Acórdão nº 26/22.3YRGMR de Tribunal da Relação de Guimarães, 2022-02-24

Ano2022
Número Acordão26/22.3YRGMR
ÓrgãoTribunal da Relação de Guimarães

Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães
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1 RELATÓRIO

No Processo nº 2302/2020 (1), o demandante M. F. apresentou reclamação contra Banco ..., SA, nos termos da qual peticiona a reposição das condições contratuais indicadas nas Condições Gerais do produto, ou seja, que os reforços programados sejam executados, assim como os que forem solicitados até ao limite máximo e que o capital e os mesmos sejam remunerados às taxas contratadas e a contar das datas em que foram solicitados.

A demandada Banco ..., SA contestou, por excepção (incompetência do tribunal em razão do valor, por falta de convenção arbitral e não submissão à arbitragem necessária) e por impugnação.

No saneador, pronunciando-se sobre o valor da acção e a (in)competência do tribunal, concluiu-se que o presente litígio está submetido à arbitragem e é passível de decisão arbitral e o tribunal é competente em razão do valor da presente acção, fixado no montante de € 2.000. Tendo-se para tanto entendido que o benefício imediato do pedido pata o Demandante será o cumprimento das condições contratuais acordadas, designadamente a aceitação (cumprimento do contrato pelo Banco ...), do depósito de € 2.000, que lhe foi negado no dia 10 de Julho de 2020 – antes da entrada da reclamação no CNIACC, e atendendo a que nos termos do nº 1 do art. 6º do seu Regulamento, o CNIACC pode apreciar e decidir litígios de consumo, desde que de valor não superior à alçada dos tribunas da Relação, ou seja, até € 30.000 e a submissão do litígio a decisão do Tribunal Arbitral depende da convenção das partes, ou de estar sujeito a arbitragem necessária, podendo a convenção de arbitragem revestir a forma de compromisso arbitral ou cláusula compromissória, e os prestadores de serviço efetuar adesão plena ao Centro (art. 10º).

Inconformada com o despacho que fixou o valor à acção, apresentou recurso de apelação a demandada Banco ..., SA, cujas alegações finalizou com a apresentação das seguintes conclusões:

I. A sentença enferma da nulidade prevista no art. 615º, nº 1, al. C) do Código de Processo Civil, porque é contraditória nos seus próprios termos – contraditio in terminis – o que constitui nulidade naquilo em que, ao decidir do valor da ação limitou o pedido a uma apenas das prestações mensais de reforço do depósito, no valor de €2.000, e ao decidir sobre o pedido, o alargou a todas as prestações previstas no texto contratual, no valor de €72.000. Na verdade, esta contradição envolve uma incoerência insanável que torna a sentença incompreensível: o Recorrente é condenado a ter de aceitar um (apenas) reforço mensal do depósito, no valor de €2.000, ou é condenado a aceitar todos os reforços pedidos pelo Recorrido, no valor de €72.000; não pode ser decidido que o pedido do Recorrido é de €2.000 numa página, e de €72.000 noutra.
II. A sentença viola o arts. 300º e 301º do Código de Processo Civil, ao fixar o valor da ação atendendo apenas à primeira das prestações de reforço de depósito pretendidas pelo Recorrido, no valor de €2.000, fazendo errada aplicação do “nº 1 do artº 296º e nº 1 (2ª. parte) do artº 297º” e desaplicando ilegalmente os preceitos dos arts. 300º e 301º do Código de Processo Civil que deveriam ser aplicados, dado que na ação o Recorrido pede a condenação do Recorrente a aceitar a prestação já vencida de €2.000 acrescida das prestações vincendas no valor de €70.000 (art. 300º, nº 1) e dado que a ação tem por objeto a apreciação da existência, cumprimento e modificação do contrato de depósito, o qual tem o valor total de €240.000 euros (art. 301º, nº 1 do Código de Processo Civil), pelo que deve ser anulada a decisão sobre o valor da causa e corrigido para €72.000, ou, no máximo, €240.000 euros.
III. A sentença incorre na nulidade prevista no art. 615º, nº 1, al. C) do Código de Processo Civil, naquilo em que padece de ambiguidade ou obscuridade insanáveis no que respeita à natureza do processo – de arbitragem necessária de conflitos de consumo de reduzido valor económico (art. 14º da Lei nº 24/94, de 31 de julho – LDC) ou de arbitragem voluntária de conflitos de consumo por entidades de resolução alternativa de litígios (Lei nº 144/2015, de 8 de setembro – Lei RAL), sendo incompreensível qual dos procedimentos está a seguir no processo.
IV. A sentença viola o art. 14º da citada Lei nº 24/94, ao desrespeitar o limite de competência em razão do valor, que é de €5.000 euros nos litígios de reduzido valor económico, e o art. 6º, nº 1 do Regulamento do CNIAC – Centro Nacional de Informação e Arbitragem de Conflitos de Consumo, que limita a competência do Tribunal Arbitral a €30.000 euros o que tem como consequência a incompetência do tribunal em razão do valor.
V. A sentença viola o art. 10º, nº 5 da Lei nº 144/2015 de 8 de setembro – Lei RAL, ao decidir após esgotado largamente o prazo máximo de 90 dias para a decisão do tribunal, quando está já esgotado, por caducidade, o seu poder jurisdicional.
VI. A sentença viola o art. 607º, nºs 3, 4 e 5 do Código de Processo Civil, naquilo em que omite a discriminação dos factos relevantes, segundo as diversas soluções jurídicas em questão, omitindo a maioria dos factos alegados pela Recorrente (na qualidade de Reclamada), omite também a análise crítica das provas, a indicação das ilações tiradas dos factos instrumentais e a especificação dos demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção, e omite ainda o modo como procedeu à compatibilização de toda a matéria de facto adquirida e a explicitação de como a sua convicção decorre de uma prudente apreciação, como a lei obriga, o que tem como consequência a nulidade da sentença. Não basta, como efeito, declarar uns factos como provados, outros como não provados e omitir ainda muitos outros factos como se não tivessem sido alegados, sem dizer nem justificar como nem porquê.
VII. A sentença viola os arts. 437º e 769, nº 2 do Código Civil, naquilo em que desconsidera o dever proceder de boa fé no cumprimento e no exercício do direito emergente do contrato de depósito celebrado entre Recorrente e Recorrido (art. 762, nº 2), e desconsidera também os critérios do art. Os preceitos do nº 2 do art. 762º, nº 2 e do art. 347º do Código Civil não contêm uma “cláusula vazia” e devem ser respeitados sob pena de ilegalidade. Em consequência, deve a sentença ser anulada no seu todo, por ilegalidade insanável do seu conteúdo.
VIII. É materialmente inconstitucional a interpretação normativa extraída do artigo 8.º da LRAL, segundo a qual a independência e imparcialidade dos árbitros encontra-se garantida sem a existência de um sistema de controlo externo das Entidade de RAL. A interpretação normativa delineada fere, por inconstitucionalidade material, o princípio constitucional do direito de acesso aos...

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