Acórdão nº 26910/20.0T8LSB-A.L1-6 de Tribunal da Relação de Lisboa, 12-10-2023

Data de Julgamento12 Outubro 2023
Ano2023
Número Acordão26910/20.0T8LSB-A.L1-6
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam os Juízes na 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa

I. O relatório
A e B interpuseram a presente acção comum, contra
C, S.A,
peticionando:
a) Os A.A. pedem a condenação da Ré, no pagamento da quantia de €297.500,00 (Duzentos e noventa e sete mil e quinhentos euros, acrescida de juros de mora à taxa legal em vigor, desde a citação até integral pagamento;
b) A resolução do contrato por verificação do seu cumprimento, desde 28/09/2016.
Nestes termos, deve a presente ação ser julgada procedente por provada e em consequência ser a R., condenada no pagamento aos AA., do valor de €297.500,00 (Duzentos e noventa e sete mil e quinhentos euros), acrescida de juros de mora à taxa legal em vigor, desde a citação até integral pagamento, bem como, ser resolvido o contrato em virtude do seu incumprimento por parte da Ré.
A ré contestou, impugnando parte da factualidade vertida na petição inicial e excepcionando a ilegitimidade passiva, a ineptidão da petição inicial, por inexistência de nexo lógico entre os pedidos deduzidos e a causa de pedir invocada na petição inicial bem como por ininteligibilidade do pedido formulado em b) e, ainda, deduzindo pedido reconvencional contra os autores.
Os autores replicaram, propugnando pela improcedência das excepções e da demanda reconvencional bem como requereram intervenção principal provocada de D, S.A..
Com data de 3/6/2022, foi proferido despacho, salientando-se o seguinte teor:
Impõe-se agendar a audiência prévia a realizar nestes autos.
Porém, face às posições antagónicas firmadas nos autos, não se afigura possível o acordo das partes.
Tendo sido deduzidas excepções, e pedido reconvencional, os AA. tiveram, já oportunidade de lhes responder.
Assim, nos termos do art.º 593º do Código de Processo civil decido dispensar a realização da audiência prévia.
No mesmo despacho, decidiu-se, ainda, indeferir a requerida intervenção principal provocada, fixar o valor da causa, admitir o pedido reconvencional, julgar improcedente a excepção de ilegitimidade passiva, absolver o réu da instância quanto ao pedido formulado em b), por ineptidão parcial da petição inicial, apreciar tabelarmente a regularidade da restante instância, fixar o objecto do litígio e os temas da prova, e admitir os meios probatórios apresentados.
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Inconformados, os autores interpuseram recurso de apelação para esta Relação, formulando na sua alegação as seguintes conclusões:
64. O Tribunal a quo tendo em conta que a exceção dilatória de ineptidão não foi debatida nos articulados estava obrigada a marcar a audiência prévia.
65. A não realização de audiência prévia, impondo a lei a sua realização, constitui nulidade processual, podendo ser arguida em sede de recurso, conduzindo à anulação da decisão que dispensou a sua convocação e do saneador-sentença que se seguiu a essa decisão.
66. Assim o facto de ter sido dispensada a audiência prévia, não obstante não se mostrar, fundamentada a opção pela não realização de tal formalidade.
67. É notório que a causa de pedir ou o fundamento de tal pedido é o incumprimento culposo do R.
68. O tribunal a quo tivesse sobre esta matéria, haveria sempre lugar ao convite ao aperfeiçoamento de tal alegação. Cfr. art.º 590º, n.º 2 do CPC.
69. O tribunal a quo não logrou fazer o convite ao aperfeiçoamento.
70. A não realização de audiência prévia, impondo a lei a sua realização, constitui nulidade processual, podendo ser arguida em sede de recurso, conduzindo à anulação da decisão que dispensou a sua convocação e do saneador-sentença que se seguiu a essa decisão.
71. O que aqui se requer.
72. Pois que a mesma carecia de ser realizada, aliás como igualmente a recorrida em sede de reclamação também sustenta.
73. Ou pelo menos o Tribunal a quo deveria ter ouvido as partes.
74. Considerando que o crédito cedido à D, SA, e tendo igualmente esta comunicado ao Banco de Portugal a situação de alegado incumprimento dos apelantes, mesmo sustentada num negócio jurídico ferido de nulidade, deverá a mesma ser chamada ao processo por ser igualmente responsável pela situação danosa criada na esfera jurídica dos apelantes.
75. Normas jurídicas violadas: Artigos 590º, n.º 2, 592º, 595º, 1. B), 6º, nº 1 e 3.º, todos do Código de Processo Civil.
Pelo exposto, se requer a procedência da apelação, e assim procedam à anulação da decisão que dispensou a realização da audiência prévia e o subsequente saneador-sentença, devendo ser proferida decisão a convocar as partes para audiência prévia, nos termos e para os efeitos do artigo 591.º do Código de Processo Civil e ser chamada ao processo como interveniente principal a D, SA, bem como julgar o pedido formulado em B) da p.i., inteligível e apto a prosseguir em sede de julgamento.
