Acórdão nº 282/21.4T8CPV.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 2024-02-19

Ano2024
Número Acordão282/21.4T8CPV.P1
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto
Processo nº 282/21.4T8CPV.P1
(Comarca de Aveiro – Juízo de Competência Genérica de Castelo de Paiva)

Relator: António Mendes Coelho

1º Adjunto: Jorge Martins Ribeiro

2º Adjunto: Carlos Gil

Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

I Relatório[1]

AA e BB, casados no regime de comunhão de adquiridos, instauraram ação declarativa de condenação e impugnação da existência do direito acautelado contra Junta de Freguesia ..., freguesia ..., concelho de Castelo de Paiva, na sequência do decretamento de providência cautelar de ratificação judicial de embargo de obra nova proferida no âmbito do processo nº 139/21.9T8CPV que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro – Juízo de Competência Genérica de Castelo de Paiva, apensada a estes autos.

Peticionam a declaração da caducidade da providência cautelar decretada e o reconhecimento de que os autores são os donos e legítimos proprietários de parcela de terreno integrada no prédio rústico inscrito na matriz da freguesia ... sob o artigo n.º ...02, e descrito na Conservatória do Registo Predial de Castelo de Paiva sob o n.º ...78, e a condenação da ré na respetiva desocupação e restituição, e na abstenção de prática de qualquer ato que impeça ou diminua o uso e fruição da mesma pelos autores.

Alegam que, por força de partilha em vida, são os donos e legítimos proprietários de tal parcela de terreno, onde se encontra inserido o campo de futebol objeto das obras embargadas. Mais alegam que inexistiu qualquer doação da parcela de terreno à ré, tendo a mesma sido emprestada verbalmente, a título gratuito, para uso como campo de jogos pelo povo do Lugar ....

Mais alegaram que interpelaram a ré para restituir o campo, sem sucesso, e que a Câmara Municipal encetou negociações com os autores, para compra e venda da parcela de terreno.

A ré contestou, alegando que a parcela de terreno foi doada pelos pais da autora à freguesia e que a partilha em vida excecionou esta da parcela de terreno que foi atribuída aos autores, o que está vertido para a escritura, e que foi omitido na petição inicial de forma consciente.

Mais alegam que as negociações com a Câmara Municipal foram interrompidas assim que a ré descobriu um documento (ata de assembleia de freguesia) que provava a sua propriedade sobre a parcela de terreno.

Por fim, a ré deduziu pedido reconvencional, sustentando-se no uso da parcela de terreno pela população do ... desde pelo menos o final do ano de 1998, e na demarcação, delimitação e melhoramento que fez, com obras e colocação de mesas, árvores e balizas, à luz do dia e à vista de todos, de forma pacífica e sem violência, na convicção de que exercia um direito próprio correspondente ao de propriedade, do que decorre a sua aquisição por usucapião de tal direito de propriedade. Mais alega danos ocasionados pela obra embargada – nas redes, balizas, mesas e bancos – no valor de € 959,40.

Peticiona a absolvição do pedido, a declaração de que a parcela de terreno é da ré, a condenação dos autores a reconhecerem-no, a pagar à ré o valor de € 959,40 pelos danos causados na sua propriedade e, ainda, no pagamento de uma multa e de uma indemnização por litigância de má-fé, deixando a fixação da última ao prudente critério do tribunal.

Os autores replicaram, afirmando que a ré é simples possuidora precária, não tendo corpus nem animus possidendi, já que dispunha do campo de futebol por mero empréstimo gratuito, por tolerância, que nunca dará lugar à constituição do direito. Mais alegaram que assim que receberam o terreno em causa na partilha em vida de imediato o reivindicaram à ré e que esta se está a aproveitar da tolerância dos proprietários do prédio.

Alegaram, ainda, que o valor peticionado pelos danos é desproporcional e que não alteraram a verdade dos factos, limitando-se a defender legitimamente a sua posição, não devendo ser condenados nos pedidos reconvencionais, nem por litigância de má-fé.

Teve lugar audiência prévia, em sede da qual foi proferido despacho a fixar o valor da causa em € 27.527,40, despacho saneador e ulterior despacho de identificação do objeto do litígio e enunciação dos temas da prova.

Procedeu-se a julgamento, tendo na sua sequência sido proferida sentença em que se decidiu nos seguintes termos:

