Acórdão nº 2821/15.0T8BRR.L1-1 de Tribunal da Relação de Lisboa, 2023-01-24

Ano2023
Número Acordão2821/15.0T8BRR.L1-1
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam as Juízas da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa
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1. Relatório
FLC foi declarado insolvente por sentença de 02/11/2015.
Formulou pedido de exoneração do passivo restante na oposição.
O pedido de exoneração mereceu a concordância do Administrador da Insolvência em relatório.
Realizou-se assembleia de apreciação do relatório, na qual os credores Banco… e Banco… declararam opor-se à exoneração do passivo restante.
Em 04/02/2016 foi proferido o despacho previsto no art.º 239º do CIRE, fixando-se como valor para assegurar o sustento do insolvente em valor equivalente a um salário mínimo nacional.
Por despacho de 22/09/2022 o tribunal decidiu: «Em suma, verificando-se que, durante o período de cessão, o devedor incumpriu o dever imposto pelos n.ºs 2 e 4, alínea c) art.º 239.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, decido, nos termos nos termos dos artigos 237.º, al. d), 244.º, n.ºs 1 e 2, e 245.º, n.º 1, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, recusar a exoneração definitiva do passivo restante de FLC.
Inconformado apelou o insolvente pedindo a procedência do presente recurso e a revogação da decisão recorrida, formulando as seguintes conclusões:
“A. A douta sentença recorrida não fez a adequada e justa ponderação dos factos de acordo com os elementos fornecidos pelo processo como não fez a boa aplicação do direito competente, que imporia decisão diferente;
B. A douta decisão recorrida é nula, porque não houve nem procedeu a uma análise critica da prova.
C. Não considerou, e é facto publico e notório que, em Angola, um cidadão igual e circunstancias iguais ao insolvente, num trabalho de quase sobrevivência, mas que é o que permite as suas poucas e fracas habilitações de canalizador, num país com um custo de vida muito elevado, para mais quem está deslocado e sem habitação e onde não há nem existem serviços de correios e postal e as comunicações. quando há, quando não falte a luz, quando seja possível ao insolvente acesso a locais onde existe serviços de internet e quando ao mesmo, pela sua entidade patronal sejam disponibilizados os suportes que lhe foram exigidos proceder à entrega à Exma. senhora fiduciária, já não falando nos próprios pagamentos do ordenado, possa cumprir pontualmente e escrupulosamente as injunções que estas circunstancias exógenas impedem em sede das obrigações impostas pelo Art.º 243 Nº 1 al a) do CIRE.
D. O recorrente nunca actuou com grave negligência ou sequer dolo, o que aliás nem sequer foi ou está provado ou resulta sequer da fundamentação da decisão recorrida;
E. O valor a ceder em sede de rendimento disponível tem como referência o valor de três ordenados mínimos nacionais;
F. O recorrente nunca se subsumiu ao incumprimento dos deveres consignados na al. a) Nº 1 do Art.º 243 do Código da insolvência e da Recuperação de Empresas.”
Não foram apresentadas contra-alegações.
O recurso foi admitido por despacho de 14/11/2022 (ref.ª 420525442).
Foram colhidos os vistos.
Cumpre apreciar.
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2. Objeto do recurso
Como resulta do disposto nos art.ºs 608º, n.º 2, aplicável ex vi art.º 663º n.º 2, 635º n.ºs 3 e 4, 639.º n.ºs 1 a 3 e 641.º n.º 2, alínea b), todos do Código de Processo Civil, sem prejuízo do conhecimento das questões de que deva conhecer-se ex officio e daquelas cuja solução fique prejudicada pela solução dada a outras, este Tribunal só poderá conhecer das que constem nas conclusões que, assim, definem e delimitam o objeto do recurso. Frisa-se, porém, que o tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito – art.º 5º, nº 3 do mesmo diploma.
Consideradas as conclusões acima transcritas são as seguintes as questões a decidir:
- nulidade da decisão recorrida;
- verificação de se estão reunidos os requisitos para que seja recusada a exoneração do passivo restante ao insolvente, nos termos do disposto no art.º 244º do CIRE.
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3. Fundamentos de facto:
Foi proferida, em 1ª instância, a seguinte decisão relativa à matéria de facto[1]:
“Dos relatórios apresentados pela sra. fiduciária e documentos anexos e dos dados dos autos resulta que:
1 - por despacho de 10/01/2019, na sequência do relatório apresentado pela sra. fiduciária, foi determinada a notificação do insolvente para entregar à sra. Fiduciária comprovativos dos rendimentos auferidos desde Julho de 2017 até essa data, bem como cópia da declaração e nota de liquidação do IRS de 2017;
2 - por despacho de 09/10/2019, na sequência do relatório apresentado pela sra. fiduciária, foi determinada a notificação do insolvente para entregar à sra. Fiduciária comprovativos dos rendimentos auferidos desde Agosto de 2018 até essa data, bem como cópia da declaração e nota de liquidação do IRS de 2018;
3 - na sequência destas notificações, o insolvente apenas entregou à sra. Fiduciária comprovativos dos rendimentos auferidos de Agosto de 2017 a Outubro de 2017;
4 - por despacho de 04/12/2019, na sequência da informação apresentada pela sra. fiduciária, foi determinada a notificação do insolvente (pessoalmente e através do ilustre mandatário constituído) para, no prazo de 10 dias, entregar à sra. fiduciária comprovativos dos rendimentos auferidos desde Novembro de 2017, bem como cópia da declaração e nota de liquidação do IRS de 2018;
5 - por requerimento de 03/01/2020, o insolvente juntou aos autos cópia da declaração e da nota de liquidação do IRS do ano de 2018;
6 - por despacho de 28/09/2020, na sequência da informação apresentada pela sra. fiduciária, foi determinada a notificação do insolvente para, no prazo de 10 dias, entregar à sra. fiduciária comprovativos dos rendimentos auferidos desde Janeiro de 2020 até então;
7 - na ausência de entrega dos documentos, foi renovado o despacho de 28/09/2020, determinando-se a notificação, também pessoal, do insolvente;
8 - nessa sequência, o insolvente entregou à sra. fiduciária cópia dos recibos de vencimento de Janeiro a Julho de 2019;
9 - por despacho de 10/12/2020, na sequência da informação apresentada pela sra. fiduciária, foi determinada a notificação do insolvente para, no prazo de 10 dias, entregar à sra. fiduciária comprovativos do recebimento dos subsídios de férias de 2018 e de 2019 e dos subsídios de Natal de 2017 e de 2018, nada havendo sido entregue;
10 - por despacho de 25/01/2021, na sequência da informação apresentada pela sra. fiduciária, foi determinada a notificação do insolvente para, no prazo de 10 dias, entregar à sra. fiduciária comprovativos do recebimento dos subsídios de férias de 2018 e de 2019 e dos subsídios de Natal de 2018, nada havendo sido entregue;
11 - por requerimento de 15/02/2021, o insolvente juntou aos autos cópia dos recibos de vencimento de Outubro de 2020 e Janeiro de 2021;
12 - foi renovado o despacho de 25/01/2021 no que respeita ao comprovativo do recebimento do subsídio de férias de 2019, não havendo sido entregue;
13 - no relatório apresentado em 12/08/2021, apurou-se o rendimento disponível total de €2.075,30;
14 - por requerimento de 31/08/2021, o insolvente juntou aos autos cópia da declaração de IRS do ano de 2020 e do recibo de vencimento de Outubro de 2020;
15 - por despacho de 06/10/2021, foi determinada a notificação do insolvente (pessoalmente e através do ilustre mandatário constituído) para, no prazo de 10 dias, entregar à sra. fiduciária comprovativos dos rendimentos auferidos em Novembro e Dezembro de 2020, Janeiro a Julho de 2021, a nota de liquidação do IRS de 2020 e recibos de vencimento respeitantes ao Subsídio de Férias de 2019 (2.º ano de cessão) e ao Subsidio de Natal de 2017 (1.º ano de cessão), bem como para proceder ao pagamento da quantia já apurada em dívida à fidúcia ou apresentar proposta de regularização que se contivesse no período de cessão;
16 - por requerimento de 18/10/2021, o insolvente juntou aos autos cópia dos recibos de vencimento de Outubro a Dezembro de 2020, Janeiro a Julho de 2021, da declaração de IRS do ano de 2019 e da nota de liquidação de IRS do ano de 2020;
17 - no relatório apresentado em 20/12/2021, apurou-se o rendimento disponível total de €2.667,15;
18 - por despacho de 18/01/2022, foi determinada a notificação do insolvente para, no prazo de 10 dias, entregar à sra. fiduciária comprovativos do recebimento do subsídio de Natal de 2017, do subsídio de férias de 2019, do subsídio de Natal de 2020 e do subsídio de férias de 2021, bem como para proceder ao pagamento da quantia já apurada em dívida à fidúcia ou apresentar proposta de regularização que se contivesse no período de cessão;
19 - na sequência desta notificação não foram entregues os documentos em falta, nem o montante em dívida à fidúcia;
20 - por despacho de 21/03/2022, foi renovado o despacho de 18/01/2022, determinando-se a notificação, também pessoal, do insolvente;
21 - por requerimento de 31/03/2021, o insolvente juntou aos autos cópia do recibo de vencimento de Dezembro de 2021;
22 - no relatório apresentado em 20/04/2022, apurou-se o rendimento disponível total de € 3.206,32;
23 - por despacho de 16/05/2022, foi determinada a notificação do insolvente (pessoalmente e através do ilustre mandatário constituído) para, no prazo de 10 dias, entregar à sra. fiduciária comprovativos dos rendimentos auferidos desde Agosto de 2021 a 11/04/2022, bem como comprovativo do recebimento dos subsídios de Natal de 2017, 2020 e 2021 e dos subsídios de férias de 2019 e 2021, bem como para proceder ao pagamento da quantia já apurada em dívida à fidúcia (€ 3.206,32), com a advertência da possibilidade de recusa da exoneração do passivo restante;
24 - na sequência desta notificação, o insolvente não entregou à sra. Fiduciária documentos comprovativos dos rendimentos auferidos desde Agosto de 2021 a 11 de Abril de 2022, nem comprovativos do recebimento
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