Acórdão nº 2793/23.8YRLSB-4 de Tribunal da Relação de Lisboa, 14-12-2023

Data de Julgamento14 Dezembro 2023
Ano2023
Número Acordão2793/23.8YRLSB-4
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam na secção social do Tribunal da Relação de Lisboa:

I. Relatório
i. Ministério de Educação x
ii. Sindicato de Todos os Profissionais da Educação (S.T.O.P.)
Nos autos o Colégio Arbitral decidiu quanto aos serviços mínimos para as greves decretadas pelo S.T.O.P. nos seguintes termos:
“Em face do exposto, o Colégio Arbitral delibera, por maioria, relativamente às greves nacionais todos os trabalhadores docentes e trabalhadores com funções docentes, decretadas pelo S.T.O.P., a todos os procedimentos, incluindo reuniões, conducentes a todas as avaliações finais (em todos os ciclos de ensino), e a todo o trabalho de preparação, aplicação e avaliação das provas de aferição, durante o período de funcionamento correspondente ao dia decretado, para os dias 31 de julho e 1, 2, 3 e 4/08/2023:
1 - fixar serviços mínimos relativos a todos os procedimentos, incluindo reuniões com docentes a todas as avaliações finais internas dos alunos (em todos os ciclos de ensino), com:
i) disponibilização aos conselhos de docentes e aos conselhos da turma das propostas de avaliação resultantes da sistematização, ponderação e juízo sobre os elementos de avaliação de cada aluno;
ii) realização pelos conselhos de docentes e conselhos de turma das reuniões de avaliação interna final, garantindo o quórum mínimo e necessário nos termos regulamentares.
2 - Fixar serviços mínimos relativos a todos os trabalhos de preparação, aplicação e aplicação das provas de aferição, durante o período de funcionamento correspondente ao dia decretado, das provas finais de ciclo, das provas de equivalência à frequência, dos exames finais do ensino secundário e das atividades e tarefas a elas relativas, devendo ser assegurados os meios estritamente necessários à realização dessas provas, garantindo:
a) a constituição de júris necessários à aplicação da componente de produção e interação orais das provas a realizar;
b) a existência de docentes classificadores em número estritamente necessário à classificação das provas realizadas, incluindo o levantamento das provas;
c) a existência de docentes relatores, em número estritamente necessário à reapreciação das provas realizadas;
d) a constituição de secretariados de exames existência técnicos responsáveis pelos programas informáticos de apoio à realização das provas, assegurados pelos docentes estritamente necessários, nos termos previstos no regulamento das provas de avaliação externa e das provas de equivalência à frequência dos ensinos básico e secundário para o ano lectivo de 2022-2023.”
O árbitro representante dos trabalhadores votou vencido invocando o acórdão desta relação de Lisboa de 17/05/2023, no processo n.º 1006/23.7TYRLSB-4.
*
Inconformado, o S.T.O.P. recorreu, pedindo a revogação do acórdão arbitral e concluindo:
1. Com o presente recurso impugna-se o acórdão recorrido proferido pelo colégio arbitral, a fixação de serviços mínimos para as greves nacionais de todos os trabalhadores docentes e trabalhadores com funções docentes decretadas pelo Sindicato de Todos os Profissionais de Educação (S.T.O.P), a todos os procedimentos, incluindo reuniões, conducentes a todas as avaliações finais (em todos os ciclos de ensino), durante o período de funcionamento correspondente ao dia decretado, e a todo o trabalho de preparação, aplicação e avaliação das provas de aferição, durante o período de funcionamento correspondente ao dia decretado, para os dias 31 de julho e 1,2, 3 e 4 de agosto de 2023.
2. Colocam-se à apreciação deste Tribunal as seguintes questões:
i) Da inconstitucionalidade da escolha por sorteio do "árbitro representante dos trabalhadores";
ii) Da insuficiência e ausência de fundamentação da matéria de facto fixada na decisão recorrida;
iii) Da inconstitucionalidade/ilegalidade da decisão arbitral quer no que toca às greves decretadas às avaliações finais quer no que respeita às provas de aferição.
3. O colégio que proferiu o acórdão recorrido foi constituído por sorteio de árbitros constantes de listas previamente organizadas.
4. Pelo lado do Ministério da Educação a lista é composta por árbitros indicados pelo empregador público; já quanto aos representantes dos trabalhadores o mesmo foi "sorteado" de uma lista constituída, ao que se sabe, de acordo com o disposto no n.º 1 do art.º 3º do DL nº 259/2009, em que se estabelece: "Os representantes das confederações sindicais (...) com assento na Comissão Permanente da Concertação Social elaboram as listas dos respetivos árbitros.
5. Daqui decorre que, sendo o STOP um sindicato independente, não integrado em qualquer confederação sindical - sendo mesmo marginalizado e hostilizado por estas, como é do domínio público - não se encontra efetivamente representado no colégio arbitral. Ao contrário do Estado central, que, sendo entidade empregadora pública una, se encontra devidamente representado.
6. Fica, assim, criada uma desigualdade objetiva entre as partes, em desfavor da posição defendida pelo S.T.O.P. e dos trabalhadores seus representados que é contrária aos princípios do Estado de Direito Democrático que devem reger a República Portuguesa, conforme se estabelece no art.º 2.º da Constituição (CRP), arredando-se uma das partes da possibilidade de participação efetiva na defesa da sua posição em representação dos trabalhadores, sem que para tal exista motivo justificativo suficientemente sólido.
7. O processo em que uma parte tem efetiva representação e outra não, não é equitativo, em violação da norma do n.º 4 do art.º 20º da CRP.
8. Para se dar cabal cumprimento aos princípios constitucionais teria obrigatoriamente de ser facultada ao ora recorrente, enquanto responsável pelo decretamento da greve, a possibilidade de indicar o seu árbitro.
9. A norma do art.º400º, n.º 2, interpretada no sentido de que a forma de constituição do colégio arbitral é exclusivamente e em todas as circunstâncias com recurso a um lista de "representantes dos trabalhadores ", previamente estabelecida por indicação das centrais sindicais, sem ponderar a circunstância de que uma das partes ali se não encontra representada, é inconstitucional, por violação, para além do mais dos princípios fundadores do Estado de Direito Democrático da independência, isenção, imparcialidade e da exigência de um processo equitativo (art.º 2.º e 20º, 4 da CRP).
10. O que este Tribunal deve declarar por força do dever que lhe é imposto pelo art.º 204º da CRP.
Por outro lado, e sem prescindir:
11. O acórdão recorrido limitou-se a descrever no capítulo dos "FACTOS" o procedimento administrativo, não tendo sido fixado qualquer facto da sua lavra.
12. Ao fazê-lo omitiu a fixação de factos relevantes para poder fundamentar a decisão, designadamente: i) Qual o impacto efetivo e real da greve? ii) No universo das escolas portuguesas quantas avaliações e provas de aferição ficariam por fazer naqueles dias? iii) Até quando as avaliações finais e as avaliações das provas de aferição teriam de estar concluídas?
13. Na ausência de factualidade concreta por si apurada, o colégio limita-se a especular por adesão à posição do ME em torno do argumento, não demonstrado de que a greve "põe em causa, de forma tendencialmente irreversível o direito à Educação (...)".
14. Nos termos do disposto no art.º 205º da CRP conjugadamente com as disposições normativas do n.º 5 do art.º 607º, as al.s b) e c) do nº 1 do C.P.C. e do art.º153º do Código do Procedimento Administrativo as decisões devem ser fundamentadas de forma clara (não obscura) coerente (não contraditória) e suficiente (não omissa). O que não acontece com a decisão recorrida.
15. A insuficiência ou omissão de matéria de facto relevante para a aplicação do direito, bem como a ausência absoluta de fundamentação de tal matéria, torna a decisão manifestamente ilegal, nos termos do disposto no art.º 615º, nº 1, als. b) e c), do CPC. O que deve ser declarado.
Por outro lado, e, ainda, sem prescindir:
16. Admitindo-se que a greve em apreciação se possa enquadrar na previsão normativa da al. d) do nº 2 do art.º397º da LGTFP, a questão está em saber se ao definir os serviços mínimos nos moldes em que o fez, a decisão arbitral respeitou os princípios legais e constitucionais aplicáveis.
17. Na verdade, mesmo que seja permitida, em abstrato, a imposição de serviços mínimos, isso não dispensa que, na sua determinação concreta, estes não tenham de respeitar os princípios constitucionais e legais de modo que não seja afetado o conteúdo essencial do direito à greve.
18. O objeto da greve respeitante aos doze avisos prévios prende-se com todos os procedimentos conducentes a todas as avaliações finais e a todo o trabalho de preparação, aplicação e avaliação das provas de aferição.
19. A decisão recorrida, que carece de fundamentação de facto clara, coerente e suficiente, face à omissão antes alegada, ao fixar os serviços mínimos nos termos descritos afeta irremediavelmente o conteúdo essencial do direito à greve. Por outro lado:
20. As provas de aferição têm assumido, essencialmente, a finalidade de colher informação das escolas, professores e encarregados de educação através dos seus resultados. No entanto, tais informações têm apenas caráter meramente indicativo e estatístico. Face a isto, estas não têm merecido o consenso da comunidade educativa uma vez que não são tidas em conta para as classificações dos alunos.
21. Dada a pouca relevância atribuída às provas de aferição tem-se permitido questionar a seriedade dos resultados obtidos, comprometendo-se as finalidades inerentes à realização de tais provas.
22. Atenta a natureza e razão de ser, não pode deixar-se de entender que as provas de aferição não visam a satisfação de necessidades sociais impreteríveis e nem têm enquadramento normativo na norma da al. d) do n.º 2 do art.º 397.º da LGTFP. E não o tendo, como não têm, não podem ser fixados serviços mínimos para as mesmas.
23.
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