Acórdão nº 28159/17.0T8LSB.L1-7 de Tribunal da Relação de Lisboa, 2023-12-05

Ano2023
Número Acordão28159/17.0T8LSB.L1-7
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:


I – RELATÓRIO
O Ministério Público requereu, em 20/12/2017, a abertura deste processo judicial de promoção e protecção a favor de CTN …., nascida a 2 de Julho de 2015, e DTN ….., nascida a 7 de Janeiro de 2017, filhas de A e de B, nos termos da Lei nº 147/99, de 1 de Setembro (Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo, doravante designada por L.P.C.J.P.).
Em 19/02/2018, foi realizada conferência, tendo sido alcançado acordo para aplicação a favor das crianças da medida de apoio junto dos pais, pelo prazo de um ano, tendo tal acordo sido homologado nos termos do art.º 112º da L.P.C.J.P..
Em 05/11/2018, foi aplicada a favor das crianças a medida de promoção e protecção de acolhimento residencial, a título cautelar, por seis meses.
A referida medida foi sendo prorrogada até que, por acordo homologado por decisão proferida em 19 de Junho de 2019, foi aplicada em benefício das crianças a medida de promoção e protecção de acolhimento residencial, pelo prazo de um ano.
Esta medida foi sendo prorrogada até que, por decisão proferida em 8 de Fevereiro de 2023, foi substituída pela medida de promoção e protecção de acolhimento familiar, por seis meses.
Foi ordenado o cumprimento do disposto no art.º 114º, nº 1 da L.P.C.J.P., com vista à realização de debate judicial.
Os progenitores das crianças e o Ministério Público apresentaram alegações.
Foi realizado debate judicial, com observância do formalismo legal.
Em 13/07/2023, foi proferido acórdão, que decidiu aplicar a favor das crianças a medida de confiança a instituição com vista a futura adopção, proibir as visitas dos familiares e decretar a inibição do exercício das responsabilidades parentais relativamente aos progenitores.
Inconformados, cada um dos progenitores recorre desta decisão, peticionando a sua revogação, formulando as seguintes Conclusões:
- a progenitora:
“1. CONTEXTO E SEQUÊNCIA
I. Nos termos do douto Acórdão foi decidido:
1. Proceder à substituição da medida actual, e aplicar em benefício das crianças CTN …. e DTN …., a medida de promoção e protecção de confiança a família de acolhimento ou instituição com vista à futura adopção, até ser decretada a sua adopção.
2. Nomear como curador provisório das crianças CTN e DTN o(a) Exmo(a). Senhor(a) Director(a) da Casa de Acolhimento do Relvado, onde as menores se encontram acolhidas, o(a) qual exercerá funções até ser encontrada uma família de acolhimento adequada às necessidades e características pessoais destas crianças, ou até ser decretada a adopção, ou instituída outra medida tutelar cível.
3. Declarar os pais inibidos do exercício das responsabilidades parentais relativamente às crianças CTN e DTN.
4. Proibir as visitas às crianças CTN e DTN, por parte dos progenitores e de quaisquer elementos da família biológica.
II. Entende a Recorrente que a decisão do Acórdão recorrido não se coaduna com a lei nem defende o superior interesse das menores CTN e DTN (doravante identificadas apenas por menores), não se fazendo, assim, a melhor justiça, pois da análise da prova, nomeadamente documental e testemunhal e a sua correta interpretação e apreciação segundo as regras da experiência imporia uma decisão diferente, bem como resposta diferente a alguns fatos dados como provados e consideração de outros com relevo para a boa decisão.
III. Além disso há diligências e elementos que deveriam ser considerados e produzidos que, ao não terem sido, não permitiram a melhor decisão do caso concreto e a defesa do superior interesse das menores.
2. DA FALTA DE AUDIÇÃO DAS MENORES E DA CONSEQUENTE VIOLAÇÃO DE DIREITO MATERIAL
IV. Considerando os elementos existentes no processo, bem como o desenrolar do mesmo, a hipótese colocada era a aplicação às menores da medida de confiança a família de acolhimento ou a instituição com vista a futura adoção, que constitui uma mudança radical na vida das menores que, de um momento para o outro, se vêm privados dos seus pais com quem têm uma afiliação reconhecida por todos.
V. Nos termos da Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo (LPCJP), designadamente do seu artigo 84.º “As crianças e os jovens são ouvidos pela comissão de proteção ou pelo juiz sobre as situações que deram origem à intervenção e relativamente à aplicação, revisão ou cessação de medidas de promoção e proteção, nos termos previstos nos artigos 4.º e 5.º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível, aprovado pela Lei n.º 141/2015, de 8 de setembro.”
VI. Ora, tal não é uma mera faculdade, é um direito que assiste às crianças, não só reconhecido na LPCJP, mas em muitas outras variadas normas relativas à defesa dos direitos das crianças, tanto nacionais como supranacionais que vinculam Portugal e aqui aplicáveis, tais como:
– A Convenção sobre os Direitos da Criança;
– A Convenção Europeia sobre o exercício dos Direitos da Criança;
– O Regulamento (CE) n.º 2201/2003 do Conselho, de 27/11/2003;
– O artigo 24.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia.
