Acórdão nº 2796/18.4T8LRA.C2 de Tribunal da Relação de Coimbra, 2022-06-14

Ano2022
Número Acordão2796/18.4T8LRA.C2
ÓrgãoTribunal da Relação de Coimbra - (JUÍZO CENTRAL CÍVEL DE LEIRIA DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA)



Autores: AA
BB
CC

Ré: C..., S. A.

*
Acordam na 3ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra
AA intentou a presente acção declarativa sob a forma de processo comum, pedindo a condenação da Ré:
a) a pagar-lhe a título de indemnização por danos patrimoniais sofridos em consequência do acidente de viação a quantia de €70.611,65, a título de compensação pelos danos sofridos e a reparar na sua viatura;
b) a pagar-lhe a título de indemnização por danos patrimoniais sofridos em consequência do acidente de viação a quantia de €1.700,00, a título de privação do uso do veículo.
c) a pagar os juros à taxa legal sobre as quantias peticionadas, desde a citação até ao seu integral e efectivo pagamento.
Para fundamentar a sua pretensão, alegou em síntese, conforme consta do relatório da decisão proferida:
No dia 16 de abril de 2017, pelas 16.00 horas, ocorreu um acidente de viação na pista do ..., quando por ali circulava com o seu veículo de matrícula ..-SH-.., por si conduzido, o qual consistiu num despiste, que melhor descreveu.
Em virtude desse acidente, o seu veículo sofreu danos no montante de €72.611,65, tendo ficado privado do seu uso pelo período de 34 dias.
No âmbito do contrato de seguro que celebrara com a ré – e cujos termos melhor precisou – visa ser indemnizado do valor necessário para a reparação do seu veículo deduzida a franquia acordada de €2.000,00, e ainda, pela privação do uso daquele, no montante diário de €50.

A Ré contestou, excepcionando a sua responsabilidade pelo facto do acidente, do qual resultaram os danos cuja indemnização o Autor reclama, ter ocorrido na pista de um kartódromo, o que não está abrangido pelo contrato de seguro entre ambos celebrado e impugnou a factualidade atinente à ocorrência do acidente alegada pelo Autor, concluindo pela improcedência da acção.

Veio a ser proferida sentença que julgou a acção improcedente.

Interposto recurso, por acórdão deste Tribunal que concluiu pela admissibilidade da resposta do Autor à contestação do Réu no que respeita à excepção por este deduzida – exclusão de cláusulas contratuais –, bem como à defesa por si deduzida nesse articulado, impõe-se a procedência deste fundamento do recurso, o que determina a inexorável anulação de todo o processado posterior à sua apresentação, porquanto a matéria da defesa do Autor aí apresentada nunca foi considerada após a sua apresentação, devendo o processo prosseguir, a partir daí os seus termos, revogou-se a decisão recorrida respeitante ao articulado de resposta apresentado pelo Autor em audiência, admitindo-se o mesmo e anulando-se todo o processado subsequente.

Por sentença proferida em 29.1.2021 foram, os agora Autores, habilitados como sucessores de AA falecido em .../.../2020.
Voltou a ser proferida sentença que julgou a acção improcedente.

