Sentença ou Acórdão nº 0000 de Tribunal da Relação, 01 de Janeiro de 2022 (caso Acórdão nº 2755/20.7T8FAR.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 2022-09-15)

Data da Resolução01 de Janeiro de 2022

Acordam no Tribunal da Relação de Évora:

I

Vale do Lobo-Resort Turístico de Luxo, S.A. intentou ação declarativa, sob a forma comum, contra Estado Português, representando pelo Ministério Público, com os demais sinais identificadores constantes dos autos, pedindo que, pela procedência da ação se reconheça que:

a) a Autora logrou demonstrar a propriedade atual do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Loulé sob o n.º 8610 e inscrito na matriz predial sob o n.º 4374, da freguesia de Almancil, bem como a sequência ininterrupta de transmissões de propriedade do imóvel até ao ano de 1827, data em relação à qual ficou demonstrado que a parcela em causa já se encontrava em propriedade particular;

Subsidiariamente,

b) quando assim não se entenda, e se julgue não provada a referida sequência ininterrupta de transmissões da propriedade, que o Tribunal, ao abrigo do entendimento jurisprudencial prevalecente descrito nos artigos 13.° a 17.° da p.i. reconheça provada a propriedade particular da parcela em causa no presente e em data anterior a 22 de março de 1868 ou a 31 de dezembro de 1864;

Em qualquer caso, deve o Tribunal:

c) declarar revogado o estatuto de dominialidade até aqui aplicável à faixa de terreno de margem das águas do mar que integra o prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Loulé sob o n.º 8610 e inscrito na matriz predial sob o n.º 4374, da freguesia de Almancil;

d) reconhecer e declarar, com efeito constitutivo, a propriedade privada da Autora sobre a faixa de domínio público a que presuntivamente pertencia a referida parcela.

Para tanto alega, em síntese, que o prédio rústico de que é proprietária inclui uma parcela de terreno dentro da faixa de 50 m de domínio público marítimo, correspondente à margem das águas do mar, que constitui propriedade privada desde data anterior a 31-12-1864 ou 22-03-1868, o que pretende se reconheça.

O Réu contestou, impugnando, em suma, a generalidade dos factos alegados, concluindo pela improcedência do pedido.

Realizou-se a audiência final, após o que foi proferida sentença que julgou a ação procedente, por provada, e, em consequência, decidiu reconhecer o direito de propriedade da Autora sobre a parcela da margem das águas do mar contígua ao troço da poligonal definido pelos vértices (1 a 18) do anexo II do relatório pericial de fls. 591/609, integrante do que remanesce do prédio rústico, sito em Vale do Lobo, freguesia de Almancil, concelho de Loulé, descrito na Conservatória do Registo Predial de Loulé sob o nº 11051/201011111, inscrito na matriz sob o art.° 4374, da freguesia de Almancil, por a mesma documentalmente ser propriedade privada desde data anterior a 22 de março de 1868.

Inconformado veio o Réu Estado recorrer, assim concluindo as suas alegações de recurso:

1a - Na presente ação de processo comum, vem o Réu Estado, representado pelo Ministério Público, impugnar a sentença proferida nos autos que julgou a presente ação procedente, por provada, e, em consequência, reconheceu a Autora como titular do direito de propriedade privada sobre a parcela da margem das águas dos mar contígua ao traço da poligonal definido pelos vértices (1 a 18) do anexo II do relatório pericial de fls. 591/609, integrante do que remanesce do prédio rústico, sito em Vale do Lobo, freguesia de Almancil, concelho de Loulé, descrito na Conservatória do Registo Predial de Loulé sob o n.º11051/201011111 e inscrito na matriz sob o art.º n.º 4374, da freguesia de Almancil, por a mesma documentalmente ser propriedade privada desde data anterior a 22 de março de 1868.

Em súmula conclui pelo seguinte:

2a - A Autora instaurou a presente ação declarativa sob a forma comum, pedindo que se declarasse revogado o estatuto de dominialidade até aqui aplicável à faixa de terreno de margem das águas do mar que integra o prédio acima mencionado, bem como que o Tribunal reconhecesse e declarasse, com efeito constitutivo, a propriedade privada da Autora sobre a faixa de domínio público a que presuntivamente pertencia a referida parcela - tudo de harmonia com o disposto no artigo 15°, n.º 1 e 2 da Lei n.º 54/2005, de 15.11.

3a - Realizou-se a audiência final no pretérito dia 14 de março de 2022, com total observância do legal formalismo e, em 20/04/2022 a Mma. Juiz a quo proferiu sentença, na qual considerou a presente ação procedente por provada e reconheceu a Autora como titular do direito de propriedade privada sobre a acima mencionada parcela da margem das águas dos mar.

4a - O Réu, representado pelo Ministério Público, discorda de tal decisão em virtude de entender que a factualidade dada como assente - a qual de resto não contesta ou impugna - não permite considerar que a mesma parcela da margem das águas do mar integrante do prédio rústico em questão era, por título legítimo, objeto de propriedade particular antes de 22 de março de 1868, afastando-se assim a presunção de que a mesma pertence ao domínio público marítimo.