VII. O próprio Regime Jurídico do Processo de Adoção (Lei n.º 143/2015, de 8/10) (artigo 3.º, al. c) consagra, também, o princípio da audição da criança. Assim, questiona-se, como é possível admitir-se e exigir-se a audição das menores no âmbito do processo de adoção e não se considerar essa mesma audição na fase prévia, que é aquela que vai decidir o futuro das próprias.
VIII. Obviamente, tal não é possível, e se tal ocorrer, como ocorreu no âmbito dos presentes autos, estamos perante uma clara violação do direito das menores.
IX. As menores têm 8 e 6 anos, sendo que sem outros dados, e outros não existem no processo, não é de excluir que crianças com estas idades (idade do chamado ingresso na idade da razão), tenham capacidade para se pronunciar e ser ouvidas a respeito desta questão tão importante para as suas vidas, obviamente com as cautelas de que a audição se deve revestir
X. Na verdade, nenhum dado existe que permita concluir, sem outra apreciação, que essa audição seja prejudicial aos interesses das crianças.
XI. Atendendo ao caso nos autos, dúvidas não podem restar que a decisão tomada não foi precedida de audição das menores, que tem de se considerar essencial e obrigatória ou, pelo menos, de decisão de exclusão dessa audição, sendo que tal constitui exigência legal antes da prolação de decisão quanto à medida de promoção e proteção a aplicar às próprias.
XII. Tal situação poderá enquadrar-se no regime das nulidades processuais enquanto omissão de um ato que a lei prescreve – artigo 195.º, n.º 1, do CPC, nulidade esta que, por cautela, desde já se invoca. Assim, o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 14 de Abril de 2005, proferido no processo 1634/2005-6 (Manuel Gonçalves).
XIII. Sendo, ainda possível, considerar tal a omissão de audição como integrando vício da previsão do artigo 662.º, n.º 2, alínea c), do CPC, determinando a anulação da decisão para ampliação da sua base fáctica. Assim, o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 9 de Novembro de 2021, proferido no processo 1117/14.0TMLSB-F.L1-7 (Luís Filipe Pires de Sousa), e o do Tribunal da Relação do Porto de 8 de Outubro de 2020, proferido no processo 2970/19.0T8PRT-C.P1 (Filipe Caroço), vícios estes que, por cautela, desde já também se invocam.
XIV. No entanto, entende-se que a não audição das menores no âmbito dos presentes autos, não justificada, configura, assim, não só falta processuais, acima já referidas e invocadas, mas também a clara violação de regras de direito material, reconduzindo, desta forma, tal falta a uma violação inegável da sua intrínseca validade substancial e com a consequência da decisão, fazendo repercutir o vício diretamente na decisão enquanto invalidade desta. Encontramos, por exemplo, enunciada esta posição no acórdão do STJ de 14 de Dezembro de 2016, proferido no processo 268/12.0TBMGL.C1.S1 (Maria dos Prazeres Beleza) e no do Tribunal da Relação de Lisboa, proferido no processo 24889/19.0T8LSB-A.L1-6 (Nuno Ribeiro).
XV. Esta não audição, não justificada sequer, configura, assim, uma falta processual, mas também a clara violação de regras de direito material, não se devendo limitar-se a ver esta omissão numa restrita visão processual, reconduzindo, antes, a falta a uma violação inegável da sua intrínseca validade substancial, ao dito «princípio geral com relevância substantiva, e, por isso mesmo, processual».
XVI. Não havendo, assim, outra solução, desde logo, que não seja anular a decisão recorrida, em consequência da omissão da audição das menores, que desde já se requer.
3. INSUFICIÊNCIA DOS MEIOS DE PROVA E DA PROVA PRODUZIDA - DA INEXISTÊNCIA DE INFORMAÇÕES ATUAIS E CREDÍVEIS DA ATUAL SITUAÇÃO DA PROGENITORA E DA CONSEQUENTE INSUFICIÊNCIA DA MATÉRIA DE FATO DADA COMO PROVADA PARA A TOMADA DA DECISÃO PELO TRIBUNAL A QUO
XVII. Considerando a matéria dada como provada, concretamente no que diz respeito à progenitora e para justificar a incapacidade da mesma cuidar das suas filhas conclui-se do dispositivo da sentença o seguinte: No que concerne à progenitora, todas as testemunhas ouvidas em Tribunal (psicólogos, assistentes sociais, educadores, directores da Casa de Acolhimento) descreveram as várias fragilidades estruturais da mãe, ao nível das suas características de personalidade e padrões de comportamento. Com efeito, todos os técnicos identificam na progenitora fragilidades ao nível da saúde mental, discurso persecutório fora da realidade postura agressiva, reactiva e impulsiva, oscilações de humor e comportamento imprevisível. Da conjugação de todos os depoimentos resulta, igualmente, que os técnicos tentaram sensibilizar a progenitora para a necessidade de apoio ao nível da saúde mental, mas a mãe das menores nunca reconheceu essas fragilidades e essa necessidade, e recusou qualquer acompanhamento psiquiátrico ou toma de medicação. Acresce que, de
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