Acórdão nº 275/21.1IDLSB-A.L1-9 de Tribunal da Relação de Lisboa, 2023-03-09

Ano2023
Número Acordão275/21.1IDLSB-A.L1-9
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam, em conferência, os Juízes que integram a 9.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa:


A)– Relatório:


1)–No Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Norte, Juízo de Instrução Criminal de Loures – juiz 3, processo n.º 275/21.1IDLSB, foi proferido Despacho, datado de 12/10/2022, que decidiu rejeitar o requerimento de abertura de instrução apresentado por parte do arguido, com fundamento na sua inadmissibilidade legal, de acordo com as disposições conjugadas dos artigos 286.º, n.º 1, 287.º, n.ºs 2, a contrario sensu, e 3 do Código de Processo Penal.
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2)–Inconformado com esta decisão, da mesma interpôs o arguido A o presente recurso, formulando no termo da motivação as seguintes conclusões:
1.-O Tribunal a quo rejeitou o R.A.I. apresentado, com fundamento na sua inadmissibilidade legal, de acordo com as disposições conjugadas dos artigos 286°, n.° 1, 287°, n.° 2, a contrario sensu e 3 do Código de Processo Penal;
2.-A instrução em causa não é inadmissível e o R.A.I., não padece de qualquer fundamento de inadmissibilidade, foi cumprido o prazo legal, o JIC em causa é competente (mormente a título material e territorial) e a instrução é legalmente admissível. Cfr. n.° 3 do artigo 287°do Código de Processo Penal;
3.-O Arguido expôs, cabalmente, as razões de facto e de direito pelas quais discorda da acusação, refutando-a e apresentando a respectiva versão, bem como os motivos pelos quais (finda a instrução) deveria ser proferido despacho de não pronúncia;
4.-O Arguido indicou igualmente - de modo bem individualizado - 14 (catorze) atos de instrução que pretendia que fossem levados a cabo e juntou documentos visando a demonstração probatória do alegado, pretendendo assim demonstrar que o mesmo não deve sequer ser submetido a julgamento.
5.-O R.A.I. em causa é legalmente admissível {Cfr. n.°3 do artigo 287°do CPP) e os actos de instrução requeridos reportam-se a provas admissíveis. Cfr. artigo 292°do CPP.
6.-O Arguido sustentou a sua discordância com a acusação, de modo directo e fundamentado, explicando as razões de facto e de direito de forma perfeitamente clara, superando inclusivamente a exigência prevista no n.º 2, do artigo 287.º do CPP.
7.-O Tribunal a quo fez uma interpretação incorreta dos artigos 286°, n.° 1, 287°, n.°s 2 e 3 do CPP, quando - ao invés - deveria ter interpretado e aplicado aquelas normas (face ao conteúdo do R.A.I. em causa) no sentido de que aquele requerimento é admissível e, consequentemente, deveria ter declarado aberta a instrução, admitindo os actos de instrução requeridos.
8.-O despacho sob recurso deve ser revogado e substituído por decisão que admita o requerimento de abertura de instrução apresentado pelo Arguido, declarando-se aberta a instrução, com as inerentes consequências legais.
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3)–Notificado do requerimento de interposição de recurso o Ministério Público respondeu ao recurso interposto pelo recorrente, pugnando pela sua improcedência e confirmação da decisão recorrida, concluindo que sem repetir aqui a fundamentação vertida na decisão que rejeitou o requerimento de abertura de instrução apresentado pelo arguido, diremos a mais que o direito de intervir no processo e de se pronunciar e contraditar os elementos de prova ou argumentos jurídicos, e o direito do arguido ao exercício do contraditório, há-de ser consentâneo com a exigência de uma precisa enunciação dos motivos que, com específico reporte aos concretos elementos probatórios colhidos em fase de inquérito, revelem e explicitem o raciocínio de discordância do juízo indiciário traduzido na acusação deduzida, por se deparar insuficiência de dados indiciários disponíveis e apreciados ou por se evidenciar erro de valoração de certas provas, a consubstanciar razão da qual decorra ser desacertada a decisão de submeter o arguido a julgamento. Entendemos, assim, ser de manter a decisão proferida”.
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4)–O recurso foi remetido para este Tribunal da Relação e aqui, com vista nos termos do artigo 416.º do Código de Processo Penal, a Ex.ma Senhora Procuradora – Geral Adjunto, emitiu parecer no sentido de o recurso ser julgado improcedente, acompanhando a resposta do Ministério Público na primeira instância, pelo seu rigor jurídico, clareza e síntese”.
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5)–Cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, o arguido não apresentou resposta.
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6)–Colhidos os vistos, foram os autos à conferência.
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Cumpre apreciar e decidir.
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B)–Fundamentação:

1.–Âmbito do recurso e questões a decidir:
O âmbito do recurso é dado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respetiva motivação, face ao disposto no artigo 412.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, que estabelece que a motivação enuncia especificadamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido”; são, pois, apenas as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas respetivas conclusões que o tribunal de recurso tem de apreciar, sem prejuízo das de conhecimento oficioso (identificação de vícios da decisão recorrida, previstos no artigo 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, pela simples leitura do texto da decisão, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, e verificação de nulidades que não devam considerar-se sanadas, nos termos dos artigos 379.º, n.º 2, e 410.º, nº 3, do mesmo diploma legal). O que é pacífico, tanto a nível da doutrina como da jurisprudência (cf. Germano Marques da Silva, Direito Processual Penal Português, vol. 3, Universidade Católica Editora, 2015, pág. 335; Simas Santos e Leal-Henriques, Recursos Penais, 8.ª ed., 2011, pág. 113; bem como o Acórdão de Fixação de Jurisprudência do STJ, n.º 7/95, de 19.10.1995, publicado no DR 1ª série, de 28/12/1995; e ainda, entre muitos, os Acórdãos do STJ de 11/07/2019, in www.dgsi.pt; de 25/06/1998, in BMJ 478, pág. 242; de 03/02/1999, in BMJ 484, pág. 271; de 28/04/1999, in Coletânea de Jurisprudência, acórdãos do STJ, Ano VII, Tomo II, pág. 193.
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No caso dos autos, face às conclusões da motivação apresentadas pelo recorrente, a única questão a decidir é a de saber se o despacho recorrido deve ser substituído por outro que declare aberta a fase instrutória.
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2.–O Despacho recorrido:
Naquilo em que a mesma releva para o conhecimento do objeto do recurso, é o seguinte o teor do despacho impugnado:
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I- Nos presentes autos, o arguido A requereu a abertura de instrução (cfr. fls. 207 e ss.), na sequência da acusação deduzida que lhes imputou, a prática de 1 (um) crime de abuso de confiança fiscal, p. e p. pelo artigo 105.°, n.°s 1, 2, 4 e 7 do R.G.I.T.
Como fundamentos do requerimento de abertura de instrução o arguido invocou, em síntese, que a B arguida foi declarada insolvente em 17 de Setembro de 2019, tendo a administração ficado por conta da devedora.
Mais invocou que houve a apresentação de um plano de insolvência, inicialmente designado para a Assembleia de Credores do dia 13 de Janeiro de 2020, mas que apenas foi realizada em 10 de Fevereiro de 2020, tendo os autos seguido para liquidação do activo.
Alegou ainda que deixou de ter qualquer acesso à documentação da contabilidade da empresa que foi plenamente confiada ao Sr. Administrador da Insolvência, deixando de estar acometida à anterior T.O.C., mais tendo alegado que comunicou todos os factos relevantes ao Sr. Administrador da Insolvência, nomeadamente a existência das facturas indicadas na acusação e as obrigações fiscais daí resultantes que ficou plenamente esclarecido, sendo certo que existia capital necessário para fazer face ao pagamento da dívida de I.V.A. junto da AT.
Por fim, do ponto de vista da aplicação do Direito aos factos mais referiu que o pagamento das dívidas da massa insolvente é da responsabilidade do Administrador de Insolvência, sendo que a responsabilidade do Administrador está unicamente limitada aos factos ocorridos antes da declaração de insolvência, i.e., no período subsequente é mesmo que a assume.
Por fim, alegou que na data em que o arguido deixou de ter a administração da devedora ainda se encontrava em curso o prazo para pagamento do imposto à AT e o Administrador de Insolvência dispunha da capital bastante para honrara a dívida perante a AT.
Em suma, invocou não ter agido a título de dolo nem de negligência, sendo que terá sido o Administrador de insolvência que possui inúmeros processos, a maioria dos quais em fase de liquidação que descurou as suas obrigações, mormente as tributárias das sociedades insolventes.
Atendendo à insuficiência de indícios de que o arguido tenha cometido o crime de abuso de confiança de que vem acusado, requereu produção probatória tendo concluído pugnando pela prolação de despacho de não pronúncia.
II-Cumpre apreciar e decidir:
De harmonia com o disposto no art. 286.°, n.° 1 do Código de Processo Penal, “A instrução visa a comprovação judicial da decisão de deduzir acusação ou de arquivar o inquérito em ordem a submeter ou não a causa a julgamento.”
A Lei permite que a actividade pelo Ministério Público durante a fase de inquérito possa ser controlada através de uma comprovação judicial, sendo tal possibilidade reflexo da estrutura acusatória do processo penal, constitucionalmente consagrada (cfr. art. 35.°, n.° 2 da Constituição da República Portuguesa).
Trata-se de verificar se se confirma ser a acusação decorrência dos factos apurados e dos meios de prova recolhidos no inquérito.
Tal comprovação só pode realizar-se sob o horizonte do conjunto de razões de facto e de direito de discordância em relação à decisão do Ministério Público, vertidas no requerimento de abertura de instrução apresentado e a sua finalidade é a realização de um juízo sobre se se verificam os pressupostos legais para a submissão, ou não, da causa, ou uma sua parte a julgamento — neste sentido, vide Ac. do Tribunal da Relação do
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