*

Os Autores interpuseram recurso, formulando as seguintes conclusões:
1. Por sentença proferida nos autos de processo nº 2796/18...., do Juízo Local Cível ... – Juiz ..., do Tribunal Judicial da Comarca ..., foi julgada improcedente, por não provada, a acção intentada pelo falecido autor.
2. A sentença recorrida padece de nulidade, nos termos das alíneas b) e d) do artigo 615º do CPC, dado que o tribunal a quo não fundamenta a decisão, com matéria de facto e com questões de direito.
3. Tal decisão do Tribunal recorrido padece de fundamentação legal e factual.
4. A sentença recorrida padece de uma nulidade pelo facto de violar direito substantivo e processual.
5. A sentença dá como provado que aquando a outorga do contrato de seguro celebrado entre o falecido autor e a Ré, esta disponibilizou aquele as respectivas condições gerais, especiais e particulares, sem que contudo tal facto tenha sido logrado provar pela Ré.
6. Não foi junto aos autos pela Ré qualquer documento comprovativo de que tais condições tenham sido disponibilizadas e entregues ao primitivo falecido autor, bem como a prova testemunhal arrolada pela Ré não referiu em momento algum que as condições gerais, particulares e especiais tenham sido disponibilizadas e entregues ao primitivo falecido autor, aquando a formação do contrato de seguro.
7. Apenas após o acidente em causa nos autos, por solicitação do primitivo autor, é que foram enviadas as condições gerais, especiais e particulares do seguro outorgado, conforme documentos juntos aos autos.
8. Incidia sobre a Ré o ónus de provar que o falecido autor tinha conhecimento de todas as cláusulas contantes no contrato de seguro (contrato de adesão), o que não logrou provar, pese embora a sua alegação em sede de Contestação das exclusões constantes na Apólice em causa.
9. A sentença recorrida não fundamenta como é que chegou à conclusão a que chegou, não fundamentando como chegou aos factos dados como provados e não provados, bem como, jurisprudencialmente e doutrinalmente não fundamenta a sua decisão.
10. A Ré não logrou alegar e provar o conhecimento completo e efectivo por parte do tomador do seguro na conclusão do contrato ou na fase a ela conducente, de acordo com o nº 3 do artigo 5º e artigo 6º do Decreto Lei nº 446/85 de 25 de Outubro (contratos de adesão).
11. A ré não alega e prova nada quanto ao cumprimento da sua obrigação quanto às cláusulas que invoca, das condições gerais do contrato de seguro, pelo que a consequência é, nos termos do artigo 8º do mesmo diploma legal (DL 446/85) a exclusão da mesma.
12. Nessa sequência, o falecido autor requereu a exclusão das normas constantes no contrato de seguro invocadas pela Ré para não aceitar a sua responsabilidade contratual.
13. A Ré violou o dever de informação consagrado nos preceitos legais supra referidos, tendo o falecido autor impugnado expressamente a cláusula 5ª e 38ª das condições gerais do contrato de seguro em causa nos autos, pois relativamente às mesmas não foi dado ao falecido autor conhecimento cabal e pleno.
14. A Ré não logrou provar que cumpriu com o dever de informação das cláusulas gerais, especiais e particulares do contrato de seguro.
15. No Acórdão proferido pelo STJ de 15-12-2011 – processo nº 4867/07.3TBSTS.P1.S1, disponível em www.dgsi.pt, foi considerado que: recai sobre a seguradora um particular dever de informação e esclarecimento do segurado quanto ao exacto âmbito dos riscos efectivamente cobertos, de modo a resultarem, no momento em que se procede à alteração contratual, plenamente apreensíveis os limites, condições e exclusões da cobertura acordada.(…).
16. O Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 12-07-2016 – processo nº 2246/14.5T8GMR, disponível em www.dgsi.pt, refere que: II – O não cumprimento desse dever, relativamente a uma cláusula de exclusão da cobertura do seguro, relacionada com uma das causas da morte do segurado (por cirrose hepática), determina a invalidade de tal cláusula e a sua exclusão do contrato. (…) “
17. Como se decidiu no Ac do STJ de 02-12-20l3 (disponível em www.dgsi.pt) «Dada a disparidade de poder entre as partes do contrato de adesão, assume um papel decisivo a garantia do "modelo de informação" ou "imperativo de transparência”, cuja finalidade é potenciar a formação consciente e ponderada da vontade negocial, parificando posições de disparidade cognitiva, quer quanto ao objeto, quer quanto às condições do contrato (…).
18. O Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça de 28-09- 2017, no processo 580/13.0TNLSB.L1.S1, disponível em www.dgsi.pt foi referido que, mencionou que: “2. Assim, o ónus de prova que recai sobre o proponente pressupõe a invocação, pelo aderente, da violação desses deveres por parte daquele (…) O Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10-03-2016 , no processo nº 4990/12.2TBCSC.L1.S1, disponível em www.dgsi.pt, refere que “No contrato de seguro, o risco constitui um elemento essencial ou típico dessa espécie contratual, o qual se traduz na possibilidade de ocorrência de um evento futuro e incerto, de natureza fortuita, com consequências desfavoráveis para o segurado, nos termos configurados no contrato, e que deve existir quer aquando da sua celebração quer durante a sua vigência.
19. Também o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 09-01-2018, proferido no âmbito do processo nº 825/15.2T8LRA.C1, disponível em www.dgsi.pt debruça-se sobre o assunto.
20. Atento o exposto nos Acórdãos referidos, é manifesto que perante a invocação por parte da seguradora da não responsabilidade pelo sinistro alegando que se trata de matéria inserida nas exclusões constantes no contrato de seguro, esta tem o ónus de provar que cumpriu com a sua obrigação contratual de informação, sob pena de as cláusulas invocadas serem consideradas excluídas do contrato de seguro.
21. A decisão proferida pelo Tribunal a quo entra em contradição com o teor dos arestos mencionados, pois a Ré não logrou efectuar qualquer prova documental ou testemunhal quanto ao cumprimento do dever de informação a que estava obrigada.
22. Ora, atento o exposto nos Doutos Acórdãos referidos, é manifesto que perante a invocação por parte da seguradora da não responsabilidade pelo sinistro alegando que se trata de matéria inserida nas exclusões constantes no contrato de seguro, esta tem o ónus de provar que cumpriu com a sua obrigação contratual de informação, sob pena de as cláusulas invocadas devem ser declaradas nulas e consideradas não escritas e consequentemente consideradas excluídas do contrato de seguro, com todas as consequências legais.
23. Não era o falecido autor que tinha a obrigação de promover a consulta, download ou impressão das condições gerais, particulares e especiais ou sequer de solicitar o envio das mesmas pelo correio, mas sim a ré é que tinha a obrigação de entregar toda a documentação do contrato de seguro a celebrar;
24. A seguradora invoca uma determinada cláusula para limitar a sua responsabilidade tendo de alegar e provar o seu conhecimento completo e efectivo por parte do
...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT