Acórdão nº 272/19.7T8VNG.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 2022-04-04

Ano2022
Número Acordão272/19.7T8VNG.P1
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto
Proc. nº 272/19.7T8VNG.P1
Origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto Juízo do Trabalho de Vila Nova de Gaia - Juiz 3
Recorrente: AA
Recorrida: X... – Companhia de Seguros, SA

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto

I – RELATÓRIO
AA, solteira, maior, titular do CC nº ..., contribuinte fiscal n.º ..., residente na Rua ..., ..., ..., ... Vila Nova de Gaia, intentou a presente acção especial de acidente de trabalho contra X... – Companhia de Seguros, SA, titular do NIPC ..., com sede na Rua ... à ..., n.º ../.., ... Lisboa, terminando com o pedido de que, deve a mesma “ser julgada procedente por provada e, em conformidade, ser a Ré condenada a pagar à Autora:
I. Nos termos do artigo 121º do CPT, pensão ou indemnização provisória, porquanto houve acordo na fase conciliatória acerca da existência e caracterização do acidente como acidente de trabalho;
II. Pensão anual e vitalícia de € 1.658,32, calculada com base no salário supra referido, devida desde o dia 10.01.2019, dia seguinte ao da morte do seu filho;
III. A título de despesas de funeral e trasladação a quantia de € 3.689,12;
IV. A quantia a título de juros de mora calculados à taxa legal e contabilizados desde a data do sinistro até efetivo e integral pagamento;
V. no pagamento das custas do presente processo.”.
Fundamenta o seu pedido, alegando, em síntese, que no dia 9 de Janeiro de 2019, quando o sinistrado BB, seu filho, se encontrava, no tempo e no seu local de trabalho, no exercício das respectivas funções de empregado de armazém, foi esmagado, na zona da cabeça, por um veículo pesado que realizava manobra de acostagem de marcha-atrás, tendo na decorrência e por força das lesões sofridas, vindo a falecer naquele mesmo dia.
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Citada, a Ré deduziu contestação alegando, em síntese, que o acidente que vitimou o BB se encontra descaracterizado por violação, por parte daquele, das regras de higiene, segurança e saúde no trabalho, pelo que não é responsável pelo pagamento de qualquer quantia à Autora.
Conclui que deve o presente acidente ser descaracterizado em virtude de violação pelo trabalhador sinistrado, BB, das regras de segurança e, em consequência, a Ré absolvida do pedido.
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A Autora veio responder, impugnando tudo o alegado pela Ré, que esteja em contradição com o vertido na p.i., com as demais legais consequências.
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Oportunamente, em 25.05.2020, foi proferido saneador tabelar, despacho a fixar, pensão provisória à Autora, os factos assentes, a identificar o objecto do litígio e os temas de prova.
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Realizada a audiência de discussão e julgamento, nos termos documentados nas actas de 17 e 24.09 e 20.10.2021, conclusos os autos para o efeito, foi proferida sentença, que terminou com a seguinte Decisão: «Pelo exposto, julgo a presente ação totalmente improcedente, por não provada, e, em consequência, absolvo a R. dos pedidos contra a mesma formulados.
Custas pela A.
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Registe e notifique.».
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Inconformada, com esta decisão, a Autora interpôs recurso que terminou com as seguintes “Conclusões:
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Pelo exposto,
Deve o presente recurso ser julgado provado e procedente, anulando-se a sentença recorrida e:
i. Alterando a factualidade provada e não provada nos termos referidos nas conclusões supra;
ii. Reapreciando a matéria de direito e condenando a Ré nos pedidos.”
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A R./seguradora respondeu, nos termos das contra-alegações juntas, as quais sem formular conclusões termina dizendo que não deve merecer provimento o recurso.
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Nos termos que constam do despacho, de 01.02.2022, o Mº Juiz “a quo” admitiu a apelação com efeito devolutivo e ordenou a subida dos autos a esta Relação.
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O Ex.mo Procurador-Geral Adjunto teve vista nos autos, nos termos do art. 87º nº 3, do CPT e emitiu parecer no sentido de que, o recurso merece provimento, no essencial, por considerar que, “... entendeu-se que o sinistrado violou regras de segurança estabelecidas pela entidade empregadora, tendo o acidente ocorrido por culpa dele.
Porém, deu-se como não provado que … “3) O sinistrado, após o mencionado em r), sem qualquer motivo, por sua vontade e iniciativa exclusiva, e sabendo que incumpria a regra referida em m) e n), tenha descido do cais para o solo, onde haja permanecido, colocando-se na traseira do veículo pesado não obstante a sua aproximação, em marcha-atrás, o que haja dado causa ao esmagamento referido em d);”
O mencionado em r) é o inicio da manobra de marcha-atrás do veículo de forma a encostar a caixa de carga ao cais de carga, e d) o esmagamento do sinistrado pelo veiculo que efectuava tal manobra.
E, diz-se na douta sentença, na fundamentação, que “Quanto aos factos não provados e para além de tudo quanto já se deixou ínsito, não foi produzida qualquer prova que tenha permitido concluir pela respetiva veracidade.”
