Acórdão nº 258/18.9T8SPS.C1 de Tribunal da Relação de Coimbra, 2024-02-06

Ano2024
Número Acordão258/18.9T8SPS.C1
ÓrgãoTribunal da Relação de Coimbra - (JUÍZO DE COMPETÊNCIA GENÉRICA DE S. PEDRO DO SUL)

Adjuntos: Luís Cravo
Vítor Amaral

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(…)

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Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

I. Em 14.11.2018, V..., Unipessoal, Lda., instaurou a presente ação declarativa comum contra G..., Companhia de Seguros, S. A. (1ª Ré), Fundo de Garantia Automóvel (FGA) (2º Réu) e AA e mulher, BB (3ºs Réus), pedindo que a 1ª Ré seja condenada a pagar-lhe a quantia já liquidada de € 44 712,71, acrescida dos juros moratórios à taxa legalmente estipulada, contados desde a data citação daquela até à do integral pagamento e, bem assim, da sanção pecuniária compulsória à taxa legal, vencida desde a prolação da sentença até à do integral e efetivo pagamento, e, ainda, a pagar-lhe o valor que, pelo meio processualmente adequado, vier a ser fixado, para ressarcimento dos danos acima peticionados e ainda por liquidar (art.ºs 65º e 66º da petição inicial/p. i.)[1], acrescido dos juros moratórios e da sanção pecuniária compulsória.

Subsidiariamente, e para a eventualidade de assim se não entender, então, que o 2º Réu ou os 3ºs Réus sejam condenados nos mesmos termos.

Alegou, em síntese: é dona de uma máquina industrial (giratória escavadora de lagartas); nas circunstâncias descritas na p. i., o 3º Réu foi solicitado para proceder ao transporte da mesma, com recurso a um veículo trator, provido de semirreboque, conjunto que beneficiava de um contrato de seguro de responsabilidade civil celebrado com a 1ª Ré; a referida máquina industrial foi colocada sobre o semirreboque, mas em razão da atuação do 3º Réu descrita na p. i. e das características dos veículos e da via, a máquina acabou por cair no terreno confinante, ficando danificada, ascendendo o custo de reparação a € 29 771,21; verificaram-se, ainda, prejuízos decorrentes da retirada da máquina do local e da privação do seu uso, melhor descritos na p. i..

Todos os Réus contestaram, autonomamente.

O FGA invocou a sua ilegitimidade, enquanto garante de qualquer obrigação ressarcitória, e que o sinistro se deveu a culpa do próprio lesado, pois que o condutor da máquina, quando esta se encontrava em cima do semirreboque, esticou o braço da mesma, ocasionado um “solavanco” que, por sua vez, deu origem ao deslize do conjunto. Concluiu pela improcedência da ação.

A 1ª Ré/seguradora, alegou, nomeadamente, que os danos estão excluídos do âmbito ou garantia do seguro; o acidente deu-se quando a máquina industrial se encontrava em cima das rampas de acesso à plataforma do semirreboque, em plena operação de carga, e o deslizamento do conjunto ficou a dever-se a uma manobra brusca do manobrador da máquina. Concluiu pela improcedência da ação.

Os 3ºs Réus invocam a sua ilegitimidade para a ação (existência de contrato de seguro que de beneficiava o conjunto trator/semirreboque, pelo que a haver responsabilidade do condutor do trator, o ressarcimento dos danos caberia à 1ª Ré; o acidente terá ocorrido no âmbito da execução de um contrato de prestação de serviços entre a A./dona da máquina industrial e a pessoa que seria beneficiária de tais serviços/CC) e que o acidente deu-se quando a máquina industrial se encontrava em cima das rampas de acesso à plataforma do semirreboque, sendo que o deslizamento do conjunto ficou a dever-se a uma manobra brusca do manobrador da máquina, potenciada pelo estado de degradação da via. Concluiu pela culpa do próprio lesado (A.) na eclosão do sinistro e nos sobrevindos danos, cujo valor impugnou, e pela improcedência da ação relativamente a si (3ºs Réus). Pediu a condenação da A. como litigante de má fé.

A A. respondeu à matéria de exceção, concluindo pela sua improcedência.

Foi proferido despacho saneador que, além do mais, identificou o objeto do litígio e enunciou os temas da prova.

Realizada a audiência de julgamento, o Mm.º Juiz do Tribunal a quo, por sentença de 29.8.2023, julgou a ação parcialmente procedente, pelo que: a) absolveu a 1ª Ré, o 2º Réu e a 3ª Ré dos pedidos contra si formulados; b) condenou o 3º Réu a pagar à A. a quantia de € 29 771,21, acrescida de juros moratórios contados desde 16.11.2018 (data da citação), à taxa legal de 4 % ao ano e até integral pagamento; c) condenou o 3º Réu a pagar à A. o montante indemnizatório correspondente aos gastos mencionados no ponto 16 da factualidade, com o limite de € 2 152,50, a liquidar em decisão posterior; d) absolveu-o do demais peticionado; e) absolveu a A. do pedido de condenação como litigante de má fé.