Em face do exposto:

a) julga-se a ação totalmente improcedente por não provada e, em consequência, não se decreta a caducidade da providência cautelar de embargo judicial de obra nova decretada e absolve-se a ré dos pedidos;

b) julga-se a reconvenção parcialmente procedente por provada e, em consequência:

a. declara-se que a ré/reconvinte como única dona e legítima proprietária da parcela de terreno, com a área de 1.476 m2 , sita no Lugar ..., da freguesia ..., concelho de Castelo de Paiva, a qual confronta do lado sul com a estrada municipal CM ...41 e dos restantes lados, atualmente, com o prédio rústico com a área de 83.604 m2 , descrito na Conservatória do Registo Predial de Castelo de Paiva sob o n.º ...78, e inscrito na respetiva matriz predial sob o artigo ...02, que tem origem no artigo rústico ...12, propriedade que adquiriu por usucapião, com efeitos reportados a dezembro de 1998;

b. condenam-se os autores/reconvindos a reconhecerem o determinado no ponto precedente (b) a.) deste dispositivo;

c. condena-se o autor/reconvindo no pagamento à ré/reconvinte da quantia de € 959,40 (novecentos e cinquenta e nove euros e quarenta cêntimos), a título de indemnização por danos patrimoniais;

d. absolve-se a autora/reconvinda do pedido de pagamento à ré/reconvinte da quantia de € 959,40 (novecentos e cinquenta e nove euros e quarenta cêntimos), a título de indemnização por danos patrimoniais;

e. condena-se os autores no pagamento de uma multa de 4UC, por litigância de má fé, e ainda de uma indemnização por danos causados pela mesma litigância de má fé, em montante a definir nos termos do disposto no artigo 543.º, n.º 3 do Código de Processo Civil.

f. condena-se os autores no pagamento das custas processuais, sendo 96,51% por ambos em partes iguais e 3,49% apenas pelo autor.

De tal sentença vieram os autores interpor recurso, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:

“I. Quanto ao facto provado 2, salvo o devido respeito o tribunal a quo não pode dar como provado este facto, devendo o mesmo constar da matéria de facto não provada, ou se quisemos, quanto muito, terá de ser alterada a sua redação.

II. Conforme o tribunal a quo reconhece, e bem, nenhuma das testemunhas inquiridas assegurou que o pai da Recorrente AA, de seu nome, Senhor CC tenha pretendido doar a parcela de terreno em discussão nos presentes autos.

III. Do depoimento das testemunhas DD, EE e FF, que tiveram conversas com o pai da Recorrente AA, resulta de forma cristalina que aquela nunca utilizou a palavra doar qualquer terreno à Recorrida.

IV. Para além disso, diferentemente das considerações do tribunal a quo, o depoimento da testemunha GG não pode ser valorado da forma que foi, porquanto o mesmo apesar de ter sido o responsável pela elaboração da ata nº 83 junta como documento n.º 1 da Contestação, o mesmo claudicou em momentos decisivos do seu depoimento quando confrontado com circunstâncias decisivas para a memória que assegurou ter sobre a alegada proposta de doação da parcela de terreno em discussão nos presentes autos à Recorrida.

V. Para esse efeito, atente-se ao depoimento de GG que prestou o seu depoimento gravado em sede de audiência de discussão e julgamento no dia 30.11.2022, entre as 15:20:07h e as 15:57:25h, e em particular, para o que por ora releva, entre o minuto18:32h a 21:50h, bem como ao depoimento de HH, que prestou o seu depoimento no dia 30.11.2022, entre as 09:39:59h e as 09:57:50h, em particular, e para o que por ora releva entre o minuto 05:50h a 7:26h.

VI. Nenhuma das testemunhas – e o próprio tribunal a quo reconhece isso mesmo de forma expressa – que falaram com o próprio senhor CC, afirma de forma perentória, cabal e expressa que o referido senhor CC tenha doado o que quer que seja à Recorrida, e menos ainda, parcela de terreno em discussão nos presentes autos.

VII. O simples facto de terem ficado com uma mera perceção de que seria essa a vontade expressa e esclarecida do senhor CC não faz prova suficiente para se considerar como provado o facto 2º, tanto mais que nenhuma das testemunhas questionou se era intenção daquele doar, ou simplesmente, tolerar a utilização que vinha sendo feita naquele espaço.

VIII. Acrescente-se ainda que o tribunal a quo não pode dar como provado que a referida parcela de terreno, alegadamente doada pelo pai da Recorrente CC tinha “a área de 1.476 m2.”

IX. À data, independentemente da vontade ou não do pai da Recorrente, CC, desconhecia-se por completo qualquer área da parcela de terreno em discussão nos presentes autos, sendo que a referida área – 1.476 m2 – apenas na presente data se sabe com exatidão, por ter sido feito um levantamento topográfico em outubro de 2020.

X. Em função do que vem dito, deverá dar-se como não provado o facto 2 constante da matéria de facto provada, ou caso assim não se entenda, sem prescindir, deverá alterar-se a matéria de facto para a seguinte redação: “Em data não concretamente apurada, mas anterior a 28 de dezembro de 1998, o pai da requerida, CC, declarou verbalmente doar à ré a parcela de terreno com uma área concreta desconhecida, sita no Lugar ..., da freguesia ..., concelho de Castelo de Paiva, a qual confronta do lado sul com a estrada municipal CM ...41 e dos restantes lados, atualmente, com o prédio rústico dos autores identificado em 1., que tem origem no artigo rústico ...12.

XI. Quanto ao facto provado 5, salvo o devido respeito o tribunal a quo não pode dar como provado este facto, devendo o mesmo constar da matéria de facto não provada, ou se quisemos, quanto muito, terá de ser alterada a sua redação.

XII. Na verdade, do...

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