Acórdão nº 2674/21.0YRLSB-2 de Tribunal da Relação de Lisboa, 27-01-2022

Data de Julgamento27 Janeiro 2022
Ano2022
Número Acordão2674/21.0YRLSB-2
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam os juízes no Tribunal da Relação de Lisboa

I.–RELATÓRIO:

1.–Em 11.11.2021 João, português, residente na (…) Road, Londres (…), Grã-Bretanha, e Oliver, britânico, residente na (…) Road, Londres (…), Grã-Bretanha, propuseram conjuntamente a presente ação declarativa com processo especial de revisão de sentença estrangeira.

Os requerentes alegaram, em síntese, que em 28 de julho de 2021 celebraram uma Escritura de Declaração Estatutária de União de Facto no Notário Público (…), em Londres, Reino Unido.

Segundo os requerentes trata-se de um documento legal correspondente a sentença, que confere aos declarantes o estatuto de relação equiparada à dos cônjuges nos termos do direito britânico.

Os requerentes terminaram pedindo que a dita Declaração Estatutária fosse revista e confirmada nos seus precisos termos, confirmando-se a união estável.

2.–Em 16.11.2021 foi proferido o seguinte despacho:

João (…) e Oliver (…) vieram requerer a revisão e confirmação de uma escritura de declaração estatutária de união de facto por eles outorgada em 28.7.2021 perante Notário Público em Londres.

Os requerentes alegam que tal documento corresponde a uma sentença, conferindo aos declarantes o estatuto de relação equiparada à dos cônjuges nos termos do direito britânico.

Temos vindo a admitir a revisão de documentos notariais estrangeiros quando estes produzem efeitos jurídicos no país onde foram emitidos – é o caso das escrituras de declaração de união estável no Brasil (cfr., v.g., acórdão da Relação de Lisboa, de 11.12.2019, processo 1807/19.0YRLSB-7, consultável em www.dgsi.pt).

Haverá, pois, que averiguar se a ora apresentada “declaração estatutária de união de facto” produz efeitos jurídicos relevantes no Reino Unido, nomeadamente se tem a virtualidade de constituir, perante as autoridades desse país, uma relação jurídica relevante equiparável à de união de facto (ou de cônjuges).

O que parece resultar do Civil Partnership Act de 2004, emitido pelo Parlamento do Reino Unido, é que a civil partnership, correspondente à nossa união de facto, se formaliza através de um processo de registo requerido perante um registry office, o qual culmina com a assinatura de um civil partnership document, efetuada perante duas testemunhas na presença de um oficial de registo (cfr. art.º 2.º - “Section 2” - da referida Lei).

De resto, segundo o art.º 75.º da referida lei, um mero “acordo de união de facto” (“civil partnership agreement”) não tem qualquer força jurídica (“does not under the law of England and Wales have effect as a contract giving rise to legal rights”).

Afigura-se, pois, a este Relator, que o documento ora apresentado não reveste natureza jurídica equiparável à de uma sentença, não cabendo, pois, a sua revisão e confirmação.

Ao abrigo dos artigos 3.º n.º 3 e 7.º n.º 2 do CPC concede-se aos requerentes o prazo de 20 dias para virem aos autos prestar os esclarecimentos que a este respeito se lhes afigurar serem relevantes.

3.–Os requerentes apresentaram a seguinte resposta:

1.-Os Requerentes vivem numa relação de União de Facto desde março de 2012.

2.-Por ser verdade, os requerentes celebraram em 28 de julho de 2021 uma Escritura de Declaração Estatutária de União de Facto no Notário Público (…), em Londres, Reino Unido.

3.-Resulta da Escritura de Declaração Estatutária de União de Facto o reconhecimento de que os seus outorgantes estão “numa relação genuína e duradoura” e que têm “toda a intenção de viver permanentemente juntos numa relação.”

4.-Tal declaração deve ser averbada ao assento de nascimento do A. em cumprimento do previsto no art. 7º do Código de Registo Civil, bem como para conferir a necessária proteção contra terceiros.

5.-Salvo melhor opinião, a promoção de decisão nesse sentido tem sido o correto entendimento do Tribunal da Relação de Lisboa, quando confrontado com pedidos em tudo idênticos. Senão vejamos,

6.-No processo nº 2977/19.3YRLSB, que correu termos na 6ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa, instruído com uma declaração em tudo idêntica à que foi apresentada nestes autos, por decisão de 28/06/2021 foi promovida a revisão da referida declaração estatutária, conforme documento nº 1 que se junta.

7.-No mesmo sentido promoveu o ilustre Magistrado do Ministério Público no processo nº 2046/21.6YRLSB, a correr termos na 6ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa, instruído uma vez mais com uma declaração estatutária em tudo idêntica à que se encontra junta nos presentes autos, conforme documento nº2 que se junta.

8.-Os Requerentes vivem numa relação de União de facto, relação essa que não consubstancia uma Civil Partnership nos termos do Civil Partnership Act de 2004,

9.-nem tão pouco a sua Declaração Estatutária pretende substituir-se a esta ou sequer enquadrar-se na promessa de contratar a que equivale um civil partnership agreement.

10.-A União de Facto dos Requerentes resume-se a um acordo de Living Together/Cohabitation.

11.-Embora não exista uma definição legal de Living Together, esta é geralmente entendida como a circunstância em que duas pessoas vivem juntos como um casal sem estar casados.

12.-Os casais que vivem juntos são também intitulados de parceiros de Common Law.

13.-Esta é apenas outra forma de descrever um casal em situação de Living together/Cohabitation.

14.-A formalização do estatuto de Living Together/Cohabitation, concretiza-se através da elaboração de um acordo legal.

15.-Um acordo de coabitação delineia os direitos e obrigações de cada parceiro em relação um ao outro.

16.-Os acordos de coabitação são juridicamente vinculativos entre casais.

17.-Podem ajudar a esclarecer como pretendem gerir as suas finanças enquanto vivem juntos e proporcionar certeza na divisão de bens após a rutura da relação.

18.-Têm assim a minucia e completude que o casal lhe pretender atribuir.

19.-A coabitação está consagrada na lei inglesa desde o início do moderno Estado-providência em 1948.

20.-O termo "viver juntos como marido e mulher" foi introduzido a partir de 4 de abril de 1977 para significar o mesmo que "coabitar com um homem como sua esposa" que fora usado até essa data.

21.-O termo atualmente em vigor é "viver juntos como um casal casado".

22.-Para serem considerados como a "viver juntos como um casal casado" ou a coabitar, há várias questões a considerar.

23.-A questão da coabitação deve ter em consideração todas as seguintes seis questões, e analisar a relação como um todo:

a)- O casal vive no mesmo agregado familiar?

b)- Trata-se de uma relação estável?

c)- O que acontece com o dinheiro?

d)- É uma relação de cariz sexual?

e)- Há filhos?

f)- O que pensam as outras pessoas?

24.-Os Requerentes cumprem todos os requisitos à exceção de filhos em comum.

25.- Embora a relação de Living Together/Cohabitation não seja um estado civil, de resto à semelhança da União de facto portuguesa, o seu reconhecimento tem alguns efeitos semelhantes aos do casamento.

26.-Uma relação de Living Together/Cohabitation produz efeitos jurídicos e conferem aos membros do casal o direito a prestações sociais e/ou créditos fiscais, conforme Decision Maker’s Guide, Volume 3, Chapter 11 que se junta como documento nº 3.

27.-Posto isto, não restando quaisquer dúvidas sobre a autenticidade do documento junto,

28.-O que se pretende nestes autos é a revisão e confirmação do documento legal estrangeiro apresentado, correspondente a sentença, que confere aos declarantes o estatuto de relação equiparada à dos cônjuges nos termos do direito britânico.

29.-A decisão de uma autoridade administrativa estrangeira sobre direitos privados deve ser considerada como abrangida pela previsão do nº 1 do art.978º do CPC, carecendo de revisão para produzir efeitos em Portugal.

30.-Tal declaração deve ser averbada ao assento de nascimento do A. em cumprimento do previsto no art. 7º do Código de Registo Civil, bem como para conferir a necessária proteção contra terceiros.

31.-O documento correspondente a sentença provém de autoridade estrangeira que é competente, não foi proferida em fraude à lei e não versa sobre matéria da exclusiva competência dos tribunais portugueses.

32.-A correspondente Declaração Estatutária, cuja revisão se requer não é incompatível com os princípios da ordem pública internacional do Estado Português.

Nestes termos e nos melhores de direito, deve a Declaração Estatutária de efeito equivalente a sentença da união estável ser revista e confirmada nos seus precisos termos, confirmando-se a união estável”.

4.–Facultou-se o exame do processo para alegações, nos termos do art.º 982.º n.º 1 do CPC.

4.1.-O Ministério Público formulou a seguinte alegação:

O art.º 978.º, nº 1 do Código de Processo Civil dispõe que «sem prejuízo do que se acha estabelecido em tratados, convenções, regulamentos da União Europeia e leis especiais, nenhuma decisão sobre direitos privados proferida por tribunal estrangeiro tem eficácia em Portugal, seja qual for a nacionalidade das partes, sem estar revista e confirmada».

O processo de revisão de sentença estrangeira encontra-se regulado nos arts. 979.º a 985º do Código de Processo Civil, estando os requisitos cumulativos necessários para confirmação previstos nas alíneas a) a f) do art.º 980.º do Código de Processo Civil.

Ao Tribunal da Relação apenas compete exercer uma sindicância de carácter formal e não um reexame de mérito da decisão revidenda.

A revisão do conteúdo da escritura em causa envolve, assim, unicamente, a verificação da sua regularidade formal ou extrínseca, não pressupondo a apreciação dos fundamentos de facto e de direito da mesma.

Não oferece dúvidas a autenticidade da escritura que contém a declaração a rever e a inteligibilidade - formal e real – do ali declarado (art.º 980. °, al. ª a) do Código de Processo Civil).

Por outro lado, e tendo em conta o estabelecido pelo art.º 984. °, provado não...

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