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O réu não contra-alegou.
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Em 4/11/2022, foi realizada audiência prévia, onde foram aditados os temas da prova e foi admitido o recurso interposto pelos autores, como sendo de apelação, com subida em separado e efeito meramente devolutivo.
Corridos os vistos legais, cumpre decidir.
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II. O objecto e a delimitação do recurso
Consabidamente, a delimitação objectiva do recurso emerge do teor das conclusões do recorrente, enquanto constituam corolário lógico-jurídico correspectivo da fundamentação expressa na alegação, sem embargo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer ex officio.
De outra via, como meio impugnatório de decisões judiciais, o recurso visa tão só suscitar a reapreciação do decidido, não comportando a criação de decisão sobre matéria nova não submetida à apreciação do tribunal a quo.
Por outro lado, ainda, o recurso não é uma reapreciação ‘ex novo’ do litígio (uma “segunda opinião” sobre o litígio), mas uma ponderação sobre a correcção da decisão que dirimiu esse litígio (se padece de vícios procedimentais, se procedeu a incorrecta fixação dos factos, se fez incorrecta determinação ou aplicação do direito aplicável). Daí que não baste ao recorrente afirmar o seu descontentamento com a decisão recorrida e pedir a reapreciação do litígio (limitando-se a repetir o que já alegara na 1ª instância), mas se lhe imponha o ónus de alegar, de indicar as razões porque entende que a decisão recorrida deve ser revertida ou modificada, de especificar as falhas ou incorrecções de que em seu entender ela padece, sob pena de indeferimento do recurso.
Ademais, também o tribunal de recurso não está adstrito à apreciação de todos os argumentos produzidos em alegação, mas apenas – e com liberdade no respeitante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito – de todas as “questões” suscitadas, e que, por respeitarem aos elementos da causa, definidos em função das pretensões e causa de pedir aduzidas, se configurem como relevantes para conhecimento do respectivo objecto, exceptuadas as que resultem prejudicadas pela solução dada a outras.
Assim, em face do que se acaba de expor e das conclusões apresentadas, são as seguintes as questões a resolver por este Tribunal:
Nulidade emergente da dispensa de audiência prévia;
Adequação legal do despacho que indeferiu a intervenção de terceiros.
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III. Os factos
Encontra-se provada a factualidade processual que supra se expôs.
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IV. O Direito
Da omissão de audiência prévia
Em primeiro lugar, vêm os recorrentes impugnar a decisão de absolvição parcial da instância, limitada ao pedido formulado em b), por ineptidão da petição inicial emergente da ininteligibilidade do mesmo pedido.
Arguindo que tal decisão deveria ter sido proferida em sede de audiência prévia e não por despacho contemporâneo à decisão de dispensa da mesma.
A este respeito, veja-se desta Relação e Secção, o arresto de 8/2/2018 (Cristina Neves), disponível em www.dgsi.pt:
I.– No NCPC (Lei 41/2013), passou a dispor-se como regra a obrigatoriedade da realização de audiência prévia, agora previsto no art.º 591 do C.P.C., nomeadamente quando “tencione conhecer imediatamente, no todo ou em parte, do mérito da causa.” (nº1 b)
II.– A lei processual apenas autoriza o juiz a dispensar a audiência prévia nas acções que hajam de prosseguir e, a realizar-se, a audiência prévia só tivesse por objecto as finalidades indicadas nas alíneas d), e) e f) no n.º 1 do artigo 591.º
III.– A dispensa da audiência prévia fora destes casos, só é possível por via do mecanismo da adequação formal prevista no art.º 547 e 6 do C.P.C. sem prejuízo de a dispensa ser precedida de consulta das partes, por exigência do princípio do contraditório, como decorre do art.º 3º, nº 3, do NCPC.
IV.– Sendo esta uma formalidade obrigatória e essencial, a sua não observância é fundamento de nulidade, que inquinou a sentença proferida por ter decidido de questão de que não podia conhecer e apenas impugnável por via do competente recurso.
A obrigatoriedade de realização da audiência prévia, por contraponto à possibilidade de dispensa prevista no art.º 508-B nº1 b) do Código de Processo Civil anterior, tem sido defendida de forma unânime pela nossa jurisprudência (Relação de Évora de 30/06/2016 (Mário Serrano); Relação de Lisboa de 9/10/2014 (Jorge Leal), de 5/5/2015(Cristina Coelho).
Também na doutrina, a obrigatoriedade de realização desta audiência prévia, é defendida de forma igualmente unânime, referindo Ferreira de Almeida, in Direito Processual Civil, vol. II, 2015, pág. 190, o seguinte: «Uma vez executado o despacho pré-saneador (ou seja, uma vez concluídas as
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