Inconformada, a A. apelou formulando as seguintes conclusões:

1ª - O Tribunal ad quem deverá prolatar acórdão que:

a) condene a 3ª Ré, BB, plural e solidariamente com o 3º Réu, seu marido, a pagar à A., o valor indemnizatório que a esta é devido, para ressarcimento de todos os danos que lhe advieram do sinistro dos autos, já liquidados ou a liquidar; b) condene os 3ºs Réus, solidariamente, a pagar à A. o valor do dano que se vier a liquidar em decisão posterior, correspondente ao prejuízo que a esta adveio da privação de uso da sua máquina giratória, resultante da circunstância de ela a não poder utilizar para os fins a que normalmente a mesma estava adstrita, desde o dia do sinistro até ao momento em que tais danos foram reparados e a máquina pode recomeçar a operar em condições análogas às do momento imediatamente anterior ao sinistro dos autos, pois que os mesmos impediam-na de a usar;

c) condene os 3ºs Réus a pagarem à A. o valor do custo de reparação da sua máquina giratória: € 43 323,93, acrescido dos juros moratórios contados desde 16.11.2018 (data das citações), à taxa legal de 4 % ao ano, e até integral pagamento;

d) condene os 3ºs Réus nas custas do processo, na relação processual deles com a A., por vencimento integral da ação;

e) confirme, quanto ao demais, a sentença em reapreciação (al. c) da decisão).

2ª - O Mm.º Juiz do Tribunal a quo ao ter decidido nos termos em que o fez violou o disposto nos art.ºs 1677º-D, 1678º, 1690º, 1691º, 1732º, 483º, n.º 1, 562º, 563º, 564, n.ºs 1 e 2 e 566º, n.ºs 2 e 3 do Código Civil (CC); 2º, 3º, 10º. 15º, 230º e 366º do Código Comercial; 609º, n.º 1, 527º, n.º 1 e 533º, n.º 1 do Código de Processo Civil (CPC).

E o 3º Réu também recorreu, apresentando as seguintes conclusões:

1ª - Os fundamentos (factos dados como provados e não provados) estão em clara oposição com a decisão de condenação, razão pela qual se aponta o vício de nulidade da sentença nos termos do art.º 615º, n.º 1, alínea c), do CPC.

2ª - Fica claro que o sinistro ocorre no decorrer das manobras de carregamento da máquina da A. para o semirreboque do Réu, que estavam a ser executadas exclusivamente pelo maquinista e manobrador da máquina, empregado da A., tendo o sinistro ocorrido durante a execução dessas manobras.

3ª - O semirreboque estava parado na via; no decorrer das manobras de carga que estavam a ser executadas pelo maquinista da A., nenhum facto ou ação o Réu praticou junto da máquina ou do semirreboque.

4ª - O Réu limitou-se a parquear o semirreboque no local onde a máquina iria ser carregada e cabia-lhe executar o transporte da máquina, conforme matéria de facto dada como provada.

5ª - Cabia e coube à A., através do seu maquinista, executar a tarefa de carga da máquina para o semirreboque, como aliás veio a acontecer.

6ª - Como se extrai da matéria de facto, toda a ação conducente à execução de manobras de carga da máquina da A. no semirreboque do Réu, couberam e foram executadas pelo motorista da A., sem qualquer tipo de intervenção ou orientação do Réu.

7ª - O Réu limitou-se a estacionar o conjunto de veículos onde iria ser carregada e transportada a máquina sendo que até a escolha do local de carga da máquina se teria de presumir que foi o indicado pelo motorista da A., visto que as manobras para execução do carregamento seriam e foram executadas pelo maquinista da A. e não pelo Réu.

8ª - Nada foi dado como provado ou sequer alegado quanto à questão da escolha do local para se proceder ao carregamento da máquina da A., mas certamente que, caso o motorista da A. entendesse que o local não era apropriado, por certo que não colocaria a sua vida em risco nem colocaria em risco de danificar a máquina que iria manobrar e carregar no semirreboque do Réu.

9ª - Na dinâmica dos acontecimentos caberia ao maquinista da A., se assim entendesse, apontar outro local para proceder ao carregamento da máquina, ou, caso essa solicitação não fosse atendida, recusar-se a proceder ao seu carregamento caso entendesse que o local era propício a potenciar um maior risco do que aquele que as próprias manobras de carregamento já o constituem.

10ª - A ação do Réu e contribuição para o sinistro foram apenas as de fazer deslocar o conjunto de veículos que detinha, de parqueá-los no local onde o sinistro ocorreu, colocar as rampas que permitem à máquina subir para o semirreboque e aguardar que o maquinista da A. encaminhasse e manobrasse a máquina, nos termos e pela forma que entendeu fazê-lo, para cima do seu semirreboque, para depois proceder ao transporte da mesma para o local onde a A. pretendia que fosse transportada.

11ª - O Mm Juiz considera a questão do titular da direção efetiva do veículo de forma errada, imputando ao Réu a titularidade da direção efetiva do veículo de semirreboque, quando na verdade deveria ter apontado ao maquinista da A. a titularidade da direção efetiva da máquina, pois é esta máquina o único veículo que nas circunstâncias em que o sinistro decorre se encontra a ser manobrada, em movimento e de facto com alguém a ter a sua capacidade de dirigir.

12ª - Atendendo à dinâmica do sinistro, temos que o Réu estacionou os seus veículos em local determinado para que a A., através de comissário, o seu empregado e maquinista, conduzisse a máquina giratória para cima do semirreboque do Ré, por forma a que este a transportasse para local previamente determinado.

13ª - Todas as manobras de condução do veículo...

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