Acórdão nº 2645/22.9T8SXL.L1-2 de Tribunal da Relação de Lisboa, 18-04-2024

Data de Julgamento18 Abril 2024
Número Acordão2645/22.9T8SXL.L1-2
Ano2024
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam os juízes da 2ª secção cível do Tribunal da Relação de Lisboa que compõem este coletivo:

I - RELATÓRIO
1.1– O autor, H., identificado nos autos, instaurou em 11-10-2022 a presente ação comum contra a ré, M., também identificada nos autos, alegando que entre ambos foi celebrado um contrato promessa de compra e venda que teve por objeto uma fração de prédio urbano sito na freguesia da Amora, concelho de Seixal, a transacionar pelo preço de € 150.000,00. Foi ainda acordado que o autor, promitente-comprador, liquidaria tal preço em duas prestações, a primeira no valor de € 15.000,00, a título de sinal e princípio de pagamento, e a segunda, no valor remanescente, no ato da escritura pública, que deveria ser celebrada no prazo de 60 dias Sucede que a ré não compareceu na data agendada para a escritura, tendo o autor tido conhecimento que contactou outra agência imobiliária e colocou o imóvel novamente no mercado.
Assim, alegando que a ré incumpriu definitivamente o contrato-promessa, concluiu o autor solicitando:
- Que seja decretada a sua resolução;
- A condenação da ré a indemnizá-lo na quantia de € 30.000,00, correspondente ao dobro do sinal acordado, acrescida de juros vencidos desde a citação até efetivo e integral pagamento.
1.2 – Citada a ré, mediante carta registada com aviso de receção expedida em 2-12-2022, veio comprovar (requerimento de 20-12-2022) que apresentou, em 19-12-2022, pedido de apoio judiciário nas modalidades de dispensa de pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo e de nomeação de patrono.
1.3 – A Segurança Social comunicou o indeferimento do benefício de apoio judiciário mencionado no ponto anterior, por ofício de 17-05-2023.
1.4 – Em 13-06-2023 foi proferido o seguinte despacho:
Compulsados os autos, verifica-se que a Ré foi regularmente citada e não deduziu qualquer contestação. Pelo exposto, considero assentes os factos (não conclusivos, nem respeitantes a matéria de direito) alegados pelo Autora na petição inicial (art. 567.º/1º do Cód. Proc. Civil) e determino a notificação das partes para, querendo, alegarem de direito por escrito (art. 567.º/2 do CPC)”.
1.5 – Apenas o autor apresentou alegações, considerando, no essencial, que na ausência de oposição por parte da ré, deveriam considerar-se provados os factos alegados na petição inicial, reiterando o pedido ali formulado (requerimento com a referência 45873391).
1.6 – Foi proferida sentença final, na qual, além do mais, em face da falta de contestação da ré, nos termos do disposto no artigo 567º, nº 1, do Código de Processo Civil, foram considerados assentes os factos alegados pelo autor na petição inicial e foi julgada a ação procedente, constando do dispositivo:
“(…), decide-se:
a) Declarar resolvido o contrato promessa de compra e venda celebrado entre o Autor e a Ré, em 01/08/2022;
b) Condenar a Ré a pagar ao Autor a quantia de €30.000,00 (trinta mil euros), acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4%, desde a data de citação e até efetivo e integral pagamento.
Custas pela Ré (527.º/1 do CPC”.
2 – Não se conformando com a decisão proferida, a ré da mesma interpôs recurso de apelação, pugnando pela sua revogação e substituição por outra que a absolva do pedido, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões, que se transcrevem:
“I - A Recorrente é analfabeta e assina a Rogo ou por mera semelhança, conforme procuração forense cuja junção se requerer.
II - o Tribunal a quo segue para a fundamentação de Direito, sem mais qualquer apreciação crítica sobre os factos alegados e provados ou não provados pelo A. e considerando que não existem nulidades, exceções processuais ou questões prévias ou incidentais que cumpra conhecer, o que processualmente entende a Recorrente, que existindo matérias de conhecimento oficioso tinha o Tribunal a quo , tomar posição.
III - o Tribunal a quo não proferiu sentença devidamente fundamentada como se passará a alegar.
IV - Não obstante se considerarem confessados os factos articulados pelo A., a causa tem de ser julgada conforme for de Direito, isto é, a sentença deve obedecer, na sua elaboração, ao disposto no n.º 3 do artigoº 607º do C.P.C., que manda discriminar os factos que o julgador considera provados, implicando assim uma prévia seleção dos factos articulados pelo A., critério maior que impõe que só desta forma é possível julgar a causa conforme for de direito.
V - O Tribunal a quo, curiosamente, não identificou na P.I. nenhum facto que se considera não provado, mesmo faltando prova nos autos para tal.
VI - O Tribunal a quo ao não faz a seleção de factos e a apreciação das provas subjacentes apresentadas pelo A. desses mesmos factos, colocando a sentença proferida numa situação de vício de nulidade previsto no disposto no artigo 615º n.º1 al) b) e n.º 4 do CPC, devido à falta de fundamentação expressa ali implicada pelo disposto no artigo 607º n.º 3 do C.P.C.
VII – Sem Conceder na nulidade da Sentença, mas caso assim não seja considerado pelo Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, sempre deverá substituir a Sentença proferida, por decisão mais justa, conforme com os factos e com o Direito.
VIII - Ora, o Tribunal a quo deu como provados todos os factos trazidos pelo Autor aos autos, até aqueles cuja prova teria que sempre ser feita por documento. Sabemos que existe uma indisponibilidade do Direito, que não admite a mera confissão, como é o caso de factos cuja prova só se faz através de documento escrito, conforme o disposto na alínea d) do art. 568º do CPC, sendo neste caso insuficiente a confissão.
IX - No que respeita à forma do CPCV de imóveis, a lei é clara e imperativa, sendo certo que, no âmbito do contrato cujo objeto seja a constituição de direito real sobre prédio rústico ou urbano, construído, em construção ou a construir, é impositivo que o acordo de vontade das partes seja reproduzido em documento escrito, e que as assinaturas de todos os outorgantes sejam alvo de reconhecimento presencial, propriamente certificado: não só quanto às assinaturas propriamente ditas, bem como também com base na existência de licenças emitidas em função do imóvel objeto do contrato.
X - O preceito que define a obrigatoriedade da forma do documento encontra-se regulado pela prerrogativa do artigo 410.º do Código Civil, nomeadamente no n.º 3 do texto da mesma
XI - A referida norma reveste-se, como já mencionado, de caráter taxativo, não podendo, por esse mesmo motivo, ser a disposição alvo de afastamento pelas partes; ainda que se cumprindo o princípio da liberdade contratual de os subscritores dispõem, sob pena de provocar a nulidade do contrato.
XII – A Cláusula Quinta do Contrato coloca-o numa posição de nulidade do contrato, nos termos do n.º 3 do Art. 410 do CC.
XIII – Toda a ação assenta num documento nulo, pelo que a Sentença devia espelhar isso mesmo e ser a Recorrente absolvida.
XIV - Entendeu o Tribunal a quo, que a A. recebeu o dinheiro correspondente ao sinal, ora o documento 4, junto com a P.I., não passa da transferência feita pelo A. para …, Unipessoal, Lda, que nem parte é na ação e que se desconhece o que faz no CPCV dos autos.
XV - Não sabem os autos, porque não está sequer alegado pelo A., se a indicada sociedade alguma vez transferiu o dinheiro que alegadamente recebeu por parte do A. ou não, para a R. A Recorrente sabe que nunca o recebeu.
XVI -Deveria a Sociedade identificada fazer parte da ação, verificando-se na presente ação um litisconsórcio necessário passivo, nos termos do disposto no art. 34º, nº 1 e n.º 3 do CPC.
XVII - Exceção de conhecimento oficioso e entendeu o Tribunal a quo, que não existiam exceções que cumprisse conhecer.
XVIII - A receção da alegada carta enviada pelo A., para a marcação da escritura publica de compra e venda, não se faz por mera afirmação, mas sim por documento. O registo feito junto dos CTT pressupõe um comprovativo do seu recebimento, documento esse que não está junto aos autos. Mal esteve o Tribunal a quo em dar este facto também por provado, por não ter prova documental associada, como se impõe.
XIX – Por falta de prova de que a Recorrente tenha recebido a carta com a marcação da escritura publica de compra e venda, não poderia o Tribunal a quo, considerar o desinteresse da Recorrente na manutenção do negócio.
XX – Tal como considerou mal o Tribunal a quo, que a A. tenha colocado a casa à venda no mercado, sem que fosse feita qualquer desse alegado facto.
XXI - Considerou o Tribunal a quo que o Autor solicitou à Ré restituição da quantia entregue a título de sinal em dobro, o que nunca aconteceu, nem tal facto pode resultar provado nos autos, sem que fosse feita interpelação admonitória para o efeito por parte do A. nos termos do Art. 801.
XXII- O Tribunal a quo perante a ausência de prova ou absolvia a R., ou assim não sendo considerado, dado não ter apresentado contestação, sempre teria que ter convidado o A. Ao aperfeiçoamento e/ou à junção de documentos que fizesse prova dos factos alegados, sobretudo de que o dinheiro do sinal foi entregue à R. e que a R. tomou conhecimento da marcação da Escritura Pública. Prova fundamental e sem a qual o Tribunal a quo não poderia proferir Sentença nos termos em que o fez.
XXIII - O Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, sempre apreciará a alegada nulidade, mas caso assim não ocorra, sempre certamente nos melhores desígnios da aplicação do Direito decidirá que os autos não tem prova bastante para a decisão de mérito ter condenado a Recorrente no pagamento de 30.000,00.
XXIV - Choca esta Sentença do Tribunal a quo, porquanto não existe prova nos autos de que a Recorrente tenha recebido tal quantia monetária - € 15.000, que não recebeu e sem prova bastante venha a ser condenada no pagamento da indicada quantia em dobro.
XXV - O A. não faz prova que os tenha entregue sequer à Recorrente, porque nunca entregou, usou e abusou da boa vontade,
...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT