Acórdão nº 28180/22.7T8LSB.L1-6 de Tribunal da Relação de Lisboa, 22-02-2024

Data de Julgamento22 Fevereiro 2024
Ano2024
Número Acordão28180/22.7T8LSB.L1-6
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam os Juízes na 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa:

I. Relatório:
N…, S.A., intentou acção declarativa de condenação com processo comum contra P… LDA., peticionando a condenação desta a pagar à autora a quantia de €11.022,52.
Alega, para tanto, que autora e ré celebraram três contratos de prestação de bens e serviços de telecomunicações, tendo a autora, no âmbito de tais contratos, prestado à ré os serviços contratados, emitindo e remetendo as respectivas faturas, que a ré não liquidou.
Mais alega que a ré se vinculou a manter os contratos por um determinado período de tempo, o que não cumpriu, pelo que está obrigada a indemnizar a autora. Por fim alega ter tido despesas com as tentativas de cobrança da divida.
A ré foi regularmente citada, mas não contestou.
No seguimento dos autos foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente e, em consequência, condenou a ré P…, LDA. a pagar à autora N…, S.A. a quantia de €1.116,43 (mil, cento e dezasseis euros e quarenta e três cêntimos), acrescida dos respectivos juros de mora vencidos desde a data de vencimento de cada uma das faturas até 25.11.2022, contabilizados à taxa comercial sucessivamente em vigor. Absolveu a ré do demais peticionado.
Inconformada veio a Autora recorrer, formulando as seguintes conclusões:
«1. A decisão recorrida improcedeu o pedido na parte da indemnização por incumprimento contratual e na parte respeitante às despesas com o atraso no pagamento e a cobrança da divida.
2. Salvo, porém, o devido respeito, o Tribunal a quo errou no julgamento, tendo feito um enquadramento jurídico que desconsiderou a totalidade dos efeitos obrigacionais decorrentes dos contratos em causa dos autos, proferiu uma decisão surpresa e decidiu sem fundamento.
3. Desde logo, a Recorrente alegou e demonstrou nos autos as obrigações que, para além do pagamento do preço, resultaram para a Recorrida do contrato: devolver os equipamentos da Recorrente e manter o contrato pelo período acordado.
4. Como tal, não poderia o Tribunal recorrido deixar de considerar, no enquadramento jurídico e na decisão, tais obrigações.
5. De igual modo, a decisão recorrida configura uma decisão-surpresa, uma vez que
- a Recorrida foi citada para a ação e não contestou.
- o Tribunal não solicitou à Recorrente qualquer esclarecimento, não ordenou o aperfeiçoamento da PI, nem deu cumprimento do art.º 567º n.º 2 do CPC.
6. Acresce que, a Recorrente alegou e juntou prova relativa ao período de permanência acordado e da cláusula penal estabelecida para o seu incumprimento.
7. E se o Tribunal não se considerasse esclarecido, decorre da Lei o seu poder-dever de ordenar à Recorrente que prestasse tais informações aos autos, o que não sucedeu.
8. A Recorrente peticionou uma indemnização cujo montante, por resultar do contrato e ter sido assumido pela Recorrida, não foi contestado.
9. Em relação ao valor de despesas com o atraso no pagamento e a cobrança da divida, atendendo à natureza dos contratos em causa nos autos e estando peticionados montantes relativos a remuneração de transações comerciais, nada obsta a que seja aplicado o artigo 7º do Decreto-Lei n.º 62/2013, de 10.05.
De tudo quanto ficou exposto, resulta que, a decisão recorrida
- é nula, por erro de julgamento e por constituir uma decisão surpresa;
- carece de fundamento indeferir parte do pedido, tendo violado, nomeadamente, os art.ºs 6º e 563º, ambos do CPC, o art.º 48º da Lei 5/2004, de 10 de Fevereiro, o art.º 810º do CC e o art.º 7º do Decreto Lei 62/2013, de 10.05.
Deverá, consequentemente, ser declarada nula e substituída por decisão que condene na totalidade do pedido, o qual não foi contestado.».
Admitido o recurso neste tribunal e colhidos os vistos, cumpre decidir.
*
Questões a decidir:
O objecto do recurso é definido pelas conclusões do recorrente (art.ºs 5.º, 635.º n.º3 e 639.º n.ºs 1 e 3, do CPC), para além do que é de conhecimento oficioso, e porque os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, ele é delimitado pelo conteúdo da decisão recorrida.
Importa assim, saber se, no caso concreto:
- É de considerar a sentença nula por erro de julgamento ou por constituir uma “decisão surpresa”;
- Ou há ausência de fundamento na decisão por resultar dos contratos a remuneração devida, violando o disposto no artº 7º do Decreto Lei 62/2013.
*
II. Fundamentação:
No Tribunal recorrido foram considerados provados os factos alegados pela Autora por ausência de contestação, os quais se reproduzem nesta sede tal como foram alegados:
1. Entre a Autora e a Ré, no âmbito da sua actividade, foram celebrados três contratos para prestação de bens e serviços de telecomunicações:
- contrato de 01.10.2021, a que foi atribuído o número de conta cliente /contrato …;
- contrato de 03.12.2021, a que foi atribuído o número de conta cliente /contrato …;
- contrato de 03.12.2021, a que foi atribuído o número de conta cliente /contrato …
A) Sobre o contrato …
2. No âmbito do referido contrato solicitou a Ré à Autora a prestação dos serviços “3Pro”, serviços a que correspondia uma mensalidade de €35,43 + IVA.
