Acórdão nº 2715/22.3 BELSB de Tribunal Central Administrativo Sul, 11-05-2023

Data de Julgamento11 Maio 2023
Ano2023
Número Acordão2715/22.3 BELSB
ÓrgãoTribunal Central Administrativo Sul
Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

Ministério da Administração Interna [MAI] devidamente identificado como entidade requerida nos autos de intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias instaurada por I. A., inconformado, veio interpor recurso jurisdicional da decisão, proferida em 18.10.2022, pelo Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, que julgou I. improcedente a excepção dilatória de impropriedade do meio processual; II. procedente e, em consequência, intimou a Entidade requerida a, no prazo de 10 dias, proferir decisão acerca do pedido de autorização de residência apresentado pelo Requerente, ao abrigo do artigo 88º, nº 2 da Lei nº 23/2007, de 4 de Julho.
Nas respectivas alegações, o Recorrente formulou as conclusões que seguidamente se reproduzem:
«1.ª - Os processos urgentes devem ser reservados para as situações de verdadeira urgência na obtenção de uma decisão sobre o mérito da causa (que coincidem com aquelas para as quais não é possível ou suficiente a utilização de um processo não urgente), e onde exista necessidade de uma proteção acrescida dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos.
2.ª - Conforme resulta da lei e é pacifico na doutrina e jurisprudência dominante, a intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias é uma tutela subsidiária, configurada para ser acionada quando os restantes meios processuais não se mostram suficientes para acautelar a situação concreta, exigindo-se cumulativamente, para o uso desta forma processual - a urgente emissão de uma decisão de mérito visando a proteção de um direito, liberdade ou garantia, ou um direito fundamental de natureza análoga, nos termos do art.º 17.º da CRP e que não seja suficiente, nas circunstâncias do caso, o decretamento provisório de uma providência cautelar ou o recurso a qualquer meio cautelar.
3.ª- A intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias carateriza-se, assim, nos termos do art.º 109º do CPTA, por dois vetores: a indispensabilidade, na perspetiva de ser necessário a prolação urgente de uma decisão de mérito, e a subsidiariedade, na perspetiva que só pode ser utilizado se não for possível ou suficiente o decretamento provisório de uma providência cautelar.
4.ª- Cumpre, assim, ter em atenção que o meio normal de tutela dos direitos fundamentais consiste no recurso às ações administrativas, com a possibilidade, caso se verifique a necessidade de salvaguarda dos efeitos da ação principal, à tutela cautelar, e, caso a urgência da situação o justifique, ao respetivo decretamento provisório, nos termos do artigo 131.º do CPTA.
5.ª - A intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias só pode ser utilizada, assim, quando for seguro concluir que a propositura de uma ação administrativa cumulada com um pedido de tutela cautelar é incapaz de proporcionar a efetiva tutela do direito, liberdade ou garantia cuja ameaça se invoque.
6.ª - Ora, na Sentença a quo não está demonstrada a imprescindibilidade do recurso ao meio processual escolhido, não sendo provado nos autos, para além da simples alegação, que não seria possível, em tempo útil, o recurso alternativo à ação administrativa, com ou sem intervenção cautelar.
7.ª - Inequivocamente, ajuizou mal o douto Tribunal, ao considerar devidamente demonstrada a indispensabilidade da emissão urgente de uma decisão de fundo tendo em vista a protecção de um direito, liberdade ou garantia, e ainda assim olvidando o esgrimido supra in arts 44.º e 45.º.
8.ª - A apontada imprescindibilidade não pode dar-se por verificada, pois a situação em presença não reivindica uma urgência tal que seja merecedora de uma tutela que imponha a necessidade da célere emissão de uma decisão de mérito e que o art. 109.º, n.º 1, do CPTA exige.
9.ª - Só é legítimo a ele recorrer quando esteja em causa a lesão, ou a ameaça de lesão, de um direito, liberdade ou garantia (ou de um direito fundamental ou de natureza análoga) cuja proteção seja urgente.
10.ª - Neste contexto, não se alcança óbice para que esse Tribunal ad quem não soçobre o malogrado veredito. Pois se assim não ocorrer, a presente sede transformar-se-á doravante, numa espécie de instrumento de aceleração processual e num mecanismo perverso, através do qual os requerentes (autores) interessados, procurarão ultrapassar outros interessados com as mesmas pretensões, suprimindo fases e olvidando requisitos, obrigando a Administração a proferir uma decisão, em clara violação dos princípios nucleares da legalidade e da igualdade de tratamento dos administrados perante a lei.
11.ª - Nos presentes autos está em causa a concessão de autorização de residência ao abrigo do art. 88.º n.º 2 da Lei n.º 23/2007, de 4/7, logo, a pretensão relativamente à qual o recorrido invoca urgência, pode perfeitamente ser decidida provisoriamente através de providência cautelar – caso estejam reunidos os respetivos pressupostos – não se vislumbrando a imprescindibilidade de uma decisão urgente de mérito relativamente à mesma. Pois não resulta dos factos alegados a imprescindibilidade de uma tutela material definitiva imediata, mostrando-se possível ou suficiente para assegurar o exercício, em tempo útil, do direito, liberdade ou garantia invocado, a utilização de ação administrativa.
12.ª - Pois mesmo considerando os direitos invocados pelo recorrido com sendo direitos de natureza análoga aos direitos a que alude o n.º 5 do art. 20.º da CRP, os mesmos já estarão acutelados no seu n.º 1 (do art. 88.º), pelo que também a subsidiariedade da norma invocada preclude o uso da presente via processual.
13.ª - Acresce, e no que tange ao mérito, que é convicção do recorrente, que o Tribunal a quo não só decidiu ignorando a factualidade concreta, como outrossim, e cumulativamente, efectuou uma incorreta subsunção da mesma no direito, pois de outra forma jamais procederia a pretensão do autor.
14.ª - Veicule-se, que não existe inércia por parte do recorrente, como é afirmado na Sentença a quo, pois a inércia é do recorrido que, e antes de mais, pretendendo trabalhar em Portugal, deveria ter diligenciado no sentido de adquirir os documentos necessários para tal, designadamente o visto adequado, o que não aconteceu.
15.ª - Acresce, por outro lado, que também nenhuma das exigências decorrentes do art. 67.º do CPTA se verifica, porquanto ao recorrente não incumbe destarte o dever de emitir qualquer acto administrativo, tão pouco assiste ao recorrido o direito à sua arguição nos termos em que o faz, e muito menos neste contexto.
16.ª - Com a devida vénia, emerge ostensivo da Sentença sob recurso, que foi invertido o ónus de demonstração, facto que não pode deixar de sublevar, pois ainda que estivéssemos ao abrigo de um processo cautelar, tal não se mostraria viável, in casu.
17.ª - Em suma, o veredito proferido pelo TAC de Lisboa, ao considerar preenchidos os pressupostos da Intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias, viola frontalmente o art. 109º do CPTA, os arts. 2.º, 53.º, 58.º/1 e 2, al. b), n.º 1, 59.º, 17.º in fine e 18.º todos da CRP.
18.ª - Outrossim num segundo momento, ao condenar o ora recorrente nos termos em que o fez, viola de forma taxativa os princípios da legalidade e da igualdade, face à factualidade que assumiu como provada, pelo que não só a violação do direito adjetivo, mas também do direito substantivo entre os quais, os art. 77.º e 88.º/2, da Lei 23/2007, dos arts. 58.º e 115.º e ss. do CPA), impõem que esse douto Tribunal ad quem se debruce sobre a mesma.».
Requerendo,
«Nestes termos, e nos mais de Direito, devem ser admitidas as presentes Alegações de recurso jurisdicional, e ser declarada nula a Sentença recorrida, pela verificação da exceção dilatória inominada de inadequação do meio processual, ou à cautela, por não se verificarem os requisitos previstos no n.º 1 do art. 109.º do CPTA.
Caso assim não ajuíze esse douto Tribunal ad quem,
Impetra o recorrente, que no que tange ao mérito da presente lide igualmente se considere verificada a violação da lei e dos princípios constitucionais citados, anulando-se a douta sentença recorrida com as legais consequências.».

Notificado para o efeito, o Recorrido não contra-alegou.

O Ministério Público, junto deste Tribunal, notificado nos termos e para efeitos do disposto nos artigos 146º e 147°, do CPTA, emitiu parecer no sentido de conceder provimento ao recurso.

Notificada as partes, o Recorrido pronunciou-se sobre o parecer que antecede, pugnando pela manutenção da sentença recorrida.

Sem vistos dos Exmos. Juízes-Adjuntos, por se tratar de processo urgente (cfr. o nº 2 do artigo 36º do CPTA), o processo vem à Conferência para julgamento.

As questões suscitadas pelo Recorrente, delimitadas pelas alegações de recurso e respectivas conclusões, nos termos do disposto no nº 4 do artigo 635º e nos nºs 1 a 3 do artigo 639º, do CPC ex vi nº 3 do artigo 140º do CPTA, consistem, no essencial, em saber se a sentença incorre em erro de julgamento por ter julgado improcedente a excepção da inadequação do meio processual, ou, se assim não se entender, por não se verificarem os requisitos previstos no nº 1 do artigo 109º do CPTA, ou ainda, no que respeita ao mérito da lide, por ignorar a factualidade assente e ter efectuado uma errada subsunção da mesma no direito.

A sentença recorrida “[a]tento o pedido formulado pelo Requerente e conferidos os documentos juntos aos autos pelas partes, são considerados bastantes e com interesse para o conhecimento da questão prévia, os seguintes factos,”:

«A. Em 10.2.2022 o Requerente apresentou junto dos serviços da Entidade Requerida, um documento identificado como “Manifestação de Interesse”, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 88.º, n.º 2 da Lei nº 23/2007, de 4 de julho, à qual foi atribuído o número 50956766, cfr...

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