Acórdão nº 263/21.8YHLSB.L1-PICRS de Tribunal da Relação de Lisboa, 2023-02-20

Ano2023
Número Acordão263/21.8YHLSB.L1-PICRS
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam na Secção da Propriedade Intelectual e da Concorrência, Regulação e Supervisão do Tribunal da Relação de Lisboa
*
I. RELATÓRIO
GEDIPE – Associação para a Gestão Coletiva de Direitos de Autor e de Produtores Cinematográficos e Audiovisuais intentou a presente acção de processo comum contra ADVANCESFERA – UNIPESSOAL, LDA, pedindo:
1. Que a ré seja condenada a proceder, junto da autora, ao devido licenciamento para exibição pública de videogramas de acordo com os tarifários constantes das tabelas em vigor para o efeito e que a autora junta sob Docs. nºs 12, 13 e 14;
2. Que a ré seja condenada, ao abrigo do disposto no artigo 211.º C.D.A.D.C., a pagar à autora as seguintes quantias:
a) o montante de € 9.662,00 (nove mil seiscentos e sessenta e dois euros); que, de acordo com as tabelas tarifárias da autora para os anos 2016, 2017, 2018, 2019, 2020 e 2021 até à data de entrada da presente ação, seria devido pelo licenciamento que a ré não obteve, como devia;
b) a quantia devida a título de juros de mora vencidos, calculados à taxa legal aplicável, no montante €1.202,38 € (mil duzentos e dois euros e trinta e oito cêntimos), para os anos 2016, 2017, 2018, 2109, 2020 e 2021 desde 01 de janeiro do respetivo ano, todos até à data da entrada em juízo da presente ação;
c) os juros de mora vincendos calculados à aludida taxa legal, sobre o mesmo montante, até efetivo e integral pagamento;
d) a quantia de 2.500,00€ (dois mil e quinhentos euros), destinada a ressarcir os danos inerentes aos encargos suportados pela autora com a proteção dos direitos lesados pela sociedade ré, bem como com a investigação e cessação da conduta lesiva da mesma.
3. Que a ré seja condenada a pagar à autora o montante adicional que eventualmente se mostre devido, face ao disposto no artigo 829.º-A do Código Civil, pela falta de pagamento do montante global em que for condenada, desde a data do trânsito em julgado da sentença a proferir na presente ação até efetivo e integral pagamento.
4. Que a ré seja condenada, ao abrigo do disposto no artigo 210.º-J do C.D.A.D.C., ao encerramento do estabelecimento, até que obtenha o devido licenciamento da Autora para execução pública de videogramas em tal estabelecimento;
Ou, caso assim se não entenda:
5. Que a ré seja condenada na proibição de proceder à execução pública não licenciada de videogramas, acompanhada da obrigação do pagamento de uma sanção pecuniária compulsória a fixar pelo tribunal, por cada dia que decorra entre a data do trânsito em julgado da sentença a proferir na presente ação e a data da efetiva obtenção da devida licença.
6. Que a ré seja condenada nas custas da presente ação e procuradoria condigna, com todas as consequências legais.
Alegou, em síntese, que é uma associação que defende os direitos conexos e outros direitos e interesses dos autores, produtores e editores de conteúdos de audiovisuais, cabendo-lhe, assim, entre outros, a defesa, cobrança, gestão e distribuição dos referidos direitos dos seus associados; a ré explora um hotel e não está devidamente licenciada pela autora, sendo que coloca à disposição do público, regularmente, através de televisores, obras protegidas pelos direitos dos representados da requerente.
*
Regularmente citada, a ré contestou, invocando a excepção da prescrição e pugnando pela improcedência da acção.
*
Foi realizada audiência prévia, no âmbito da qual foi proferido despacho saneador, que conheceu da excepção de prescrição invocada, e tendo sido fixado o objecto do litígio e os temas da prova.
*
Foi realizada audiência de julgamento, na sequência do que foi proferida sentença, que julgou a acção improcedente por não provada e, em consequência, absolveu a ré dos pedidos.
*
Inconformada com esta decisão, dela apelou a autora, formulando as seguintes conclusões [transcrição]:
A. Por Sentença proferida em 12/07/2022, veio a Mma. Juiz a quo julgar improcedente, por não provada, a acção e, em consequência, absolveu a Recorrida dos pedidos formulados pela Recorrente;
B. A Mma. Juiz a quo considerou não provado a existência de televisores nos quartos e espaços comuns do hotel que a Recorrida explora;
C. Bem como considerou não provado que no hotel explorado pela ré se proceda de forma habitual, continuada e reiterada, à execução pública de videogramas;
D. Acontece, porém, que em momento algum a Recorrida não contesta a existência de televisores nos quartos do estabelecimento hoteleiro sob a sua exploração, limitando-se a impugnar a existência de televisores nos espaços comuns do hotel, factos esses que se consideram confessados, ao abrigo do artigo 574º, n.º 2 do Código de Processo Civil, nos termos do qual “consideram-se admitidos por acordo os factos que não forem impugnados”;
E. Acresce que, a existência de televisores nos quartos que o hotel disponibiliza aos seus hóspedes constitui um facto notório e de conhecimento público, na medida em que a informação acerca das comodidades oferecidas pelo estabelecimento hoteleiro em causa encontram-se publicadas, sendo acessíveis ao público em geral, bastando, para tanto, a consulta do website oficial do hotel explorado pela Recorrida, à luz do princípio do inquisitório;
F. Mas ainda que assim não fosse, do depoimento da testemunha TG resultou que a Recorrida efectua regularmente pagamentos a determinadas entidades responsáveis pela gestão de direitos de autor ou de direitos conexos, nomeadamente a SPA (Sociedade Portuguesa de Autores) e a PassMúsica, mas não o faz a favor da Recorrente, que é também ela uma entidade que se dedica à gestão colectiva de direitos de autor e de direitos conexos (ficheiro de gravação 20220614121138_9121_4462829 em 08’32”” a 09’19””);
G. Deste modo, ao contrário do que foi decidido pelo Tribunal a quo, é legítimo afirmar que a Recorrida disponibiliza aparelhos de difusão, como é a televisão, nos quartos do hotel, pois, caso assim não fosse, não haveria necessidade da Recorrida fazer pagamentos de direitos de autor e de direitos conexos à SPA e à PassMúsica, a título de direitos de autor e de direitos conexos;
H. Quanto ao facto dado como não provado de que no hotel explorado pela ré se proceda de forma habitual, continuada e reiterada, à execução pública de videogramas, a Recorrida alegou que, no ano de 2020,o hotel esteve encerrado de 15 a 30 de Junho, tendo reaberto em Julho, mantendo-se em funcionamento e aberto ao público à data de apresentação daquela peça processual, ou seja, dia 11 de Outubro de 2021;
I. Durante esse período, teve a possibilidade de proceder à comunicação pública de videogramas, que constituem obras protegidas entregues à gestão da Recorrente, conforme resultou do depoimento da testemunha BP, ao ser confrontado com a grelha de programação dos conteúdos transmitidos cujos produtores afirmou serem representados pela ora Recorrente, que, na qualidade de funcionário da Recorrente, no departamento de licenciamento, tem conhecimentos profundos sobre as atribuições bem como dos produtores que a Recorrente representa (ficheiro de gravação 20220614115529_9121_4462829 03’17”” a 09’54””).
J. Mais, nos artigos 27.º e 34.º da Contestação, a Recorrida assume efectuar o pagamento de direitos autorais a favor de outras entidades gestoras, como a SPA (Sociedade Portuguesa de Autores) e a PassMúsica;
K. É entendimento consolidado na jurisprudência comunitária que, embora a mera disponibilização de meios materiais não constitua, por si só, uma comunicação na acepção da Directiva 2011/29/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de Maio de 2001, relativa à harmonização de certos aspectos do direito de autor e dos direitos conexos na sociedade da informação, a distribuição de um sinal através de aparelhos de televisão por um hotel aos clientes instalados nos quartos deste estabelecimento, qualquer que seja a técnica de transmissão do sinal utilizado, constitui um acto de comunicação ao público na acepção do artigo 3.º n.º 1, da Directiva 2011/29/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de Maio de 2001, nos termos do qual, os Estados-Membros devem prever a favor dos autores o direito exclusivo de autorizar ou proibir qualquer comunicação ao público das suas obras, por fio ou sem fio, incluindo a sua colocação à disposição do público por forma a torná-las acessíveis a qualquer pessoa a partir do local e no momento por ela escolhido, existindo a mesma previsão no n.º 2, aplicável aos produtores de videogramas.
L. Tendo o Tribunal a quo dado como provado que a Recorrida não possuía qualquer autorização dos produtores de videogramas ou dos seus representantes, designadamente da autora, para proceder à execução ou comunicação pública e de reprodução de videogramas.
Terminou pugnando pela revogação da decisão recorrida e sua substituição por outra que condene a ré nos pedidos formulados pela autora/ora apelante.
*
II. QUESTÕES A DECIDIR
Sendo o objeto do recurso balizado pelas conclusões do apelante, nos termos preceituados pelos artigos 635º/4 e 639º/1 do Código de Processo Civil, impõe-se conhecer das questões colocadas pela apelante e das que forem de conhecimento oficioso, sem prejuízo daquelas
...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT