Acórdão nº 26149/22.0T8LSB.L1-7 de Tribunal da Relação de Lisboa, 26-09-2023

Data de Julgamento26 Setembro 2023
Ano2023
Número Acordão26149/22.0T8LSB.L1-7
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam os Juízes na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:


I.– RELATÓRIO


A e B intentaram a presente acção declarativa de anulação de deliberação de assembleia de condóminos contra Condomínio do prédio sito na Avenida ..... ....., ... a ...-C, 1...-1..–Lisboa, representado pelo respectivo administrador Urban Factory Lda., pedindo que seja anulada a deliberação da assembleia de condóminos de 13 de Setembro de 2022, constante da acta nº 16, que aprovou o arrendamento da casa do porteiro.

Para tanto alegaram, em síntese, que:
são proprietários e condóminos da fração H correspondente ao sétimo andar recuado do mencionado prédio sujeito ao regime da propriedade horizontal;
no dia 13 de Setembro de 2022, realizou-se uma assembleia extraordinária de condóminos do identificado prédio, tendo sido aprovada, por maioria dos presentes, a deliberação de proceder ao arrendamento da casa do porteiro, com os votos a favor dos condóminos das frações A, B, C, E, F e G e com o voto contra do condómino do sétimo andar, fração H, ou seja, dos autores;
o condómino da fração D não esteve presente na assembleia;
do título constitutivo da propriedade horizontal consta que “as dependências destinadas ao uso e habitação da porteira, compostas de vestíbulo de entrada, uma sala comum, um quarto, uma cozinha, uma despensa e um pequeno terraço na rectaguarda, são comuns de todas as fracções, com exceção da fração designada pela letra A.”;
a deliberação em sede de assembleia de condóminos de proceder ao arrendamento do espaço destinado a casa do porteiro tinha de ser aprovada por todos os condóminos do prédio, o que não sucedeu, sendo assim a deliberação em causa nula e anulável nos termos do disposto nos n.ºs 1 e 4, segunda parte, do artigo 1433º do Código Civil;

Citado, o réu não apresentou contestação.

Foi proferido despacho saneador-sentença, cujo dispositivo é o seguinte:
«Pelo exposto, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 30º, 278º, n.º 1, alínea d), 576º, n.º 1 e 2, 577º, alínea e) e 578º, todos do Código de Processo Civil, e 1433º, n.º 6 do Código Civil, julgo verificada a exceção dilatória de ilegitimidade passiva e, consequentemente, absolvo da instância o réu Condomínio do Prédio sito na Avenida ..... ....., ... a ...-C, em Lisboa.
Custas a cargo dos autores (artigo 527º do Código de Processo Civil).
Notifique, registe e mais D.N.»
*

