Acórdão nº 27/18.6GACBT.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 2022-06-20

Ano2022
Número Acordão27/18.6GACBT.G1
ÓrgãoTribunal da Relação de Guimarães

Acordam, em conferência, os Juízes na Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães.

I. Relatório

1.
Nos presentes autos de processo comum com intervenção do tribunal coletivo, com o número 27/18.6GACBT, do Tribunal Judicial da Comarca de Braga, Juízo Central Criminal de Guimarães, realizado julgamento foi proferido acórdão, nos termos da qual foi decidido, para além do mais
-Condenar o arguido J. P., pela prática de um crime de furto qualificado, p. e p. pelos artigos 203º, nº 1, 204º, nº 2, alínea e), do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses.
- Condenar o arguido P. P., pela prática de seis crimes de furto qualificado, p. e p. pelos artigos 203º, nº 1, 204º, nº 2, alínea e), do Código Penal, nas penas parcelares de 1 ano e 6 meses, 1 ano, 10 meses, 10 meses,10 meses, 1 ano de prisão.
- Em cúmulo jurídico de penas, condenar o arguido P. P., na pena única de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão suspensa na execução pelo período de 3 (três) anos e 6 (seis) meses, mediante regime de prova, e ainda mediante o dever de pagar a indemnização nos termos e que se comprometeu na transação celebrada com o demandante civil M. F. e findo este pagamento deverá pagar igualmente a indemnização devida a D. R., em oito prestações mensais, sendo as sete primeiras no valor de € 500,00 cada, e oitava no valor de € 150 euros, vencendo-se a primeira prestação em 11 de junho de 2022 e as restantes em iguais dias dos meses subsequentes, sem prejuízo do arguido pagar antecipadamente se assim o pretender ou caso seja instaurada cobrança coerciva da quantia em causa.
- Nos termos do disposto no art.º 110, n.º 1, al. b), 4 e 6 do Código Penal, condenar os arguidos P. P. e J. P. a pagarem solidariamente ao Estado o valor de € 6.500,00 (seis mil e quinhentos euros) e o arguido P. P. a pagar ao Estado o valor de € 1.748,50 (mil setecentos e quarenta e oito euros e cinquenta cêntimos), nos termos do disposto no art.º 110º, n.º 1, al. b), 4 e 6 do Código Penal.
- Condenar o demandado civil P. P. no pagamento da indemnização no valor de € 3.750,00 três mil setecentos e cinquenta euros ao demandante civil D. R..

2.
Não se conformando com o decidido, veio o arguido P. P. interpor o presente recurso, extraindo da sua motivação as seguintes conclusões (transcrição):

«1. Refere a decisão recorrida que o arguido P. P., com as suas condutas preencheu os elementos subjetivos e objetivos quanto a seis crimes de furto qualificado, previsto e punido pelo artigo 204º nº 2 alínea d) do Código Penal.
2. Ora, o artigo 204º nº 2 al. d) do CP dispõe que quem furtar coisa móvel ou animal alheios que possua importante valor científico, artístico ou histórico e se encontre em coleção ou exposição públicas ou acessíveis ao público é punido com pena de prisão de dois a oito anos.
3. Atento os objetos descritos nos factos provados, os mesmos não se caraterizam por coisas com valor científico artístico ou histórico, nem se encontram em coleção, exposição ou acessíveis ao público, não tendo, por isso, havido o preenchimento dos elementos que compõe essa alínea d) do nº 2 do artigo 204º.
4. É ainda mencionado na decisão recorrida que o recorrente retirou e levou consigo várias peças em ouro no valor total de 3.750,00€UR.
5. Tal quantia foi apurada tendo por base apenas e só as declarações do Ofendido que em sede de inquérito mencionou que as peças retiradas teriam esse valor.
6. O Ofendido não deduziu pedido de indemnização civil.
7. Requereu que o tribunal lhe arbitrasse uma indemnização por força desse furto, tendo o tribunal considerado esse pedido, como de indemnização.
8. Em sede de contestação, o Recorrente impugnou o valor dos bens atribuídos na acusação e requereu a sua avaliação, tendo o Tribunal indeferido.
9. Sucede que nenhuma prova relativamente ao concreto valor dos bens furtados foi efetuada pelo Ofendido.
10. Apesar disso, o Tribunal condenou o Recorrente no pagamento dessa quantia e condicionou a suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao recorrente, ao pagamento dessa quantia ao Ofendido.
11. O Ministério público requereu, ao abrigo do disposto no artigo 110 nº 1 al b) e nº 4 e 6 do Código Penal, a condenação dos arguidos, P. P. (o ora Recorrente) e J. P. a pagarem solidariamente ao estado o valor de 6.690,00€UR e o Recorrente a pagar ao estado o valor de 4.502,00€.
12. No entanto, o Tribunal entendeu não haver lugar à declaração de perda a favor do estado, sob pena de duplicação de pagamento atento o cuidado do Recorrente em indemnizar o ofendido M. F. e pela condenação daquele no pagamento da quantia de 3.750,00€ correspondente ao prejuízo sofrido pelo D. R..
13. Sucede que os furtos estavam cobertos por apólice de seguro, conforme resulta dos pedidos efetuados pelos ofendidos ainda em sede de inquérito.
14. Daí que não tivessem sido deduzidos quaisquer outros pedidos de indemnização civil.
15. Os ofendidos não ficaram patrimonialmente prejudicados, na medida da existência do seguro.
16. Assim, atento o entendimento do Tribunal em declarar que não há perda a favor do estado, sob pena de haver duplicação de pagamentos, o mesmo se haverá de dizer relativamente aos demais que receberam a respetiva indemnização do seguro.
17. Pelo que deverá o recorrente ser absolvido do pagamento de qualquer quantia a favor do estado.

Termos em que deverá o presente recurso ser admitido, julgado procedente e, consequentemente, alterado o acórdão proferido, tal como é de JUSTIÇA».

3.
A Digna Procuradora da República junto da primeira instância veio responder ao recurso concluindo pela sua improcedência.

4.
Neste Tribunal da Relação, o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso, concluindo nos seguintes termos:

“1. Deverá proceder-se a uma precisa correção do acórdão recorrido, na sua página 24, por ser manifesto o lapso de escrita aí existente quando se alude à alínea d) do nº2 do artigo 204º do C. Penal, devendo a alusão a tal “alínea d)” ser substituída por “alínea e)”, por ser esse, efetivamente, o tipo legal de crime que ao arguido foi imputado na acusação, por ser este o versado na fundamentação do acórdão, por ser tal circunstância qualificativa a acertadamente referida no dispositivo da decisão recorrida e por tal o consentir o previsto no artº380,nº1,al.b), do CPPenal;
2. Deverá rejeitar-se o recurso do arguido na parte relativa à sua oposição à sua condenação cível, tendo em vista o estatuído no nº2, do art.400º do CPPenal e;
3. Deverá confirmar-se a declaração de perda em favor do Estado das vantagens auferidas pelo arguido recorrente tendo em vista o disposto no artº111º do CPenal sendo que este regime sancionatório não se acha na disposição dos ofendidos e a circunstância por si convocada não possuir sequer assento nos factos dados como provados”.

5.
Foi cumprido o disposto no art. 417º, nº2, do C.P.P., não tendo sido apresentada qualquer resposta ao parecer.

6.
Colhidos os vistos, o processo foi presente à conferência, por o recurso dever ser aí
julgado, de harmonia com o preceituado no art. 419º, nº3, al.c), do diploma citado.

Cumpre decidir

II. Fundamentação

A) Delimitação do objeto do recurso

Como é consensual, quer na doutrina quer na jurisprudência, são as conclusões extraídas pelo recorrente da motivação, sintetizando as razões do pedido, que definem e determinam o âmbito do recurso e os seus fundamentos, delimitando para o tribunal superior as questões a decidir e as razões por que devem ser decididas em determinado sentido, sem prejuízo do conhecimento oficioso de certos vícios e nulidades, ainda que não invocados ou arguidas pelos sujeitos processuais.
Todavia, no caso vertente impõe-se apreciar e decidir as seguintes questões prévias:
Em primeiro lugar, cumpre apreciar a questão prévia da inadmissibilidade do recurso interposto pelo recorrente na parte atinente ao pedido de indemnização civil formulado pelo demandante D. R..
Insurge-se o recorrente quanto à sua condenação no pagamento da quantia de 3.750,00€, correspondente ao valor dos objetos em ouro que retirou da habitação do demandante.
Ora, de acordo com o art. 400º, n.º 2, do C.PPenal, sem prejuízo do disposto nos arts. 427º e 432º (manifestamente inaplicáveis ao caso em análise), o recurso da parte da sentença relativa à indemnização civil só é admissível se o valor do pedido for superior...

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