O mesmo é dizer que não se provaram as concretas circunstâncias em que o acidente ocorreu.
Ora não se provando a dinâmica do acidente, não se determinando as condições e causas do mesmo, as razões que determinaram a atitude do sinistrado, “não é possível afirmar a descaracterização do acidente de trabalho, tanto mais que não é possível, sequer, ter como demonstrada a violação pelo trabalhador das condições de segurança.” Ac. do STJ, de 10-02- 2021 Proc. n.º 103/16.0T8TMR.C1.S2 (Revista – 4.ª Secção) Júlio Gomes.
Cremos assim que, só por si, esta circunstância seria bastante para não descaracterizar o acidente.”.
Notificadas deste, apenas, a Ré veio pronunciar-se, nos termos que constam do requerimento junto, em 21.03.2022, discordando do mesmo, defendendo que aquele se baseia em fundamentos inaplicáveis ao caso e incorrectamente avaliados, não merecendo correspondência com a prova produzida, pelo que reitera as suas contra-alegações e pugna pela improcedência do recurso.
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Cumpridos os vistos, nos termos do disposto no art. 657º, nº 2, do CPC, há que apreciar e decidir.
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O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações da recorrente, cfr. art.s 635º, nº 4 e 639º, nºs 1 e 2 do Código de Processo Civil aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho, aplicável “ex vi” do art. 87º, nº 1, do Código de Processo do Trabalho, ressalvadas as questões de conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado.
Assim as questões a apreciar e decidir consistem em saber se, deve ser alterada a decisão de facto nos termos impugnados e se deve a sentença recorrida ser substituída por outra que declare procedente o pedido da recorrente, por o acidente sofrido pelo sinistrado não se encontrar “descaracterizado”, ao contrário do que concluiu o Tribunal “a quo”.
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II - FUNDAMENTAÇÃO
A) DE FACTO
A 1ª instância, considerou os seguintes “Factos provados:
a) A A. AA é mãe de BB, que faleceu no dia 9 de janeiro de 2019, no estado de solteiro, sem deixar descendentes e sem estabelecimento de filiação paterna, conforme resulta do assento de óbito com o n.º ..... emitido pela Conservatória do Registo Civil de Marco de Canaveses junto a fls. 86 verso e 87 frente dos autos (art.º 1.º dos factos assentes);
b) Na data de 9 de janeiro de 2019 o referido BB trabalhava sob as ordens, direção e fiscalização da V..., Ld.ª, com sede na Av.ª ..., n.º ..., 3º piso – Esq.º/Dt.º, n.º .., ... Lisboa, com a categoria profissional de “Empregado de Armazém”, e encontrava-se a exercer funções nas instalações da empresa utilizadora S..., Ld.ª, com sede no Largo ..., ..., ... ..., Vila Nova de Gaia, no âmbito do contrato de trabalho temporário celebrado em 18 de junho de 2018, cuja cópia se encontra junta a fls. 94 frente (art.º 2.º dos factos assentes);
c) Nessa data o referido BB auferia o salário de € 600 x 14 meses + € 140,80 x 11 meses + € 1 106,69 x 1 mês (outros) (art.º 2.º dos factos assentes);
d) No referido dia 9 de janeiro de 2019, pelas 13h30min, quando o BB se encontrava a desempenhar a sua função de operador de armazém nas instalações da empresa S..., Ld.ª, apeado no local destinado a armazenamento, carga e descarga, ocorreu o seu atropelamento/esmagamento pelo veículo pesado de mercadorias da marca Mercedes, modelo ..., com a matrícula de nacionalidade ... ....DKY, conduzido por CC e propriedade de R... S.L. (E...), com sede em ..., ..., ..., ..., Galiza (art.º 4.º dos factos assentes);
e) O local onde o evento supra referido ocorreu é um armazém de logística/terminal de cargas e de descargas de mercadorias transportadas em veículos pesados de mercadorias, composto por diversos cais de carga/descarga de mercadorias, devidamente identificados por numeração no local e área ampla descoberta para circulação e manobra de veículos, piso plano cimentado, de boa visibilidade (art.º 5.º dos factos assentes);
f) Em consequência do embate descrito em d) entre o veículo e o BB, e como causa direta e necessária desse embate, o referido BB sofreu lesões na cabeça, as quais provocaram a sua morte (art.º 6.º dos factos assentes);
g) No local existe videovigilância; contudo, naquele dia e àquela hora as câmaras direcionadas ao local do acidente não estavam a funcionar (art.º 7.º dos factos assentes);
h) Na data em que o evento ocorreu a entidade empregadora V..., Ld.ª havia transferido a sua responsabilidade por acidentes de trabalho para a R. X... – Companhia de Seguros, S. A., através de contrato de seguro do ramo acidentes de trabalho titulado pela apólice com o n.º ......, conforme cópia junta a fls. 10 a 13 dos autos (art.º 8.º dos factos assentes);
i) O cadáver do sinistrado foi transportado pelos Bombeiros Voluntários ... para o I.M.L. ..., tendo sido sujeito a autópsia, encontrando-se o relatório da autópsia a fls. 98 a 101 dos autos (art.º 9.º dos factos assentes);
j) Quando o BB iniciou as suas funções com a categoria profissional de Operador de Armazém nas instalações da empresa utilizadora S..., Ld.ª, em 18 de julho de 2018, o mesmo recebeu formação no âmbito dos riscos profissionais e
...

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