5a - Com efeito, entende o Réu que a totalidade dos factos dados como provados na douta decisão não permite retirar a conclusão, como o faz a Mmª. Juiz a quo na fundamentação da sentença, de que a Autora havia demonstrado que o prédio rústico descrito sob o n.º 11051 da Conservatória do Registo Predial de Loulé corresponde ao prédio que lhe adveio na sequência de ininterruptas transmissões de propriedade do imóvel desde data anterior a 22.03.1868.

6a - Alias, tal decisão até se mostra contrariada por uma parte dos factos dados como não provados.

7a - Com efeito, decorre do ponto 4 dos factos dados como provados que em 26/03/1968 foram anexados ao mesmo prédio n.º 11051 - na altura descrito em ficha sob o n.º 8610 do Livro 8-22 da Conservatória do Registo Predial de Loulé - entre outros, os prédios descritos sob os n.ºs 32594, 32612 e 28813.

8a - Por sua vez, no ponto 8, dá-se como assente que em 30/03/1963 foram anexados ao prédio n.º 28813 os prédios descritos sob os nºs 32613, 32614, 32615, 32616, 32617 e 32618.

9a - Ora, na petição inicial a Autora sustentava que os três prédios descritos sob os n.ºs 32614, 32616 (leia-se “32615”) e 32616, haviam sido anexados ao prédio descrito sob o artigo n.º 28813 e correspondiam à parcela do mesmo prédio rústico (o atual n.º 11051) que confronta a sul com o mar ou com areias e que se encontra totalmente incluída em zona do domínio público marítimo.

10a - E, sustentava a Autora, os mesmos três prédios provinham do prédio descrito sob o n.º 6601.

11a - Todavia, da matéria de facto dada como provada não se retira a conclusão de que os prédios n.º 32614, 32615 e 32616 provêm do prédio n.º 6601.

12a - O que significa que a sequência de ininterruptas transmissões de propriedade do imóvel em questão (o atual prédio n.º 11051) desde data anterior a 22-03-1868 não é sustentada pela matéria de facto dada como assente.

13a - Sendo que na alínea b) da matéria de facto dada como não provada até se consignou expressamente que "os prédios descritos sob os n.ºs 32614, 32615 e 32616 provêm do prédio descrito sob o n.º 6601 da Conservatória do Registo Predial de Loulé".

14a - Não se tendo, pois, provado que os prédios com os n.ºs 32614, 32615 e 32616 provêm do prédio descrito sob o n.º 6601 da Conservatória do Registo Predial de Loulé, temos assim quebrada em termos de prova a sequência de ininterruptas transmissões de propriedade do imóvel n.º 11051 desde data anterior a 22.03.1868 – que era, recorde-se, a questão que se colocava centralmente em discussão nos presentes autos - que competia à Autora demonstrar.

15a - Além disso e por outro lado, a Autora sustentava que os prédios descritos sob os n.ºs 6601, 6600 e 6602 tinham todos origem no prédio n.º 339.

16a - Sendo certo que é sobre este prédio n.º 339 que se reportam os documentos mais antigos que a Autora carreou para os autos e que, na verdade, são os únicos onde pode assentar o preenchimento do requisito previsto no n.º 2 do artigo 15° da Lei n.º 54/2005, de 15 de novembro.

17a - Isto significa de facto que este prédio n.º 339 era, por título legítimo, objeto de propriedade privada ou comum antes de 22 de março de 1868.

18a - Só que essa qualidade associada ao mesmo prédio (ser objeto de propriedade privada antes de 22.03.1869 “leia-se 1868”) não é suscetível de ser aproveitada pelo prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Loulé sob o n.º 11051/20101111, uma vez que a cadeia de transmissão entre os mesmos não se demonstrou nos autos.

19a - Com efeito, não se deu como assente na matéria de facto dada como provada que o prédio descrito sob o n.º 6601 provém do prédio descrito sob o n.º 339.

20a - Desta forma, não se tendo, pois, provado que o prédio com o n.º 6601 provém do prédio descrito sob o n.º 339 da Conservatória Privativa, temos assim de novo quebrada em termos de prova a sequência de ininterruptas transmissões de propriedade do imóvel n.º 11051 desde data anterior a 22.03.1868.

21a - E, nenhum outro ponto da matéria de facto dada como provada é suscetível de reparar ou colmatar tal (inexistente) cadeia de transmissões de propriedade.

22a - A única conclusão segura que se poderá retirar da matéria de facto dada como provada é que o supra aludido prédio n.º 339 era, por título legítimo, objeto de propriedade privada ou comum antes de 22 de março de 1868 - sendo que não se logrou demonstrar que tal qualidade possa ser tida em conta por qualquer outro prédio mencionado nos presentes autos.

23a - Não foi assim demonstrada a relação entre o prédio a que aludem os pontos 1 a 3 da matéria de facto e o citado prédio a que aludem os pontos 38 a 44 da mesma matéria.

24a - Não se mostrando assim preenchidos os requisitos previstos no citado artigo 15°, n.º 2 da Lei n.º 54/2005, de 15 de novembro, para considerar que a parcela da margem das águas do mar contígua ao troço da poligonal definido pelos...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT