Acórdão nº 4990/12.2TBCSC.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 10 de Março de 2016

Magistrado ResponsávelTOMÉ GOMES
Data da Resolução10 de Março de 2016
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na 2.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça I – Relatório 1. AA - Tapeçarias Orientais, Lda (A.), instaurou, em 21/06/ 2012, junto do Tribunal Judicial Cível de Cascais, ação declarativa, sob a forma de processo ordinário, contra a Companhia de Seguros BB, S.A. (R.), a pedir a condenação desta a pagar-lhe a quantia de € 170.278,80, acrescida de juros de mora a contar da citação, alegando, em resumo, que: .

A A. dedica-se à importação, exportação e comércio de tapetes e tapeçarias, em especial orientais, que comercializa no seu estabelecimento sito na Rua …, n.º …, Loja 1, na Parede; .

No dia 23/07/2011, um sábado, a A. encerrou aquela loja, com vista à realização de obras até ao subsequente mês de setembro, de lá retirando a maior parte da mercadoria, contando retirar a restante na segunda-feira seguinte, dia 25/07/2011; .

Porém, no dia 24/07/2011, um domingo, pelas 21h00, foi detetada uma inundação no estabelecimento comercial da A., que alagou o pavimento do mesmo, a qual teve origem no rebentamento imprevisível, inesperado e ocasional de um tubo de canalização existente na sala de banho existente no referido estabelecimento; .

Por causa dessa inundação ficaram completamente deteriorados, tornando-se insuscetíveis de recuperação ou venda, os tapetes que a A. ainda ali guardava numa divisão contígua à sobredita casa de banho, por ela adquiridos em 05/07/2011, conforme fatura de fls. 16-18, e destinados a ser comercializados, os quais se encontram discriminados sob o art.º 25.º da petição inicial (fls. 6 e 7), com o valor de custo total de € 113.519,20; .

Além disso, a A. deixou de auferir a margem de lucro de 50% sobre a venda dos mesmos; .

À data do sinistro a A. era beneficiária de um contrato de seguro “Multirriscos que mantinha com a R., na qualidade de seguradora, para cobertura de danos, nomeadamente os provocados por inundações no estabelecimento em referência, até ao limite de € 814.907,31; .

A A. participou o sinistro logo em 26/07/2011, pedindo urgência de procedimentos para evitar uma perda total dos tapetes que ainda fossem passíveis de recuperação, mas só em 01/08/2011 é que um perito avaliador, a mando da R., se deslocou ao local para proceder à primeira avaliação; .

Entretanto, a R. começou a pedir à A. toda a documentação que considerava necessária para a regularização do sinistro, mas, passados alguns meses, em 12/03/2012, informou a A. de que ia proceder ao encerramento do processo de sinistro sem pagar qualquer indemnização. 2.

A R. contestou a ação, tanto no que respeita ao sinistro como quanto aos danos, sustentando, no essencial, que: .

Após a participação da A., a R. fez deslocar peritos ao local onde ocorreu a inundação e, seguidamente, designou a Sociedade de Peritagens Técnicas “CC” para proceder às averiguações necessárias à determinação da origem do sinistro e ao apuramento dos eventuais danos dele resultantes; .

Dessa peritagem não foi possível determinar nem a causa do evento nem os danos dele emergentes, concluindo-se, no entanto, que a rotura do tubo donde teria provindo a inundação poderá ter decorrido por efeito de ação externa e não por virtude de qualquer evento súbito e inesperado relacionado com o seu funcionamento; .

Sem pretender atribuir qualquer processo de intenção à A. ou aos seus representantes, o certo é que não se encontra demonstrada a origem do sinistro, pelo que se impugna o nesse sentido alegado pela A.; .

No que respeita aos tapetes danificados, as averiguações feitas apontam no sentido de que os mesmos não correspondem à fatura reproduzida a fls. 16-18.

Concluiu, pois, pela improcedência da ação.

  1. Findos os articulados, dispensada a audiência preliminar, fixado o valor da causa e proferido saneador tabelar, foi selecionada a matéria de facto tida por relevante com organização da base instrutória, conforme fls. 96 a 98.

  2. A R. reclamou da base instrutória, com fundamento em deficiência (omissão) de factos que considerava relevantes, quer para a caracterização do sinistro, quer para o apuramento dos danos, requerendo o aditamento dos artigos 1.º-A a 1.º-F, 2.º-A e 3.º-A a 3.º-D constantes de fls. 108 a 110, o que, nessa parte, foi desatendido, por se considerar que versavam uns sobre matéria conclusiva e outros sobre matéria irrelevante, conforme despacho proferido a fls. 125-127, em 18/10/2013.

  3. Realizada a audiência final, foi proferida sentença a fls. 486-495, datada de 07/04/2014, na qual foi integrada a decisão sobre matéria de facto e respetiva motivação, julgando-se a ação totalmente improcedente com a consequente absolvição da R. do pedido, por se considerar manifesto que a A. não fizera prova do direito invocado, já que a factualidade provada não permite concluir que a rotura do cano que deu origem à inundação em causa tivesse origem em evento fortuito, súbito e inesperado.

  4. Inconformada com tal decisão, a A. recorreu dela para o Tribunal da Relação de Lisboa, não só impugnando a resposta negativa ao art.º 3.º da base instrutória, respeitante aos danos, por entender que tal matéria devia ser dada por provada, mas também invocando erro na aplicação do direito à factualidade provada, concluindo pela procedência da ação conforme o peticionado.

    Sobre tais questões, no acórdão ora recorrido, proferido a fls. 541-546, datado de 02/06/2015, considerou-se estar provada a ocorrência do sinistro e, embora mantendo-se a sobredita resposta negativa ao art.º 3.º da base instrutória, concluiu-se que era devida uma indemnização pelos danos causados aos tapetes discriminados no documento n.º 4, de fls. 16 a 18, junto com a petição inicial, mas apenas pelo respetivo preço de aquisição, a liquidar, ulteriormente, para efeitos de execução de sentença até ao limite de € 113.519,20.

    Nesta base, a apelação foi julgada parcialmente procedente, tendo sido revogada a sentença recorrida e, em sua substituição, condenada a R. a pagar à A., a título de indemnização pela danificação dos tapetes identificados no ponto 3 da matéria de facto, o montante que vier a ser liquidado, acrescido dos juros moratórios, à taxa legal, que eventualmente se vençam a partir do trânsito em julgado da decisão da liquidação até efetivo pagamento.

  5. Desta feita, inconformada agora a R., veio recorrer de revista a pugnar pela revogação do acórdão recorrido e manutenção da decisão da 1.ª instância, formulando as seguintes conclusões: 1.ª - A decisão recorrida deu parcial provimento ao recurso interposto pela Recorrida da decisão da 1.ª instância.

    2.ª - Por um lado, entendeu que se deveria manter como negativa a resposta dada ao quesito 3.º: - A A. adquiriu os tapetes referidos em e), em 05-07-2011, à sociedade AB21- DD, S.A., pelo preço total de € 113.519,20?}; 3.ª - Por outro, entendeu que a ora Recorrida provou a ocorrência do sinistro, pelo que deveria a R. ser condenada no pedido, o qual se virá a liquidar em sede de execução de sentença.

    4.ª - Não pode a Recorrente concordar com tais decisões as quais revelam um manifesto erro de interpretação de lei substantiva e processual.

    (i) Da prova do sinistro 5.ª - Mal andou o TRL ao relacionar a discussão da natureza súbita e imprevista do sinistro com a validade do contrato de seguro.

    6.ª - A existência ou validade do contrato de seguro nunca foram colocadas em causa pelas partes; 7.ª - O risco do contrato era, entre outros, a ocorrência de danos por água, sendo que o alegado “sinistro” foi a efetiva rutura de um tubo flexível trançado exterior de alta pressão existente na casa de banho do estabelecimento comercial da Recorrida; 8.ª - A recusa da assunção da responsabilidade pelos danos decorrentes daquele evento assentou na convicção da Recorrente de que o mesmo não teria sido de ocorrência súbita e imprevista; 9.ª - Não obstante tal recusa, e porque nunca foi colocada em causa a validade do seguro, o contrato manteve-se em vigor e, caso tivesse sido participado outro sinistro, a Recorrente desenvolveria, de igual forma, a averiguação necessária ao apuramento da responsabilidade, podendo, ou não, assumir a regularização dos danos eventualmente reclamados; 10.ª - A recusa da assunção da responsabilidade por este sinistro em concreto não colocou em causa a validade do contrato, pois não só o risco se manteve - em relação à cobertura de danos por água, mas também em relação às demais coberturas contratadas -, como, consequentemente, se manteve a possibilidade futura e incerta de ocorrerem outros sinistros que a Recorrente poderia ter regularizado se viesse a concluir estarem ao abrigo do seguro.

    11.ª - Assim, jamais a Recorrente poderá concordar com a conclusão de que “discutir a imprevisibilidade, a fortuitidade da ocorrência da rutura, é discutir sobre a validade do contrato” pois, como se verá, a discussão de tais questões em nada afeta a virtude do contrato; 12.ª - É certo que o risco é um dos elementos constitutivos do contrato de seguro, nos termos do art.º 44.º do DL n.º 72/2008, de 16-04, ou seja, sem risco, o contrato de seguro é nulo, pois nada há a segurar; 13.ª - Por outro lado, considerando que o risco se traduz na mera possibilidade de ocorrer o evento danoso, comumente designado de sinistro, será este entendido como a concretização material do risco, ou seja, a ocorrência do evento que, aquando da contratação do seguro, era de natureza futura e incerta, mas que, a dado momento da vigência do contrato de seguro, se tornou uma realidade; 14.ª - Assim, a discussão sobre a natureza súbita e imprevista deste sinistro em concreto em nada bule com a validade do contrato de seguro, a qual nunca foi posta em causa pelas partes, nem o tinha que ser, pois o contrato era válido; 15.ª - O que foi questionado foi a natureza súbita e imprevista do evento ao abrigo do qual a Recorrida pretendia que fosse a Recorrente condenada a pagar-lhe a indemnização; 16.ª - Quanto a essa natureza, o único entendimento admissível é o de que cabia à Recorrida, na qualidade de titular do direito que pretende fazer valer e nos termos do art.º...

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