Acórdão nº 26/19.0PAAMD.L1-3 de Tribunal da Relação de Lisboa, 2022-03-02

Ano2022
Número Acordão26/19.0PAAMD.L1-3
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam os Juízes que integram a 3ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:


I–RELATÓRIO


Por despacho proferido em 15 de Outubro de 2021, no âmbito do processo abreviado nº 26/19.0PAAMD, do Juízo Local Criminal da Amadora, Juiz 4, do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste, foi rejeitada a acusação deduzida contra SR_____, na qual lhe era imputada a prática de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo art. 86º nº 1 al. d), por referência ao art. 2º nº 1 al. m), ao art. 3º nº 2 al. f) da Lei 5/2006 de 23 de Fevereiro, com fundamento no disposto no art. 311º nº 3 al. b) do CPP e determinado o arquivamento dos autos.

O Mº. Pº. interpôs recurso desta decisão, tendo sintetizado os motivos da sua discordância, nas seguintes conclusões:

I.Findo o inquérito nos autos Proc. n° 26/19.0PAAMD, o Ministério Público deduziu acusação para julgamento na forma de processo especial abreviado e por Tribunal Singular, contra SR_____, nos seguintes termos: (transcrição da acusação):

Da Acusação
O Ministério Público junto deste Tribunal, nos termos do art. 391.A e seguintes do CPP, deduz acusação, para julgamento na forma de processo abreviado e por Tribunal Singular, contra SR_____, melhor identificado no auto de notícia por detenção, pelos factos aí constantes, acrescentando que
O arguido detinha o referido punhal, com 18,20 cm de lâmina, bem sabendo que a sua posse não é permitida, dadas as suas características.
Além disso, era também proibida por não ter aplicação definida, podendo ser usada como arma letal de agressão, sendo que o arguido não justificou a sua posse.
O arguido agiu voluntária e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei
II.–E dessa forma, foi imputado ao arguido, a prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelo art.° 86.° n° 1 al. d), por referência ao art. 2.° n° 1 alínea m), art. 3.° n° 2 alínea f) da Lei 5/2006 de 23 de Fevereiro.
III.–Remetido os autos à distribuição, em 15.10.2021, foi proferido despacho, no qual se decidiu não receber a acusação, com o fundamento que a mesma não continha descritos factos que integrassem o elemento volitivo do dolo.
IV.–Com o devido respeito, entende o Ministério Público, que inexistem fundamentos para a não aceitação da acusação proferida e que o despacho ora recorrido padece de vícios formais e substanciais.
Porquanto,
V.–O douto despacho não é claro no que respeita à aplicação da lei, acabando o seu leitor por não perceber ao abrigo de que norma ou dispositivo legal foi rejeitada a acusação; fazendo-se vaga referência ao art.° 311º, do CP, mas fundamentando a rejeição no AUJ n.° 1/2015, violando-se assim o disposto no art.° 97.°, n.° 5 do CPP, o qual dispõe que: “os actos decisórios são sempre fundamentados, devendo ser especificados os motivos de facto e de direito da decisão. ”
Mas ainda que se entenda que se basta a lei processual com uma possibilidade efectiva de compreensão do raciocínio exposto; ainda assim se dirá, também, em termos substanciais:
VI.–Afirma o douto despacho ora recorrido que na acusação apenas se enuncia a culpa (o arguido agiu de forma livre, deliberada e consciente, sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei) e o elemento intelectual do dolo (o conhecimento de que a detenção do punhal, com aquelas características de lâmina não é permitida, de que a sua posse não se encontra justificada e que a detenção do mesmo em tais circunstâncias o faz incorrer na prática de um crime). E que no que ao concerne ao dolo do tipo, a acusação é omissa na descrição de factos que configuram o elemento volitivo.
Ora,
VII.–O Ministério Público, após inquérito sumário realizado em menos de 90 dias (cfr. 391.°-B, n.° 2, do CPP) e estando perante um crime punível com pena de prisão até um ano ou com pena de multa até 120 dias (cfr. art.° 292.°, n.° 1, do CP), concluiu pela existência de indícios suficientes de se ter verificado crime e de quem foi o seu agente; bem como, que por força desses indícios existiria uma forte probabilidade de condenação, razão pela qual determinou o encerramento do inquérito com a dedução do despacho de acusação em processo especial abreviado, ora em apreço e rejeitado.
VIII.–Sendo que, a identificação do arguido e a narração dos factos podem ser efectuadas, no todo ou em parte, por remissão para o auto de notícia ou para a denúncia.
IX.–Bastando que a narração dos factos fosse efectuada, no todo ou em parte, para o auto de notícia, ficando assim preenchido desde logo, em absoluto, todas as exigências legais vertidas no art.° 283.°, n.° 3, ex vi, art.° 391.°-B, n.° 1 e 391.°-A, n.° 1, do CPP.
X.–Mas vai além a acusação rejeitada, não se limitando a remeter os autos a julgamento por remissão para o auto de notícia e completa o mesmo com os factos que veio a descrever e também integradores dos elementos objectivos e subjectivos do tipo imputado.
Veja-se:
XI.–Para efeitos do crime de detenção de arma proibida p. e p. pelo artigo 86.° da Lei n.° 5/2006, de 23 de Fevereiro, pratica a ação típica na modalidade de detenção quem tenha a arma consigo ou quem a tenha na sua esfera de disponibilidade, ainda que de forma esporádica ou transitória, sem prejuízo da eventual verificação das causas comuns de justificação ou de exclusão da culpa.
XII.–Trata-se de um tipo legal de crime que se preenche pela simples detenção do objecto, por se considerar que tal detenção constitui uma conduta perigosa para vários bens jurídicos, sendo, por via disso, punida, sem se cuidar de saber se dessa conduta resulta ou não perigo concreto.
XIII.–E nesse sentido, da leitura não só do despacho de acusação mas também do auto de notícia por detenção, resulta de forma clara e no que em concreto respeita aos elementos do tipo subjectivo que o arguido sabia que não podia deter tal arma na sua posse e naquelas condições, porque a lei o proíbe, e, ainda assim, deteve a mesma, agindo, por isso, com dolo directo.
XIV.– São os seguintes os factos descritos quer no auto de notícia por detenção quer na acusação e que integram o tipo subjectivo:
“O suspeito SR_____ afirmou que, tanto o Punhal como o x-ato eram seus, mas que para não ter problemas, assim que avistou a Policia os havia passado a Avelina, para que, com a ajuda da mesma, não ser apanhado pela Policia com tais objetos em sua posse. ” (fr. auto de notícia por detenção)
“O arguido detinha o referido punhal, com 18,20 cm de lâmina, bem sabendo que a sua posse não é permitida, dadas as suas características.
Além disso, era também proibida por não ter aplicação definida, podendo ser usada como arma letal de agressão, sendo que o arguido não justificou a sua posse.
O arguido agiu voluntária e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei. ” (Cfr. despacho de acusação)
XV.–Resultando assim de forma clara que o crime foi imputado ao agente a título doloso.
XVI.–Em súmula, o dolo descrito em factos, traduz-se no conhecimento (no saber) e numa vontade (no querer).
XVII.–E lê-se na acusação:
O arguido detinha o referido punhal, com 18,20 cm de lâmina, bem sabendo que a sua posse não é permitida, dadas as suas características.
Além disso, era também proibida por não ter aplicação definida, podendo ser usada como arma letal de agressão, sendo que o arguido não justificou a sua posse.
O arguido agiu (...) conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei. (Narração/indicação do elemento intelectual ou cognoscitivo (o conhecimento material de todos os elementos do tipo)
XVIII.–E, (...) o suspeito a empunhar a arma branca (...); O arguido detinha o referido punhal (...) O arguido agiu voluntária (...)
(Narração do elemento volitivo ou emocional - especial direcção da vontade em realizar o facto ilícito previsto e conhecido pelo agente)
XIX.–Sendo que, agir de forma voluntária, significa que alguém de forma deliberada quis determinada acção; que não foi compelido a tanto, que não se tratou de um lapso, de um erro, de uma acção natural, ou de uma imposição de terceiro. Ou seja, a acção foi praticada com livre arbítrio e com plena consciência pelo próprio, querendo aquele resultado.
XX.–Sendo ainda por demais evidente que tendo sido o mesmo visualizado a empunhar a referida arma e a deter a mesma na sua mão, sem que ninguém ali estivesse a segurar-lhe a mão ou a obrigá-lo a tanto, parece-nos, que também será de depreender da narração dos factos, que tal circunstância foi porque o arguido quis.
XXI.–Outrossim, podendo o dolo revestir diversas modalidades (dolo directo, necessário ou eventual); nem sempre o narrador da história, ainda que percebendo o móbil da acção, poderá de imediato perceber também, o que se passou dentro da cabeça, ou da intenção do agente naquele momento, ou o que o terá levado a agir, sendo apenas confrontado com factos que mostram a circunstância deste ter agido de forma livre, consciente e voluntária, ao praticar aquela acção; i.e. de forma dolosa, talqualmente vem descrito no art.° 14.°, n.° 1, do CP.
XXII.–Se o resultado, na percepção do seu autor, era directo, necessário ou eventual, na maioria das vezes (quando não, sempre) apenas só o próprio agente poderá contribuir para apurar.
XXIII.–E nesse sentido, não podemos ser mais exigentes do que a lei - que não determina qual o tipo de dolo que é preciso verificar, se directo, se necessário ou se eventual. Ao ponto de numa acusação se exigir que seja logo limitado o tipo de dolo, quando dos elementos exteriores que temos, apenas nos é permitido inferir o dolo como directo.
XXIV.–Mas ainda que persista este entendimento - que será necessário dizer ou concretizar o tipo de dolo - também sempre se poderá firmar que os factos descritos no despacho de acusação rejeitado integram o tipo de dolo directo e é esse que é imputado.
XXV.–Dizermos mais do que aquilo
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