ª instância na sentença recorrida:
1) O requerido exercia atividade de empresário em nome individual e os bens vendidos pela requerente destinavam-se ao comércio exercido.
2) O requerido abandonou Portugal de forma definitiva sem dar conhecimento aos credores da sua saída, com intenção de não proceder ao pagamento das dívidas.
3) O requerido encontra-se em situação económica difícil, sendo expectável que, a curto prazo, o seu património seja atacado pelos restantes credores.

2. Apreciação sobre o objeto do recurso

2.1. Impugnação da decisão relativa à matéria de facto

A apelante/autora vem impugnar a decisão relativa à matéria de facto incluída na decisão recorrida, nos seguintes termos:
i) o tribunal deveria ter dado como provado os pontos 15 a 25 da petição, considerando os documentos ..., ... e ... juntos com a petição inicial bem como a prova testemunhal indicada;
ii) devendo igualmente ser dado como provados os pontos 2 e 3 dos factos dados como não provados.
Tal como resulta da análise conjugada do disposto nos artigos 639.º e 640.º do CPC, os recursos para a Relação tanto podem envolver matéria de direito como de facto, sendo este último o meio adequado e específico legalmente imposto ao recorrente que pretenda manifestar divergências quanto a concretas questões de facto decididas em sede de sentença final pelo tribunal de 1.ª instância que realizou o julgamento, o que implica o ónus de suscitar a revisão da correspondente decisão.
Efetivamente, a impugnação da decisão de facto feita perante a Relação não se destina a que este tribunal reaprecie global e genericamente a prova valorada em 1.ª instância, razão pela qual se impõe ao recorrente um especial ónus de alegação, no que respeita à delimitação do objeto do recurso e à respetiva fundamentação[1].
No que respeita aos pontos da matéria de facto impugnados, a apelante indica expressamente os concretos pontos que considera incorretamente julgados, mais especificando a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre a matéria impugnada.
Por outro lado, a apelante enuncia os concretos meios probatórios que, no seu entender, determinam uma decisão diversa da proferida, indicando os elementos documentais que permitem minimamente a sua identificação e as concretas passagens da gravação com referência aos depoimentos das testemunhas.
Atenta a impugnação deduzida, cumpre...

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