Acórdão nº 2772/22.2T8OER-A.L1-2 de Tribunal da Relação de Lisboa, 11-05-2023

Data de Julgamento11 Maio 2023
Ano2023
Número Acordão2772/22.2T8OER-A.L1-2
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acórdão

I. Relatório
“B”, co-ré nos presentes autos que contra si e contra o BANCO BPI, S.A. foram intentados pelo requerente, “A”, notificada do despacho proferido em 8 de fevereiro, que não admitiu a reconvenção por si deduzida, e com ele não se conformando, interpôs o presente recurso.

A compreensão do litígio e do objeto do recurso impõe um pequeno excurso pelos autos:
O requerente intentou a presente ação de divisão de coisa comum, com processo especial, contra os identificados requeridos, alegando, em síntese, que: i. É comproprietário, em conjunto com a 1.ª requerida e na proporção de metade para cada um, de uma fração autónoma destinada a habitação, situada num prédio em Caxias; ii. O imóvel encontra-se descrito na 1.ª CRP de Oeiras, e o direito de (com)propriedade de requerente e 1.ª requerida aí inscritos; iii. O imóvel com comprado pelas partes, no estado civil de solteiros, em 2003; iv. As partes casaram-se em 2004 no regime da comunhão de bens adquiridos e divorciaram-se em 2007, mantendo-se até à data a situação de compropriedade, a que o requerente deseja pôr fim; v. Sobre o imóvel estão registadas duas hipotecas para garantia de dois empréstimos concedidos pelo Banco BPI, SA ao requerente e à 1.ª requerida; vi. Os montantes máximos assegurados pelas hipotecas eram de €88.871,30 e €48.111,96; vii. Presentemente, mantém-se em dívida cerca de €42.000 e €22.000, respetivamente; viii. O imóvel tem o valor patrimonial de € 69.759,61 e o valor comercial de € 150.000.
Terminou pedindo que:
a) A ação seja julgada provada e procedente e, em consequência, uma vez fixadas, para o imóvel, as respetivas quotas dos comproprietários, se proceda à venda do imóvel identificado, por indivisível, livre de ónus, encargos e responsabilidades para ambos os comproprietários,
b) Exceto se a 1.ª requerida manifestar interesse em adjudicar a quota-parte do requerente, pelo valor que acordar com este, assumindo aquela a seu cargo toda a dívida garantida por hipotecas e pagando tornas da diferença, na condição de que prévia e incondicionalmente o 2.º requerido autorize, por escrito, a exoneração do requerente dessa obrigação do pagamento da dívida que assumiu com a outorga dos contratos de empréstimo garantidos pelas inscrições hipotecárias que incidem sobre o imóvel, condições em que, a verificarem-se cumulativamente, será possível a adjudicação.
Contestando, a 1.ª requerida contestou o valor da coisa e reconveio alegando, resumidamente, que: i. O requerente não paga prestações relativas aos empréstimos (amortizações de capital e juros, e seguros de vida) desde, pelo menos, dezembro de 2006; ii. Igualmente não paga o IMI, mesmo a parte relativa à metade dele, a partir do IMI referente a 2006, pagável em 2007; iii. De amortizações e juros remuneratórios dos empréstimos, seguros de vida e da casa, a reconvinte pagou, por si e pelo requerente, desde outubro de 2012 até agosto de 2022, a importância de €43.439,88; iv. De amortização e juros remuneratórios dos empréstimos, seguros de vida e da casa, a reconvinte, por si e pelo requerente, pagou desde janeiro de 2007 até setembro de 2012 importância não inferior a €22.000,00; v. De IMI, desde o ano de 2007 até ao ano de 2022, por si e pelo requerente, pagou a importância de €2.000,00.
Terminou pedindo que a reconvenção seja julgada procedente, por provada e, em consequência, seja reconhecido à 1ª requerida, contra o requerente, crédito de montante não inferior a € 34.220,00, a ser atendido
a) na hipótese de adjudicação da fração autónoma à 1ª requerida, através do desconto, por compensação daquele valor ao valor que o requerente tiver a haver de tornas,
b) caso a coisa seja adjudicada ao requerente, no acréscimo de tal valor ao valor das tornas; ou,
c) na hipótese de venda judicial, devendo a reconvinte receber (depois de pagas as custas e o credor hipotecário, ora 2º requerido), para além de metade do remanescente, aquela quantia, ficando, por isso, a caber ao requerente metade de tal remanescente, depois de descontada aquela importância de €34.220,00.
O requerente replicou, invocando, além do mais, a inadmissibilidade do pedido reconvencional.

Findos os articulados, o tribunal a quo, proferiu, em 08/02/2023, o seguinte despacho:
«(…)
A questão que agora aqui se coloca é a de saber se a acção especial de divisão de coisa comum permite a reconvenção.
Na acção de divisão de coisa comum é a petição inicial que baliza os termos posteriores da acção. Assim, estando em causa a pretensão de divisão de certa coisa comum, seguem-se os termos próprios da divisão: adjudicação ou venda, se a coisa for indivisível; formação de lotes e sua adjudicação (por acordo ou sorteio), se a coisa for materialmente divisível.
Este pedido pode, no entanto, ser contestado, com o objectivo de pôr em crise os pressupostos da divisão: ou porque entende não haver lugar a ela, ou porque, alegadamente, existem divergências sobre as quotas atribuídas a cada um, ou, eventualmente, porque existem ainda outros contitulares.
No caso, o pedido do Requerente inscreve-se no direito de propriedade, enquanto a da Requerida, num crédito (não contestando a compropriedade). Sendo pacífico que não se pode transformar um direito de crédito em propriedade, sempre o Réu teria de exercer o seu eventual direito de crédito em outra sede, que não no âmbito de uma ação especial de divisão de coisa comum.
Como princípio incontornável temos que o juiz deve adotar a tramitação processual adequada às especificidades da causa e adaptar o conteúdo e a forma dos actos processuais ao fim que visam prosseguir, assegurando um processo equitativo.
O direito a um processo equitativo é normalmente considerado um princípio geral do processo civil que expressa a vertente material do princípio da jurisdição e que tem projeção em diversos níveis da regulamentação processual civil, nomeadamente nas suas traves mestras, como o direito de defesa, o contraditório, a igualdade de armas ou a fundamentação da decisão.
Trata-se de uma solução legal com sentido positivo, pois a adaptação formal do processo às particularidades da causa permite a um só tempo maior celeridade processual sem comprometer a solução justa do litígio.
Mas essa celeridade processual tem de respeitar o princípio do pedido, ínsito nas peças processuais apresentadas pelas partes e o respeito pela incompatibilidade manifesta das formas de processo a serem tramitadas, como é aqui o caso – artigos 266.º, n.º 3 e 37.º, nºs. 2 e 3 do CPC.
Ora, tratam-se os presentes autos de ação de divisão de coisa comum, cujo único escopo é o de pôr termo à indivisão de coisa comum.
Assim, e para os termos da presente ação, são totalmente irrelevantes as considerações e alegações tecidas pelas partes no que às dividas e passivo diz respeito, os quais apenas relevarão na eventualidade da venda do imóvel, no âmbito da qual terá que haver concurso de credores, como legalmente previsto.
Quanto ao mais, mormente as questões entre o ex-casal relativas ao pagamento das prestações dos mútuos contratados, trata-se de relações obrigacionais, as quais, juntamente com as respetivas garantias, em nada são beliscadas pela divisão do bem.
Assim, nem as questões entre as partes relativas ao pagamento das obrigações creditícias assumidas, nem a existência de passivo, nem a hipoteca do imóvel impedem a sua divisão, pelo que se determina o prosseguimento dos autos para o efeito, oportunamente, se disso for caso, se conhecer do eventual pagamento ao banco mutuante, na qualidade de credor privilegiado.
Pela mesma ordem de razões, atento o objeto da presente ação especial, não é admissível na mesma a discussão das referidas questões obrigacionais entre as partes para o que, querendo, deverão intentar a competente ação declarativa comum, onde os direitos relativos às relações obrigacionais relacionadas serão discutidos em causa própria.
Nesta conformidade, e sem necessidade de maiores considerações, não é admissível o pedido reconvencional deduzido, o que se decide.
Notifique.»

A 1.ª requerida não se conformou e recorreu, concluindo as suas alegações de recurso da seguinte forma:
«1º Tendo em consideração a finalidade da ação especial de divisão de coisa comum, que comporta duas fases, declarativa e executiva, por um lado, e a circunstância de a parte final do artigo 926º, nº 3, in fine, do Código de Processo Civil, se mostrar adaptável a incluir, neste processo, a forma do processo comum, por outro lado, não faz sentido não admitir a reconvenção, remetendo as partes para outra ação judicial, para porem fim ao litígio, de âmbito mais alargado, relacionado com a propriedade em comum do bem que foi casa de morada de família;
2º Impõe-se ao Juiz, no cumprimento do dever de gestão processual, consagrado no artigo 6º do Código de Processo Civil, adotar mecanismos
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