Acórdão nº 2845/22.1T8CSC-D.L1-7 de Tribunal da Relação de Lisboa, 2024-03-05

Ano2024
Número Acordão2845/22.1T8CSC-D.L1-7
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam os Juízes na 7ª Secção do Tribunal da Relação e Lisboa

RELATÓRIO
1 Em 24 de agosto de 2022, a recorrida, autora nos autos, interpôs ação de divórcio sem consentimento do outro cônjuge, contra o recorrente, réu, invocando, além do mais, que desde janeiro de 2021, até ao presente, se encontram separados, não obstante terem vivido na mesma casa, no Luxemburgo, até fevereiro de 2022, data em que a apelada veio para Portugal, onde passou a viver, tendo o apelante permanecido no Luxemburgo.
2 Citado em 25 de novembro de 2022, o réu veio deduzir exceções de litispendência e incompetência internacional dos tribunais portugueses.
3 Alegou ter interposto ação de divórcio e de regulação das responsabilidades parentais contra a autora, num tribunal do Luxemburgo, no dia 13 de Outubro de 2022, o tribunal da residência habitual dos cônjuges até setembro de 2022, por isso o competente para tramitar a ação de divórcio.
4 Alegou ainda verificar-se situação de litispendência a ser conhecida e declarada nos presentes autos, porque a autora, ré, no processo do Luxemburgo, foi citada naqueles autos em data anterior à da citação do apelante nestes autos, pelo que, ao abrigo do regime processual que rege a litispendência, esta ação deve considerar-se interposta em segundo lugar.
5 O tribunal de primeira instância proferiu a seguinte decisão:
Assim sendo, e nos termos do disposto no artigo 3.º, al. a), ponto VI. e al. b) do Regulamento, este Tribunal de Família e Menores é competente internacionalmente para apreciar e julgar a presente Ação de Divórcio.
E, uma vez que a presente ação de divórcio foi instaurada antes de a ação de divórcio ter sido instaurada no Luxemburgo, verifica-se efetivamente uma situação de litispendência, cabendo assim, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 17.º, n.º 1, al. a) e 20.º, n.ºs 1 do Regulamento, comunicar ao Tribunal do Luxemburgo, para que este, oficiosamente – no que à matéria da regulação do divórcio concerne – suspenda oficiosamente a instância.
6 O réu, apelante, inconformado com a decisão do tribunal de primeira instância, recorreu. Concluiu as alegações, em suma, da seguinte forma:
CONCLUSÕES DO APELANTE
1) A última residência de ambos os cônjuges é indiscutivelmente no Luxemburgo, onde, ambos trabalhavam, tinham consultas médicas, onde a filha comum nasceu e onde ia à creche. Os cônjuges apenas deixaram de partilhar uma vida em comum em setembro de 2022.
2) A ação de divórcio intentada pela autora deu entrada em juízo no dia 24.08.2022 e o réu foi citado no dia 25.11.2022.
3) O réu deu entrada, nos Tribunais do Luxemburgo (concretamente no Tribunal d'Arrondissement de Luxembourg - Juge aux affaires familiales), de uma ação de divórcio no dia 13.10.2022, para a qual a autora foi citada no dia 16.11.2022.
4) Verifica-se entre ambos os processos situação de litispendência que, nos termos do disposto n.º 1 do artigo 580.º do Código de Processo Civil, pressupõe a repetição de uma causa – pedido, causa de pedir e partes.
5) De acordo com o n.º 1 do artigo 20.º do Regulamento (UE) 2019/1111, em situação de litispendência, o tribunal em que o processo foi instaurado em segundo lugar suspende oficiosamente a instância até que seja estabelecida a competência do tribunal em que o processo foi instaurado em primeiro lugar.
6) Considera-se proposta em segundo lugar a ação para a qual o réu foi citado posteriormente.
7) Neste caso, deve, pois, considerar-se interposta em segundo lugar a ação intentada no tribunal recorrido.
8) O Tribunal a quo aplicou, para determinar a competência internacional dos tribunais portugueses para a presente ação de divórcio, o Regulamento (UE) 2019/1111 do Conselho de 25 de junho de 2019 e considerou, contrariamente ao que o Réu havia invocado, que a presente ação foi intentada antes da ação interposta pelo Réu no Luxemburgo e que, por conseguinte, se consideraria anterior.
9) Do Regulamento 2019/1111 decorrem vários fatores gerais de conexão: a última residência dos cônjuges, a residência do cônjuge requerente e a nacionalidade dos cônjuges (artigo 3.º).
10) No caso concreto, está preenchido o critério previsto no ponto ii) da alínea a) do artigo 3.º: “a última residência habitual dos cônjuges, na medida em que um deles ainda aí resida”.
11) Estando verificado este requisito, não se vislumbram motivos para aplicar o critério da nacionalidade dos cônjuges, previsto na alínea b) do mesmo artigo.
12) Não há igualmente necessidade de aplicar o critério previsto no ponto vi) da al. a) do artigo 3.º, visto que o ponto ii) tem aplicação e atribui a competência aos tribunais luxemburgueses, nos quais, aliás já corre a competente ação.
13) Entende-se que o referido critério do ponto ii) da alínea a) se aplica antes de ser necessário recorrer àquele que prevê a competência dos tribunais do Estado-Membro da nacionalidade de ambos os cônjuges, o que, consequentemente, afasta in casu a competência dos tribunais portugueses, visto que a última residência comum foi no Luxemburgo e o Réu ainda reside neste país.
14) Os tribunais luxemburgueses são assim os competentes para julgar a presente ação, devendo os tribunais Portugueses assim decidir.
7 A apelada respondeu ao recurso, pugnando pela manutenção da decisão do tribunal a quo.
OBJETO DO RECURSO
8 O objeto do recurso é delimitado pelo requerimento recursivo, podendo ser restringido, expressa ou tacitamente pelas conclusões das alegações, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso e daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras (artigos 635.º, n.ºs 3 e 4, 639.º, n.º 1 e 608.º, n.º 2, do CPC). O tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista e é livre na interpretação e aplicação do direito (artigo 5.º, n.º 3, do CPC).
9 À luz do exposto, o objeto deste recurso consubstancia-se em analisar e decidir:
- da competência internacional dos tribunais portugueses;
- da litispendência.
FUNDAMENTOS DE FACTO
10 Os fundamentos fáctico-processuais a considerar para a decisão do presente recurso são as descritas no relatório desta decisão.
CONHECIMENTO DO OBJETO DO RECURSO
Enquadramento legal
REGULAMENTO (UE) 2019/1111 DO CONSELHO de 25 de junho de 2019
Artigo 3.º do Regulamento
São competentes para decidir das questões relativas ao divórcio, separação ou anulação do casamento, os tribunais do Estado-Membro:
a) Em cujo território se situe:
i) a residência habitual dos cônjuges,
ii) a última residência habitual dos cônjuges, na medida em que um deles ainda aí resida,
iii) a residência habitual do requerido,
iv) em caso de pedido conjunto, a residência habitual de qualquer dos cônjuges, v) a residência habitual do requerente, se este aí tiver residido pelo menos um ano imediatamente antes da data do pedido, ou vi) a residência habitual do requerente, se este aí tiver residido pelo menos durante seis meses imediatamente antes do pedido e se for nacional do Estado-Membro em questão; ou
b) Da nacionalidade de ambos os cônjuges.
Artigo 17.º, al a), do Regulamento
Considera-se que o processo foi instaurado:
a) Na data de apresentação ao tribunal do ato introdutório da instância, ou ato equivalente, desde que o requerente não tenha posteriormente deixado de tomar as medidas que lhe incumbem para que seja feita a citação ou a notificação ao requerido.
Artigo 20.º, n.ºs 1 e 3 do Regulamento
1. Quando os processos de divórcio, separação ou anulação do casamento entre as mesmas partes são instaurados em tribunais de Estados-Membros diferentes, o tribunal em que o processo foi instaurado em segundo
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