3. Após a celebração dos contratos a Autora iniciou a prestação dos serviços, emitindo, mensalmente, as faturas correspondentes, todas enviadas à Ré e sem que nenhuma tivesse sido devolvida.
4. Pelo facto da Ré não ter pago as faturas, apesar de interpelada para o efeito, a Autora suspendeu os serviços.
5. Das faturas emitidas e vencidas permanece em dívida as seguintes, que totalizam €140,73:
- Fatura n.º FT …, no valor de €3,00, emitida em 20.06.2022 e vencida em 12.07.2022, fatura relativa a débito de encargos decorrentes do atraso no pagamento - doc. 1;
- Fatura n.º FT …, no valor de €60,87, emitida em 19.07.2022 e vencida em 12.08.2022, fatura relativa à mensalidade de 27 de Junho a 15 de Agosto de 2022 – doc. 2;
- Fatura n.º FT … no valor de €38,43, emitida em 17.08.2022 e vencida em 12.09.2022, fatura relativa à mensalidade de 16 de Agosto a 15 de Setembro de 2022 – doc. 3;
- Fatura n.º FT …, no valor de €38,43, emitida em 19.09.2022 e vencida em 12.10.2022, fatura relativa à mensalidade de 16 de Setembro a 15 de Outubro de 2022 – doc. 4.
B) Sobre o contrato …
6. No âmbito do referido contrato solicitou a Ré à Autora a prestação dos serviços 1 M2M, serviços a que correspondia uma mensalidade de €1,25 + IVA e nos demais termos constantes da proposta contratual, cuja cópia se junta e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para os devidos efeitos - cfr. doc. 5.
7. Como contrapartida do fornecimento dos serviços e das demais ofertas contratuais, assumiu a Ré a obrigação de proceder ao pagamento tempestivo das faturas, a devolver, no termo do contrato, os equipamentos da Autora instalados na sua morada para receção dos serviços e a manter o contrato pelo período nele acordado (vg. período de permanência).
8. Mais, convencionaram as partes que, em caso de incumprimento do período de permanência, seria devido pela Ré um valor indemnizatório, a título de cláusula penal, de igual valor ao das mensalidades em falta.
9. Após a celebração do contrato a Autora iniciou a prestação dos serviços, emitindo, mensalmente, as faturas correspondentes, todas enviadas à Ré e sem que nenhuma tivesse sido devolvida.
10. Pelo facto da Ré não ter pago as faturas, apesar de interpelada para o efeito e do acordo de pagamento, que incumpriu, a Autora suspendeu os serviços em 19.04.2022 e rescindiu o contrato por perda de interesse na sua manutenção, tendo reclamado da Ré o valor da cláusula penal contratual, determinada pelo valor das mensalidades em falta.
11. Das faturas emitidas e vencidas permanece em dívida as seguintes, que totalizam €39,29:
- Fatura n.º FT …, no valor de €1,54, emitida em 06.02.2022 e vencida em 26.02.2022, fatura relativa à mensalidade de Janeiro de 2022 – doc.6;
- Fatura n.º FT …, no valor de €1,54, emitida em 07.03.2022 e vencida em 27.03.2022, fatura relativa à mensalidade de Fevereiro de 2022 – doc. 7;
- Fatura n.º FT …, no valor de €1,54, emitida em 07.04.2022 e vencida em 27.04.2022, fatura relativa à mensalidade de Março de 2022 – doc. 8;
- Fatura n.º FT …, no valor de €31,67, emitida em 06.05.2022 e vencida em 26.05.2022, fatura relativa ao proporcional da mensalidade de Abril de 2022 e ao valor da cláusula penal contratual, de €25,00 + IVA – doc. 9;
- Fatura n.º FT …, no valor de €3,00, emitida em 07.06.2022 e vencida em 27.06.2022, fatura relativa a débito de encargos decorrentes do atraso no pagamento - doc. 10;
C) Sobre o contrato …
12. No âmbito do referido contrato solicitou a Ré à Autora a prestação dos serviços - 3Pro Satélite, 1 M2M, 1 Assimétrico 100MB, 1Cloud 5TB,- dados e internet: 1x Assimétrico 100MB Express Plus + 1x Cloud 5TB, serviços a que correspondia uma mensalidade de €225,00 + IVA, nos demais termos constantes da proposta contratual, cuja cópia se junta e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para os devidos efeitos - cfr. doc. 11;
13. Como contrapartida do fornecimento dos serviços e das demais ofertas contratuais, assumiu a Ré a obrigação de proceder ao pagamento tempestivo das faturas, a devolver, no termo do contrato, os equipamentos da Autora instalados na sua morada para receção dos serviços e a manter o contrato pelo período nele acordado (vg. período de permanência).
14. Mais, convencionaram as partes que, em caso de incumprimento do período de permanência, seria devido pela Ré um valor indemnizatório, a título de cláusula penal, de igual valor ao das mensalidades em falta.
15. Após a celebração do contrato a Autora iniciou a prestação dos serviços, emitindo, mensalmente, as faturas correspondentes, todas enviadas à Ré e sem que nenhuma tivesse sido devolvida.
16. Pelo facto da Ré não ter pago as faturas, apesar de interpelada para o efeito e do acordo de pagamento, que incumpriu, a Autora suspendeu os serviços em
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