Inconformados com a decisão, dela apelaram os autores, formulando as seguintes conclusões [transcrição]:
«I.–O presente recurso vem interposto da sentença que julgou verificada a exceção dilatória de ilegitimidade passiva e, consequentemente, absolveu da instância o réu Condomínio do Prédio sito na Avenida Defensores de Chaves, 81 a 81 C, em Lisboa, por considerar que a presente ação de impugnação de deliberação de condomínio deveria ter sido intentada contra todos os condóminos que votaram favoravelmente a deliberação impugnada – e não contra o condomínio –, uma vez que só estes seriam prejudicados com a decisão.
II.–Os Recorrentes entendem que a decisão mencionada fez uma incorreta interpretação e aplicação da lei, concretamente do disposto nos artigos 12º, alínea e) do CPC, conjugado com o disposto nos artigos 1437º, n°s 1 a 3, e 1436º, alínea h), e no artigo 1433º, nº 3 e nº 6, todos do Código Civil.
III.–Com efeito, vem sendo entendido pela doutrina e jurisprudência que na ação de impugnação de deliberações da assembleia de condóminos, a legitimidade passiva pertence ao condomínio, representado pelo respetivo administrador.
IV.–Na verdade, à enumeração taxativa de entidades excecionalmente providas de personalidade judiciária, o legislador, na Reforma de 1995/1996, acrescentou o condomínio, prevendo-se no artigo 6º, alínea e), do CPC de 1961 (atual artigo 12º, alínea e), do CPC de 2013), que tem personalidade judiciária o condomínio resultante da propriedade horizontal, relativamente às ações que se inserem no âmbito dos poderes do administrador.
V.–Este preceito aponta na direção do artigo 1437º do Código Civil, que prevê especificamente a legitimidade para agir em juízo ativa e passivamente, nalguns casos, e também para o artigo 1436º do mesmo diploma, o qual enumera as diversas funções que competem ao administrador, nas quais se inclui, sob a alínea h), a execução das deliberações da assembleia.
VI.–Por seu turno, o nº 6 do artigo 1433.o do Código Civil prevê que a representação judiciária dos condóminos contra quem são propostas as ações compete ao administrador ou à pessoa que a assembleia designar para o efeito.
VII.–A deliberação dos condóminos é a forma por que se exprime a vontade da assembleia de condóminos (artigos 1431º e 1432º do Código Civil), órgão a quem compete a administração das partes comuns do edifício constituído em propriedade horizontal (artigo 1430º, nº 1, do Código Civil), sendo o administrador o órgão executivo da assembleia de condóminos (artigos 1435º a 1438º, todos do Código Civil).
VIII.–Assim, a solução mais correta será a de demandar o condomínio, como se conclui, a título de exemplo, no acórdão do TRP de 13.2.2017: Se a deliberação exprime a vontade da assembleia de condóminos, estruturalmente percebe-se que seja essa entidade, porque vinculada pela deliberação, a demandada em ação em que se questione a existência, a validade ou a eficácia de uma sua qualquer deliberação.
IX.–A necessidade de identificar todos os condóminos pode, de resto, ser "diabólica", por duas razões: por causa do elevado número de condóminos de certos edifícios sujeitos ao regime da propriedade horizontal; por causa, também, da impossibilidade prática, na esmagadora maioria das vezes, de identificar, na acta da assembleia, os condóminos que votaram a favor da deliberação inválida.
X.–A tese negatória da personalidade judiciária do condomínio, ao rejeitar a interpretação atualista do art. 1433º, nº 6, do CC, constitui uma solução pouco prática e, até, espinhosa – como escreve Miguel Mesquita, os pressupostos processuais não devem servir para complicar, desnecessariamente, o conhecimento do pedido e a resolução dos litígios, finalidades precípuas do processo civil.
XI.–Razão pela qual se impõe a revogação da decisão recorrida, substituindo-a por outra que, interpretando corretamente o disposto nos artigos 12º, alínea e) do CPC, conjugado com o disposto nos artigos 1437º, n°s 1 a 3, e 1436º, alínea h), e no artigo 1433º, nº 4 e nº 6, todos do Código Civil, declare o condomínio Réu parte legítima, e que determine o prosseguimento dos autos, com todas as consequências legais, tendo, designadamente em conta que o Réu, devidamente citado, não contestou.»

Concluem que deve o recurso ser julgado procedente e revogada a sentença que julgou o réu parte ilegítima.

O recorrido não contra-alegou.

Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
*

II.– QUESTÕES A DECIDIR
Sendo o objeto do recurso delimitado pelas conclusões do apelante, nos termos preceituados nos artigos 635º/4 e 639º/1 do Código de Processo Civil, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso e daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras, importa, no caso, apreciar e decidir da questão da legitimidade passiva do réu.
*

III.– FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
A factualidade relevante para a decisão é a que consta do relatório supra.
*

IV.– FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
A decisão posta em crise julgou verificada a excepção dilatória da ilegitimidade passiva e consequentemente absolveu o réu da instância, considerando que a presente acção de anulação de deliberação da assembleia de condóminos deveria ter sido intentada contra os condóminos que votaram favoravelmente a deliberação impugnada, e não contra o condomínio.

Como flui das alegações do recurso e designadamente do ponto II das conclusões, os ora apelantes imputam à decisão recorrida incorrecta interpretação e aplicação da lei, concretamente do disposto nos artigos 12º, alínea e) do Código de Processo Civil (CPC), conjugado com o disposto nos artigos 1437º/1 a 3 e 1436º alínea h) e no artigo 1433º/3 e 6 todos do Código Civil.

Sustentam, sob a conclusão III da motivação recursória, que “na acção de impugnação de
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