Acórdão nº 28287/20.5T8LSB-A.L1-1 de Tribunal da Relação de Lisboa, 2022-04-05

Ano2022
Número Acordão28287/20.5T8LSB-A.L1-1
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA



I.Relatório:


(….), melhor identificados nos autos, vieram, invocando para o efeito o disposto nos artigos 3.º, n.º 1, 20.º, n.º 1, 23.º, 25.º e 294.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (“CIRE”) e artigo 3.º do Regulamento (UE) n.º 2015/848 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20/05/2015, relativo aos processos de insolvência, requerer a declaração de insolvência da (…) LIMITED, sociedade comercial constituída ao abrigo das leis de Inglaterra e País de Gales, com o número de identificação de pessoa coletiva 08.....6, com sede em (…), Inglaterra, M3 3EB, Reino Unido, com representação permanente em Portugal, através da (…) SUCURSAL EM PORTUGAL, pessoa colectiva n.º 9........, com sede na Rua (…) , 1...-... - L____.

Para tanto, alegaram, em síntese, que são credores da requerida, pelo valor total de €2.294.329,00, vencido a 31/07/2020, correspondente ao remanescente do preço da venda das acções representativas do capital social da SOLARA4, S.A. e dos créditos que detinham sobre a mesma sociedade, acrescido de juros de mora. A SOLARA4, S.A. constituía o maior activo da requerida, que se encontrava a promover o desenvolvimento de um parque solar, sito em Alcoutim e Tavira, para a Central Fotovoltaica de Alcoutim, sendo titular da licença emitida pela Direcção Geral de Energia e Geologia (“DGEG”) para a Central Fotovoltaica de Alcoutim, com a potência total instalada de 219.085,3 kWp.

A requerida, entretanto, alienou as acções da SOLARA4 a uma outra sociedade do grupo e não detém bens ou rendimentos suficientes que lhe permitam solver os seus débitos, em especial os créditos dos requerentes.

Alegam ainda que o centro principal de interesses da requerida é em Portugal, o que, não obstante a sua sede se situar no Reino Unido, torna Portugal competente para abrir o processo principal de insolvência, e, mesmo que se entendesse não ser possível tanto verificar, ainda assim aos tribunais portugueses está cometida a competência para a abertura do processo de insolvência da requerida, à luz do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento (UE) n.º 2015/848 de 20/05/2015, ficando os efeitos do processo limitados aos bens do devedor que se encontrem em Portugal, como referido no artigo 294.º n.º 1 do CIRE, tanto mais que o presente pedido de declaração de insolvência é requerido por credores cujo crédito decorre da exploração, ou está relacionado com a exploração, de um estabelecimento situado no território do Estado-Membro (Portugal) em que é requerida a abertura do processo territorial. Nessa medida, alega, o processo de insolvência da requerida pode ser aberto antes de aberto o processo principal, pelo que se verifica também o cumprimento do requisito no n.º 4 do artigo 3º do Regulamento (UE) nº 2015/848 de 20/05/2015.
Terminam pedindo a declaração de insolvência da requerida e que a mesma seja qualificada de culposa.

A requerida foi citada, não tendo apresentado oposição no prazo legal, tendo o Tribunal a quo, ao abrigo do disposto no artigo 30.º, n.º 5, do CIRE, julgado confessados os factos alegados na petição inicial.

Após, considerando que os autos revestiam manifesta simplicidade, nos termos do artigo 567.º, n.º 3, do Código de Processo Civil (ex vi do artigo 17.º, do CIRE), o Tribunal proferiu sentença que culminou com o seguinte dispositivo:
«1.Declaro a insolvência da (…), pessoa coletiva n.º (…), com sede (…) em (…) Inglaterra, M3 3EB, Reino Unido, nos termos e com os efeitos previstos no artigo 294º, n.º 1, do CIRE;
2.Fixo residência aos administradores da insolvente nos seguintes termos (art.º 36º, nº 1, al. c) do CIRE):
a)- (…), Manchester, Inglaterra, M3 3EB, Reino Unido;
b)- (…) Wood Avoca, Wicklow Irlanda;
3. Como Administrador da Insolvência nomeio o Sr. Dr. PM..., constante da lista oficial de Administradores Judiciais inscritos na Comarca de Lisboa, com domicílio na Rua ..... ....., n.º ..., 1º ......, 0000-000-P_____ (arts. 36º, n.º 1 al. d) e 56º n.º 2 do CIRE).
4.Não se nomeia Comissão de Credores face à previsível reduzida dimensão da massa insolvente e simplicidade da liquidação (art.º 66º, n.º 2 do CIRE).
5.Determino que a insolvente proceda à entrega imediata ao administrador da insolvência dos documentos referidos no artigo 24.º, n.º 1 do CIRE, que ainda não se encontrem nos autos (art.º 36º, al. f), do CIRE).
6.Determino a imediata apreensão, para imediata entrega ao administrador da insolvência, dos elementos da contabilidade da insolvente e de todos os seus bens, ainda que arrestados, penhorados ou por qualquer forma apreendidos ou detidos (art.º 36º al. g) do CIRE).
7.Não há lugar à abertura de incidente de qualificação da insolvência (art. 295º al. b) do CIRE).
8. Fixo em 30 dias o prazo para a reclamação de créditos (art.º 36º n.º 1 al. j) do CIRE).
9.Não se designa dia para realização da Assembleia de Apreciação do Relatório a que alude o art.º 156º do CIRE, dada a composição da massa insolvente e o facto de a devedora não colocar qualquer hipótese de recuperação, sendo que não está em causa nenhuma das situações previstas no n.º 2 do art.º 36º (art.º 36º, al. n) do CIRE)
(…..)».

Não se conformando, apelou a insolvente, formulando, a final, as seguintes conclusões, que se reproduzem:
«1.O objecto do presente recurso é a decisão, vertida na sentença de primeira instância, que determinou a competência internacional do Tribunal a quo para decretar a insolvência da Requerida/Recorrente;
2.O Tribunal a quo decidiu ser competente para decretar a insolvência da Requerida/Recorrente, porquanto, e sem mais, entendeu: “Atento o disposto no artigo 126º do acordo de saída do Reino Unido da União Europeia, em conjugação com o disposto no artigo 3º, n.º 2, do Regulamento (UE) 2015/848 e o artigo 294, n.º 3, do CIRE, uma vez que a requerida tem estabelecimento em território nacional, o Tribunal é internacionalmente competente.”
3.Ora, a Requerida/Recorrente não se conforma com a decisão proferida, que acaba por determinar a sua insolvência, porquanto, é uma pessoa colectiva de direito inglês, “(…) LIMITED”, pessoa colectiva n.º 08.....6, com sede em 3 Hardman Square, Spinningfields, Manchester, Inglaterra, M3 3EB, Reino Unido;
4.Tem, a Recorrente, por presunção legal, o seu centro de interesses no local da sua sede, sendo este o critério (primeiro!) para determinar que os órgãos jurisdicionais competentes para decidir sobre a sua insolvência são os órgãos jurisdicionais do Reino Unido;
5.Não obstante a saída do Reino Unido da União Europeia, foi estabelecido um Acordo de transição para a estabilização da saída, que terminou em 30-12-2020; no qual se prevê (conforme os artigos 126 e 127, e no artigo 67º n.º 3 al. c) do Acordo de Saída) a continuação da aplicabilidade do Regulamento (UE) n.º 2015/848 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de Maio de 2015, às acções (em matéria civil e comercial, nas quais se aprecie a insolvência de pessoas colectivas) intentadas ainda durante o referido período de transição (sendo a presente acção intentada em juízo em 31-12-2020);
6.Pelo que, o Regulamento UE n.º 2015/848 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de Maio de 2015, é aplicável aos presentes autos, designadamente, as regras de competência internacional, no seu artigo 3º e seguintes, impondo-se tais regras ao estado português e seus órgãos jurisdicionais;
7.O Tribunal a quo ao decidir a questão da competência internacional, como decidiu, violou as regras estabelecidas para a determinação dessa competência, designadamente, violou os artigos e do Regulamento (UE) n.º 2015/848 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de Maio de 2015;
8.Os referidos preceitos legais estabelecem que, quer para a abertura do processo de insolvência, quer para a decisão de insolvência, de pessoa colectiva, são competentes os órgãos jurisdicionados do local da sua sede: “Os órgãos jurisdicionais do Estado-Membro em cujo território está situado o centro dos interesses principais do devedor são competentes para abrir o processo de insolvência («processo principal de insolvência»). O centro dos interesses principais é o local em que o devedor exerce habitualmente a administração dos seus interesses de forma habitual e cognoscível por terceiros. No caso de sociedades e pessoas coletivas, presume-se, até prova em contrário, que o centro dos interesses principais é o local da respetiva sede estatutária. Esta presunção só é aplicável se a sede estatutária não tiver sido transferida para outro Estado-Membro nos três meses anteriores ao pedido de abertura do processo de insolvência.”
9.O Tribunal a quo ao decidir, sem mais, e apenas com a referência (veja-se o texto da sentença recorrida) que a Requerida tem estabelecimento em território Português, como critério para determinar a sua competência internacional, violou o disposto nos artigos e do Regulamento (UE) n.º 2015/848 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de Maio de 2015;
10.Não se encontra demonstrado e fundamentado, na decisão recorrida, que a Recorrente não tem o seu centro de interesses no local da sua sede, exercício que se impunha ao Tribunal para afastar (mediante prova em contrário) a presunção legal que determina, como critério primeiro, a competência internacional quer para ser aberto um processo de insolvência quer para decretar a insolvência de pessoa colectiva (no caso, com sede no Reino Unido);
11.Apenas referir, como resulta da sentença recorrida, que a Requerida/Recorrente tem em Portugal um estabelecimento não é o critério legalmente estabelecido para declarar, em termos de competência internacional, a competência do Tribunal a quo para vir a declarar a insolvência da Requerida/Recorrente;
12.Nesses termos a sentença recorrida foi proferida com violação das regras de atribuição de competência internacional, pois resultam violadas
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